Enfermidade não inflamatória, que afeta a estrutura da
córnea, camada fina e transparente que recobre toda a frente do globo ocular,
cuja evolução pode levar à cegueira e necessidade de transplante da córnea.
Os poetas
contam em verso e prosa que os olhos são a janela da alma, pois são eles que
captam as informações visuais do mundo exterior e que também revelam todo o
sentimento de uma pessoa. Apesar de todo o encantamento, os olhos são
acometidos por doenças que nem sempre são tão conhecidas, como é o caso do
ceratocone.
O
ceratocone é uma doença na qual a córnea passa
por um processo de mudança da curvatura e pode ser confundida com outras
alterações oculares, porque afeta a qualidade visual. Além da consulta
oftalmológica de rotina, um dos exames básicos para seu diagnóstico é a
topografia corneana com disco de Plácido. Essa doença envolve três aspectos
críticos: é bilateral, assimétrica e progressiva, ou seja, costuma acometer os
dois olhos, mas não evolui da mesma forma em cada um dos olhos com o passar
dos anos e piora quando não é tratada ou fica sem acompanhamento especializado.
O aparecimento desta doença inicia-se, geralmente na
adolescência, afeta um pouco mais as mulheres do que os homens e evolui
comumente até 30 ou 35 anos, quando geralmente ocorre uma estabilização
natural.
“A
combinação dessas características é importante para entender que um paciente
pode viver muito tempo com um dos olhos muito bom, enquanto a doença vai
avançando de maneira mais significativa no outro olho. É fundamental a consulta
anual desde criança no oftalmologista, para evitar que, ao chegar em uma primeira
consulta aos 16 anos, por exemplo, a doença já esteja em um nível muito
avançado. Ao aparecer na adolescência, o ceratocone pode comprometer o
desenvolvimento de uma pessoa que tem a vida inteira ainda pela frente”, alerta
Walton Nosé, doutor em oftalmologia, Prof.
Adjunto Livre Docente da UNIFESP-EPM e presidente
da Associação Brasileira de Catarata e Cirurgia Refrativa (ABCCR-BRASCRS)
Causas e
fatores de risco
Algumas literaturas científicas relatam que ainda não se
conhece a causa exata da doença e que, possivelmente, as alterações na
superfície da córnea sejam resultado de inúmeros fatores que contribuem para a
perda de elementos estruturais dessa membrana e vão desde o decréscimo no
aporte de colágeno até o ato de esfregar ou coçar os olhos com frequência. Entretanto,
sabe-se que o ceratocone é uma doença que tem um componente de
transmissão genética, mas isso não quer dizer que todos os filhos, cujos pais
têm ceratocone, manifestarão o problema. Esse tipo de doença familiar deve ser
informado ao oftalmologista por se tratar de um fator de risco. O médico deverá
ressaltar a importância de consultas mais frequentes e a realização de outros
exames, além da topografia da córnea, como a tomografia e a paquimetria, ainda na infância. Desta
forma, o oftalmologista consegue
intervir para que o paciente não apresente problemas mais graves de visão ou
sofra de uma perda visual significativa.
A alergia ocular também é um fator associado ao ceratocone. “No
consultório, frequentemente vemos pacientes com ceratocone que apresentam
quadro de conjuntivite alérgica e com o hábito de coçar os olhos, ato este
muito relacionado à progressão da doença. Por isso, é necessário orientar pais
e responsáveis a levarem a criança a uma consulta quando ela coça muito os
olhos, especialmente se tem algum caso de ceratocone na família”, completa
Dr. Walton Nosé.
Estudos mostram que o ato de coçar pode aumentar de maneira
significativa a pressão intraocular, afastando ainda mais as fibras de colágeno
da córnea, liberando citocinas inflamatórias, e ainda promovendo um ambiente
favorável à colagenase (digestão das fibras de colágeno) e, consequentemente, a
diminuição de resistência da córnea, que fica mais suscetível a mudar sua
curvatura.
Fotofobia, comprometimento da visão noturna,
visão dupla (diplopia), formação de múltiplas imagens de um mesmo objeto
(poliopia) ou de halos ao redor das fontes de luz são outros sintomas da
doença.
Tratamentos
atuais
Nas fases iniciais, quando a deformação da córnea não é
grave, o uso de óculos é suficiente para recuperar a acuidade visual. No
entanto, à medida que o ceratocone evolui, os óculos precisam ser substituídos
por lentes de contato que ajudam a ajustar a superfície anterior da córnea e a
corrigir o astigmatismo irregular provocado pela deformidade.
No
Brasil, o ceratocone ainda é responsável pela maioria dos transplantes de
córnea realizados. Cerca de 80% dos casos de transplante de córnea são
decorrentes de ceratocone avançado, que não pode mais ser beneficiado pelas
técnicas menos invasivas, como implante de anéis e crosslinking.
O
crosslinking é uma forma de tratamento que interrompe a progressão do
ceratocone, com taxa de eficiência de 98%. “Quando o paciente tem menos de 20 anos, é usual indicar este
procedimento cirúrgico que detém a progressão, que se chama crosslinking
da córnea, pois os estudos científicos mostram que esta cirurgia interrompe a
progressão da doença. Se o paciente tem mais de 20 anos, é importante
documentar se ele apresenta uma progressão acelerada do ceratocone, manifesto por
aumento de curvatura, afinamento da córnea, baixa visual ou aumento do grau de
miopia presente, entre outros fatores”, completa Walton Nosé, presidente da
ABCCR-BRASCRS.
Quando
o ceratocone é considerado estável, o foco do tratamento pode ser melhorar a
qualidade visual da pessoa com o uso de óculos corretivos ou de lentes de
contato especiais. Além disso, se o paciente tem
uma alteração de visão significativa, uma alternativa é o implante de um anel
corneano intraestromal que, por meio de uma ação mecânica, promove um
aplanamento da curvatura da córnea.
“Em situações nas quais não se opta pelo crosslinking de
imediato, é primordial manter o acompanhamento próximo do paciente com
ceratocone, principalmente naqueles menores de 30 anos de idade, com consultas
a cada 6 meses, a fim de se documentar se há ou não a progressão da doença. É
importante avaliar caso a caso com o oftalmologista compartilhando as
informações com a família. Além disto, atualmente temos várias opções de
correção óptica, sendo o transplante de córnea muitas vezes postergado e até
evitado”, esclarece o especialista.
Na maior parte dos pacientes que não realiza algum tratamento
ou acompanhamento do ceratocone, a doença vai progredindo num ritmo que varia
de pessoa para pessoa. Nesta progressão, a córnea fica fina e abaulada, como um
cone, podendo apresentar opacidade central, um estágio que não é reversível – a
solução passa a ser apenas o transplante corneano.
Lembramos ainda que uma pessoa com ceratocone não deve
realizar cirurgias refrativas com laser, porque este procedimento pode
fragilizar ainda mais uma córnea já delicada.
Sobre ABCCR
A ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE CATARATA E CIRURGIA REFRATIVA
(ABCCR) visa congregar oftalmologistas, ampliar o estudo e acompanhar o
desenvolvimento de todos os aspectos técnicos e científicos inerentes à
cirurgia de catarata, aos implantes intraoculares e da cirurgia refrativa,
propagando-os aos oftalmologistas e estendendo seus benefícios à comunidade.
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