Se houve um lado positivo na pandemia, foi a grande aceleração na transformação digital das empresas. Embora já falássemos sobre Indústria 4.0 há muitos anos, só agora ela encontrou mais espaço entre as empresas brasileiras.
O termo, que foi usado pela primeira vez pelo
governo alemão em 2012, engloba uma série de tecnologias que utilizam conceitos
de sistemas cyber-físicos, Internet das Coisas e Computação em Nuvem. Seu
principal atributo é a criação de fábricas inteligentes, que criam uma cooperação
mútua entre seres humanos e robôs.
E, num contexto de tantas restrições nas interações
humanas, os robôs não poderiam ser mais bem-vindos. Tanto é que uma pesquisa
feita pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), revelou que 54% das
indústrias que adotaram de uma a três tecnologias digitais em 2020, registraram
um lucro igual ou maior que no período pré-pandemia. Esse resultado é sete
pontos percentuais maior que o registrado pela indústria analógica.
Dentre as tecnologias mais adotadas no Brasil,
estão o Big Data, impressoras 3D e simulações computacionais. Essas e outras
ferramentas são capazes de interligar o ciclo da empresa, promovendo agilidade
na comunicação de modo a aumentar a eficácia do processo, tornar os
funcionários mais produtivos e fornecer informações precisas para uma melhor
tomada de decisão.
As vantagens ficaram ainda mais evidentes diante da
necessidade de afastar trabalhadores do grupo de risco e manter o
distanciamento social dentro das fábricas e escritórios. As indústrias
automatizadas e inteligentes conseguiram manter o ritmo de produção mais
próximo do normal, galgando um grande diferencial competitivo em especial em um
momento em que começa a faltar matéria-prima no mercado.
Soma-se a isso tendências como o home-office
e o paperless – substituição do uso de documentos físicos por
digitais – que receberam grande notoriedade durante os últimos meses. As startups
que promovem soluções automatizadas para desburocratizar atividades rotineiras
em diversos segmentos, também registraram um expressivo desempenho em 2020. A
perspectiva é que a adoção dessas facilidades se mantenha e continue crescendo
no pós-pandemia.
O fato nos remete a outros acontecimentos
históricos que também proporcionaram grandes avanços na história da humanidade.
Muitas oportunidades e inovações surgiram logo após épocas de grandes crises
humanitárias, como a peste bubônica, em meados do século XIV, que culminou na
criação da medicina moderna, ou a pandemia de cólera na Inglaterra, em meados
do século XIX, que impulsionou a Revolução Industrial. Isso mostra que
passados tempos difíceis, muitas oportunidades tendem a surgir.
Outro mito que cai por terra é o de que a Indústria
4.0 provoca desemprego. A pesquisa da CNI aponta que 30% das indústrias que
adotaram até três tecnologias digitais tinham ampliado os quadros de
funcionários em relação ao período pré-pandemia. No entanto, cabe destacar que
trata-se de uma mão de obra mais qualificada, capaz de operar os sofisticados softwares
e hardwares da robotização. Um gargalo com o qual as empresas precisarão lidar
por meio de investimentos massivos em educação.
A mesma tendência é observada quando se avaliam
dados internacionais da Indústria 4.0 pelo mundo. Não é possível notar uma
correlação entre a maior adoção da tecnologia digital com o avanço nas taxas de
desemprego. O que se percebe é uma busca por mais qualificação, revelando que
quando uma porta se fecha, várias janelas se abrem. Quem tiver empenho para se
preparar, certamente irá encontrar melhores oportunidades no mercado de
trabalho. Cabe lembrar que, um dia, os carros também ocuparam o lugar de
cavalos e cocheiros.
Embora tenhamos dado um salto importante no tema em
2020, esses são apenas os primeiros passos de uma longa maratona. Segundo dados
da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), menos de 2%
das nossas indústrias estão prontas para a Indústria 4.0. Na China, Estados
Unidos e União Europeia estima-se que esse número chegue a 50%. Na Índia e Paquistão
são cerca de 25%. Mesmo tendo melhorado quatro posições no Índice Global de
Inovação (IGI) entre 2019 e 2020, o Brasil ainda ocupa a 62ª posição do
ranking, com uma adesão relativamente baixa à Indústria 4.0.
Apesar de estarmos tão atrás, essa é uma corrida
que está apenas começando. Com a chegada do 5G – prevista para 2021 – o
processo de automatização das indústrias certamente ganhará um novo patamar.
Engana-se quem pensa que teremos apenas uma internet mais veloz. O 5G é a base
para termos trilhões de dispositivos conectados à rede, como carros autônomos,
eletrodomésticos inteligentes, sensores diversos e manufatura preditiva, com
fábricas muito mais eficientes do que é possível hoje.
O lado bom é que temos tempo para avançar. E não
são só as indústrias que precisam se modernizar. O conceito de Indústria 4.0 se
estende também a empresas dos segmentos de comércio e serviços, que vem
adotando tecnologias como o self check-out, estoques autônomos,
inteligência artificial, realidade virtual e aumentada e até a adoção de QR
Codes e criptomoedas para pagamento de produtos ou serviços.
Outro ponto importante é que não necessariamente a
adoção à Indústria 4.0 está atrelada a altíssimos investimentos. Muitas dessas
tecnologias têm baixo custo e promovem grandes ganhos de produtividade,
eficiência e até em segurança da informação. A chave está em fazer uma
implementação adequada e inteligente das tecnologias certas para cada tipo de
operação. Sair comprando e implementando tecnologias sem um prévio planejamento
certamente não é o melhor caminho.
As empresas que desejam melhorar sua
competitividade em esfera internacional precisam investir, acima de tudo, em
gestão para a inovação. Assim como em toda maratona, o corredor precisa de um
bom preparo, como o planejamento da rota, as métricas e as estratégias certas
para conseguir o melhor desempenho. Adotar tecnologias da Indústria 4.0 sem um
conceito claro de realização de valor, com foco em resultado, é andar para
trás.
Alexandre Pierro - engenheiro mecânico, físico nuclear e fundador da PALAS, consultoria pioneira na implementação da ISO 56002, de gestão da inovação.
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