Lesgilação
estabelece diretrizes para o atendimento integrado, escuta especializada e
Depoimento Especial, evitando a revitimização de crianças e adolescentes que
tenham direitos violados
Nesta quinta-feira (5), entra em vigor no país a Lei
13.431/2017, que estabelece um sistema de garantia de direitos
a crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violências. Entre os tipos
de violação estão o abuso e a exploração sexual, tema central de enfrentamento
da Childhood Brasil, desde sua fundação, em 1999. Uma das
articuladoras da nova legislação, a instituição tem no programa Depoimento
Especial, cujas experiências ao longo da última década subsidiaram
a formação do projeto que deu origem a lei, uma de suas principais plataformas
de defesa dos direitos humanos de crianças e adolescentes.
Sancionada pelo Presidente da República no dia 04
de abril de 2017, a lei tem como finalidade transformar a maneira como crianças
e adolescentes são atendidos hoje na Rede de Proteção. A Childhood Brasil
defende que o excesso de exposição da vítima ou testemunha de violência, como
repetições da agressão sofrida, não assegura os direitos de crianças e
adolescentes, que ainda convivem com a dispersão dos serviços e a falta de
formação específica dos profissionais. Ou seja, sofrem ainda mais com a
violência institucional resultando na revitimização.
Com o objetivo de evitar justamente essa
revitimização, a nova legislação estabelece diretrizes para o atendimento
integrado, a escuta especializada e o Depoimento
Especial. Hoje, crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas
de violência sexual são submetidas a mais sofrimento quando, ao serem atendidas
pelos órgãos de atenção ou prestar depoimento sobre os fatos ocorridos, se
encontram num ambiente destinados a adultos, hostil à infância e à juventude. O
fato de ter que repetir a história da violência ocorrida três, quatro e até
oito vezes as revitimizam, dificultando a superação das situações traumáticas e
a responsabilização dos infratores.
Para que isso não ocorra mais, crianças e
adolescentes devem falar o mínimo possível sobre o fato ocorrido e, quando
tiverem que fazê-lo, que isso seja feito para profissionais capacitados,
seguindo um protocolo, como o de entrevista forense. A Lei 13.431/2017 ainda
inova ao recomendar mecanismos e princípios de integração das políticas de
atendimento, orientando a criação de Centros de Atendimento Integrados e
propondo que os ambientes sejam acolhedores e seguros.
Análise da Childhood Brasil, com base nos dados do
Disque 100 e do Sistema Único de Saúde (SUS), revela que entre 2012 e 2016 mais
de 172 mil casos de abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes foram
notificados no país. Visto de outra forma, o dado indica que, a cada hora, pelo
menos quatro crianças ou adolescentes são vítimas da violência sexual no
Brasil, em especial as meninas.
Junto com a Childhood Brasil, a Frente Parlamentar
Mista de Promoção e Defesa dos Direitos da Criança e Adolescente e a UNICEF
Brasil, entre outras organizações e pessoas, também contribuíram com a
elaboração da Lei.
Veja as 10 principais contribuições da Lei
13.431/17 para o enfrentamento das violências contra crianças e adolescência:
1.Caracteriza as modalidades de violência: física,
psicológica e sexual. Há um destaque importante: a depender da forma com que
são atendidas, as crianças e adolescentes acabam sofrendo de violência
institucional. É a chamada violência secundária, quando há excesso de exposição
e repetições desnecessárias.
2. Inova nos instrumentos de proteção,
estabelecendo direitos e garantias específicos, como a proteção contra
sofrimentos durante o curso das intervenções em casos de violência.
3. Distingue como escuta especializada aquela
realizada pelos órgãos da rede de proteção (saúde, educação, assistência
social) e como depoimento especial aquele realizado pela Justiça. Com isso
delimita as competências e atribuições de cada órgão de atendimento.
4. Detalha os procedimentos de escuta
especializada e de depoimento especial, pautando-se pelas mais avançadas
metodologias existentes. Garante tanto a segurança e a proteção das crianças e
adolescentes como a apuração transparente e livre de sugestionamentos em
relação ao réu evitando, assim, o risco de levar um inocente para a prisão.
