A atividade econômica está em franca recuperação, embora com vigor desigual entre os diversos setores. O varejo restrito tem o melhor comportamento superando, inclusive, seu desempenho anterior à crise. E a indústria, mesmo com os duráveis ainda sentindo os efeitos da pandemia, praticamente voltou a seu nível normal de faturamento, enfrentando, inclusive, alguns problemas de desabastecimento.
O setor que ainda está longe da normalidade é o de
serviços que, com exclusão do comércio, continua amargando perdas
consideráveis, quando comparado com o nível de atividade do início do ano.
Serviços que dependem da presença física das pessoas como, por exemplo, bares e
restaurantes, viagens aéreas, hospedagem e turismo continuam com suas atividades
pouco acima de 50%, quando comparadas com o período anterior.
Mas, o fato das atividades terem voltado com
força, antes do previsto, somado à recuperação do preço dos ativos, está
levando economistas a desenhar um cenário relativamente otimista. De
fato, a bolsa voltou aos cem mil pontos, ou quase, graças aos novos
investidores, que anularam o efeito da saída de bilhões de dólares dos
estrangeiros e o mercado imobiliário, alavancado pelos juros baixos e pela
saída de aplicadores da renda fixa, está aquecido.
Temos que ter em mente que o Brasil, antes da
pandemia, estava tendo um desempenho muito pouco animador, com uma queda
de 2,5%, no primeiro trimestre deste ano, ante o último trimestre do ano
anterior, depois de três anos de crescimento medíocre do PIB, ao redor de 1%
a.a. Assim, mesmo no caso da recuperação em V virar realidade, iriamos
voltar a um nível de atividade econômica que está longe de ser entusiasmante.
Mesmo esta volta a uma situação “normal” é,
entretanto, um cenário duvidoso se nos detivermos, um pouco mais, na análise
dos diversos componentes desta retomada. O consenso geral é que ela foi puxada
por um aumento do consumo devido a dois fatores principais, ou seja, à retomada
dos gastos da classe média, graças à redução do isolamento social e,
principalmente, devido ao crescimento do consumo decorrente do auxilio
emergencial.
Tanto o consumo da classe média, fortemente
represado durante a pandemia, pelo isolamento e pela insegurança sobre o
futuro, quanto o consumo das classes mais pobres, alavancado pelos 600 reais do
auxílio emergencial, são fenômenos transitórios, Ambos tendem a se
esgotar à medida que o consumo represado volte ao normal, depois da bolha
destes dois meses, e que o poder aquisitivo dos mais pobres, cair à metade a
partir de setembro.
Com mais da metade da população, em idade ativa,
desocupada, com o desemprego extremamente alto, salários reais em queda e
portanto redução da massa salarial, empresas e pessoas físicas endividadas,
taxa de investimentos inferior a 15% do PIB e fim do auxilio emergencial,
dentro de três meses, fica difícil imaginar que a recuperação dos últimos dois
meses se transforme numa retomada com crescimento sustentado.
A estratégia do governo, até o momento, se resume à
ressuscitar a agenda pré-crise, limitada à abertura econômica, à redução do
tamanho do Estado e às eternas reformas, ainda que mal explicitadas, sem
ordem de prioridade definida e, às vezes, conflitantes entre si. Esta agenda
não entregou o prometido, ao longo dos últimos quatro anos, e não há nenhuma
razão nova para acreditar que passe a funcionar na pós pandemia.
As reformas, ainda que necessárias, irão fazer
efeito a médio e longo prazo, e são de difícil tramitação no Legislativo por
mexerem nos interesses de setores e corporações. Para ter alguma chance de
sucesso precisam de projetos claros e politicamente bem articulados.
Fica cada vez mais evidente que a decisão de atuar
somente do lado da oferta, deixando a solução dos demais problemas a
cargo do mercado não é suficiente para fazer o país voltar a crescer. Sem
estímulos para a demanda, e sem uma clara articulação, por parte do Estado, de
políticas de desenvolvimento, com os instrumentos necessários, iremos nos
limitar ao crescimento medíocre dos últimos anos.
Precisamos pragmaticamente, retomar, ainda que
devagar e na medida do possível, os investimentos públicos em infraestrutura,
para gerar empregos, renda e demanda para o setor produtivo e, inclusive, para
estimular os investimentos privados. Se para tanto for preciso melhorar a lei
do teto para não engessar o país e para excluir, dela, os investimentos
públicos, isto deverá ter a mesma prioridade do corte das despesas.
João Carlos Marchesan - administrador de empresas,
empresário e presidente do Conselho de Administração da ABIMAQ
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