Uma das funções primordiais da Literatura é
interpretar os males de uma época. Ora, um romancista pode e deve ser, além de
ficcionista, um tradutor dos grandes problemas de seu tempo. E, mesmo, de
outros!
Escrever é arte compromissada com um pensamento
evolutivo – o ato de criar figuras de ficção, mas tendo por base conceitual personas
tão humanas como as carnais, refletindo assim os conflitos do homem em todas as
sociedades.
No meu caso particular, já publiquei dois romances
passados no século XIX e tenho escritos outros bem distantes desta nossa era
2000. Contudo, num romance contemporâneo – como é ROMA PARA SEMPRE –, a ficção
me abriu portas para um retrato de realidade com a tessitura mais viva do
momento atual – os problemas entre nações relacionados a cultura religiosa,
sociedade e relações internacionais calcadas entre o poder e o conflito.
Assim foi que neste romance senti necessidade de
tratar, em pano de fundo, a intolerância religiosa e o terrorismo – bases do
silogismo dessa ultramoderna guerra mundial. E tal necessidade se deu desde o
início (ainda no momento da construção da story line, nas bases sinópticas do
enredo), quando pensei numa mulher atual do Ocidente a chocar-se com uma
cultura que mantém tradições aparentemente improváveis para nós,
ocidentais.
Mas – acredite! – o romance não é, nem de longe,
algo árido. Até as areias do Liwa têm cores (risos), quando testemunham uma
história de amor quente como o deserto... E a trama possui a leveza do que é
atual também em termos de glamour, já que conta a história de uma estilista de
fama internacional, em sua vida movimentada. Há passagens descontraídas e
vibrantes – desde os badalados modismos da sofisticada capital italiana até o
Milan Fashion Week(!). Mas tudo isso em um contexto que espelha os
problemas desse mesmo mundo. A protagonista é uma mulher consciente das
necessidades de seu tempo:
Por isso, gosto de avançar no tempo, conquistar
posições, combater o pensamento retrógrado e a intolerância religiosa (p.36).
Apesar da beleza do amor do casal protagonista, o
livro não deixa de propor reflexão... Onde estará a divisa, afinal, da
resistência de cada um de nós na hora de receber ou adotar as leis de outro
povo? Seremos capazes de aceitar as simbologias e os costumes de um outro
padrão cultural de culto ou convivência? E, afinal, o que é ruim ou inaceitável só existe
nos reinos estrangeiros?
Culturas diferentes são reinos adversos, e não há
no país vizinho – ao que parece – uma erva daninha que também não se prolifere
no solo de nossa própria nação (p. 131).
Sim, isso pode parecer difícil de entender, mas a
intolerância a outros povos renega o que de mais universal pode haver: a
natureza humana. E isso, meu leitor, não está traçado individualmente nas
linhas do globo. É a ideia da união ideológica que pode salvar a Babel
contemporânea das relações armadas ou intolerantes.
Os espetáculos dos Coliseus contemporâneos serão
menos hediondos? (p. 15).
A trama – mesmo contando uma história de amor –
leva a pensar na arbitrariedade de nossos julgamentos, na intolerância
religiosa do mundo atual e na falta de empatia do ser humano de todas as
culturas e de qualquer parte do planeta.
Bom, no fim das contas (e sem dar
spoiler),
é possível adiantar que no romance, como no mundo, a ideia que move tudo é a
máxima do amor universal. Apenas isso! Sentença tão antiga como as Escrituras.
Divisa expressa por Jesus Cristo no Evangelho, na liturgia católica, nos
cânones espiritualistas, pelo monges do Tibet...
Na linha natural desse pensamento, o Papa Francisco
também falou sobre a questão da intolerância religiosa, recentemente,
referindo-se a esse mesmo (antigo) amor coletivo que deve nortear os povos. Não
por acaso, a intolerância religiosa foi também o tema da redação do ENEM deste
ano. Diante dos apelos de ordem universal, parece mesmo que todos – no Brasil e
no resto do mundo – agora se voltam para uma ideia unificadora de gerações e
nações variadas – ainda que em meio a culturas e credos diferentes.
No decorrer da trama de ROMA PARA SEMPRE há sinais
desse clima de terrorismo a assolar os noticiários, seja em aeroportos
internacionais, seja nos conglomerados urbanos. E o leitor – mesmo nessa
atmosfera – não tem qualquer dificuldade em viajar pelos belos cenários que a
narrativa propõe.
De todo modo, pregando justamente a tolerância, a
obra não escolhe culpados indistintamente, afinal a ficção nem tem essa
responsabilidade. Além disso, nem todo muçulmano segue o Islã, nem todo ataque
terrorista pode ser atribuído a determinada facção. É claro que o livro,
sendo uma obra atual, alude ao extremismo, quer por ramificações a (outras)
ações de terror na Europa – grupos vários e indeterminados –, quer pelas
notícias de ataques terroristas assumidos pelo Estado Islâmico.
Contudo, não cabe à Literatura, menos ainda ao
gênero romance, classificar o mundo em gregos e troianos. Aqui, o que
vale a pena é conhecer o romance da italiana Paola Romanatto com o Sheik Malik
Shaad Akmakjian. Porque no livro, afinal, o que se sobressai é a história de um
amor – proibido justamente pela diferença cultural.
E a verdade maior é que o grande
problema da paz universal atinge cada um de nós quando entra em nossa casa (p.
146). Bom, é essa a lição decisiva a
ser aprendida – no Enem ou na cartilha das nações! Quanto ao desenlace e ao
clímax da história, só a leitura poderá dizer...
Pelo fim da intolerância religiosa:
– E tu, Lorenzo, não vem com preconceito ao
estrangeiro!
– Você está sendo intolerante, Paola! Tem que dar o
peso certo a cada medida. O universo é vasto (...) Há diferenças entre Terra e
Mercúrio embora ambos girem em torno do Sol.
Texto escrito por Sayonara Salvioli,
romancista, dramaturga, biógrafa, contista e cronista com obra estudada na
Miami University (Oxford – OH, USA). Como romancista, em 2015 lançou em
Portugal obra passada no século XIX, e em 2016 Perfumes de Paris – da Primavera
Editorial –, livro centrado na França da Belle Époque. A escritora é membro de
academias de Letras no Brasil e na França.
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