Uma
das nove musas gregas, de nome Clio, filha de Zeus e Mnemósine, era a fonte de
inspiração da História e da criatividade. A parte que cabe aos operosos
construtores de narrativas no Brasil contemporâneo é a da criatividade, somente
ela. Dane-se a História! Sua tarefa é orientada para induzir ao erro, ocultar o
que for inconveniente, exibir como acontecido o que não passa de suposição.
Aliás, convencer sobre suposições é parte do trabalho, profundamente desonesto,
portanto. Era o trabalho de Goebbels.
Também assim, em muitas salas de aula, a
história do Brasil e os acontecimentos cotidianos são objetos de “narrativas”
em dissimulados cursos de formação de militantes, que engrossam o caldo de
cultura necessário a tal objetivo. Também assim, a imagem de Lula, a cada
condenação, vai para o restauro e ganha grotesco remendos retóricos. Também
assim, em vez de examinarem a indecente pretensão de eleger Renan Calheiros,
criticaram a desobediência dos senadores ao “sagrado” sigilo de voto imposto
pelo companheiro Toffoli. Também ele, está fora de seu tempo.
Nos últimos cinco anos, conservadores e
liberais foram sendo acordados de sua letargia e passaram a clamar por
mudanças, pelo desmonte desses artefatos de guerra cultural que custeiam.
Descobriram que podiam recuperar seu país. E graças às redes sociais, aos
modernos meios de comunicação, ninguém mais é dono da notícia e, menos ainda,
de seu significado. O construtor de narrativas pode colocar na boca de um
congressista a frase de que Lula foi condenado novamente para prejudicar sua
indicação ao Nobel da Paz. Ele pode mandar dizer que não foram as organizações
criminosas que motivaram a Lava Jato, mas a Lava Jato que criminalizou a
política. Pode, mas viralizará em memes, piadas e causará gargalhadas. Goebbels
vai ao suicídio.
Qualquer dúvida sobre o significado
dessa nova, democrática e irreprimível interação restou esclarecida nas duas
sessões preparatórias para a instalação do ano legislativo e eleição da
presidência do Senado. Bem vistas as cenas, lançado esse olhar sobre o
fervilhante comportamento do plenário, ficou evidente a intensa atividade
on-line. Senadores filmavam e filmavam-se, falavam e ouviam. Iam às suas
páginas e escreviam. E liam. E contavam likes e dislikes. Às urtigas a ordem do
Toffoli! Exibiram seus votos porque a sineta da soberania popular soava sobre
as mesas e nos bolsos dos casacos.
Durante décadas, os construtores de
narrativas foram muito bem sucedidos. Especialmente no tempo das velhas
“cartilhas”. Ou do “cartilhismo”, como dizíamos aqui no Rio Grande do Sul, onde
escrevo. Com estes instrumentos, os ativistas de esquerda eram nacional e
uniformemente abastecidos de construções retóricas, esfarrapadas desculpas e
grotescas acusações que, reiteradas além dos limites da náusea, tinham, pela
repetição, aquele indigesto e conhecido poder de convencimento estudado por
Goebbels. Pois esse tempo acabou, rápido e a muito baixo custo. No Senado
brasileiro, Goebbels foi sepultado de vez, com audiência nacional. Raras
preces, muitas vaias.
Percival Puggina - membro da Academia
Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org,
colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o
totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do
Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
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