5. Determina que a criança e/ou adolescente
permaneça em um ambiente acolhedor, no qual um profissional especializado vai
conduzir o depoimento, que é gravado e transmitido para uma sala ao lado. Nesta
sala, juiz, promotor e/ou defensor assistem e podem fazer perguntas, não
diretamente à criança e/ou adolescente, mas ao profissional, que as fará
seguindo os protocolos. O depoimento é gravado e pode ser utilizado por outros
atores do Sistema de Garantia de Direitos, quando estritamente necessário.
6. Estabelece a produção antecipada de provas,
de forma a diminuir o número de vezes que meninas e meninos precisam relatar o
fato ocorrido. É obrigatória quando a criança tiver até 7 anos e para todos os
casos de violência sexual. Já para outras formas de violência e outras faixas
etárias é previsto, mas não obrigatório.
7. Estabelece diretrizes para a integração das
políticas de atendimento, que poderá ser exigida inclusive judicialmente, como
forma de garantir direitos. É recomendado que essa integração seja feita
mediante a implementação de Centros de Atendimento Integrado, como existem em
diversos países, mas com implantação ainda pequena no Brasil.
8. Aprofunda as atribuições específicas, mas
complementares, entre os órgãos da saúde, assistência social e segurança
pública. Também reforça o importante papel de controle dos conselhos tutelares.
Nesse sentido, a lei busca não só coibir os atos criminosos, mas também avaliar
a capacidade de proteção das famílias e o papel do Estado em apoiá-las.
9. Induz os estados a criarem órgãos
especializados no atendimento de crianças e adolescentes vítimas de violências,
como delegacias e varas. As varas especializadas são, inclusive, uma demanda
ainda pouco implementada que o Comitê dos Direitos da Criança das Nações Unidas
fez ao Brasil, ainda em 2003.
10. Reforça o status de segredo de justiça na
tramitação dos casos de violências contra crianças e adolescentes,
estabelecendo pena de reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos e multa para quem
violar o sigilo do depoimento especial.
Veja as dicas da Childhood Brasil para
implementação da Lei 13.431/17:
1. Estados e municípios
- Criar mecanismos de integração dos fluxos de atendimento às crianças e adolescentes vítimas de violências, sempre na modalidade de Centros Integrados de Atendimento.
- Estabelecer normas técnicas para a escuta especializada de crianças e adolescentes.
- Capacitar os profissionais da rede de proteção em metodologias não revitimizantes de atenção às crianças e adolescentes.
2. Sistema de Segurança Pública
- Fazer gestão para criação das delegacias especializadas na investigação de suspeitas ou ocorrências de violências contra crianças e adolescentes.
- Criar ambientes amigáveis às crianças e adolescentes, que respeitem a sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.
- Estabelecer os procedimentos operacionais padrão para a tomada de depoimento especial de crianças e adolescentes.
- Desenvolver ações continuadas de formação dos agentes policiais e equipes técnicas envolvidas no atendimento de crianças e adolescentes vítimas de violências.
3. Sistema de Justiça
- Tomar iniciativas legais e orçamentárias para criação das varas especializadas.
- Estabelecer os procedimentos para a tomada de depoimento especial de crianças e adolescentes visando a.
- Criar ambientes amigáveis para crianças e adolescentes que respeitem a sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.
- Desenvolver ações continuadas de formação das autoridades judiciais e equipes técnicas envolvi - das nos processos de investigação e judicialização de crimes sexuais.
Sobre a Childhood Brasil
É uma organização brasileira que trabalha, desde
1999, para influenciar a agenda de proteção da infância e adolescência no país.
A organização tem o papel de garantir que os assuntos relacionados ao abuso e a
exploração sexual de crianças e adolescentes sejam pauta de políticas públicas
e do setor privado, oferecendo informação, soluções e estratégias para as
diferentes esferas da sociedade. A Childhood Brasil é certificada como Organização
da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip) e faz parte da World Childhood
Foundation (Childhood), instituição internacional criada pela rainha Silvia da
Suécia.
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