Cientistas brasileiros do consórcio ImunoCovid mostram que a infecção por SARS-CoV-2 leva a uma ‘tempestade’ de enzimas no pulmão, que danifica o órgão e pode deixar sequelas (imagem: Freepik)
Pesquisadores brasileiros descobriram
um mecanismo ligado ao agravamento da COVID-19 nos pulmões, abrindo uma nova
possibilidade para tratamento. Estudo publicado na revista
científica Biomolecules mostrou, pela
primeira vez, que a atividade enzimática e a expressão de dois tipos de
metaloproteinase, MMP-2 e MMP-8, aumentaram significativamente nos pulmões de
pacientes graves infectados pelo SARS-CoV-2.
Essa
espécie de “tempestade” de enzimas ajuda no processo de inflamação
exacerbada do pulmão, que acaba alterando as funções do órgão. Normalmente, as
metaloproteinases (grupo de enzimas que participam do processo de degradação de
proteínas) são importantes na cicatrização e no remodelamento do tecido, mas,
com a produção excessiva, é como se elas atuassem para lesionar o pulmão.
Outros
estudos já haviam comprovado que a resposta hiperinflamatória à COVID-19 é
caracterizada pela “tempestade” de citocinas, levando à síndrome do desconforto
respiratório agudo (SDRA). Agora, o grupo de cientistas desvendou um mecanismo
de desregulação das metaloproteinases, que pode estar associado à formação de
fibrose no órgão, deixando sequelas nos pacientes.
Foram
analisadas amostras de líquido aspirado traqueal de 39 pessoas internadas com
casos graves de COVID-19, intubadas em Unidades de Tratamento Intensivo (UTIs)
da Santa Casa e do Hospital São Paulo, ambos em Ribeirão Preto, entre junho de
2020 e janeiro de 2021. Também foram incluídos 13 voluntários críticos
hospitalizados, mas por diferentes condições clínicas, para o grupo de
controle, além de dados de proteoma de biópsias pulmonares de indivíduos
falecidos em decorrência da doença.
“Descobrimos que as metaloproteinases
agem por dois mecanismos no pulmão: por injúria tecidual e ao modular a
imunossupressão por meio da liberação de mediadores inflamatórios existentes na
membrana das células, como o sHLA-G, um importante mediador de resposta imune”,
explica à Agência FAPESP Carlos Arterio Sorgi,
professor do Departamento de Química da Faculdade de Filosofia, Ciências e
Letras de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo (FFCLRP-USP), e um dos
autores correspondentes do estudo.
A injúria
é causada quando o tecido detecta um estímulo nocivo externo ou um corpo
estranho. Nessas circunstâncias ocorre uma inflamação e, durante esse processo,
o cenário se modifica com o surgimento de células de defesa produzindo
mediadores que levam a um estresse oxidativo descontrolado.
No campus
da USP em Ribeirão Preto, Sorgi é um dos coordenadores do consórcio de pesquisa
ImunoCovid, uma coalizão multidisciplinar de 11 pesquisadores da USP e da
Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) que trabalham em colaboração,
compartilhando dados e amostras.
O consórcio, apoiado pela FAPESP, é
liderado por Lúcia Helena Faccioli,
professora da FCLRP-USP que também assina o artigo. O trabalho recebeu
financiamento por meio de seis projetos (20/05207-6, 14/07125-6, 20/08534-8, 20/05270-0, 14/23946-0, 21/04590-3).
Além disso, o grupo contou com a
participação da professora Raquel Fernanda Gerlach,
da Faculdade de Odontologia de Ribeirão Preto, especialista em
metaloproteinases que divide a correspondência do artigo. “O consórcio buscou
essa parceria para conseguir responder às perguntas mais complexas que
apareceram neste caso”, conta Sorgi.
Resultados
Ao
analisar as amostras, os pesquisadores detectaram que as taxas de MMP-2 e MMP-8
foram significativamente maiores no líquido aspirado traqueal de pacientes com
COVID-19 em comparação aos não contaminados por SARS-CoV-2. Além disso, os
indivíduos que morreram tinham um nível maior dessas enzimas ativas do que os
que sobreviveram.
Durante a
ação das metaloproteinases no pulmão são liberadas moléculas do sistema imune
das membranas das células, entre elas sHLA-G e sTREM-1, responsáveis por causar
imunossupressão no órgão. Ou seja, em vez de estimular a imunidade antiviral, o
vírus acaba não enfrentando resistência do organismo.
Na
pesquisa, os dados demonstraram que os níveis de sHLA-G e sTREM-1 eram elevados
em pacientes com COVID-19 e, após uma série de testes, ficou demonstrado que a
MMP-2 estava envolvida na liberação de sHLA-G.
Em 2020, outro estudo do consórcio
ImunoCovid havia apontado que o acompanhamento das taxas da proteína sTREM-1 no
plasma, a partir dos primeiros sintomas, serviria como uma ferramenta
importante para auxiliar na tomada de decisão das equipes de saúde e como um
preditor de evolução e desfecho da COVID-19 (leia mais em: agencia.fapesp.br/34265/).
De acordo com os resultados
publicados na Biomolecules, pacientes com a
doença também apresentaram aumento na contagem de neutrófilos (um tipo de
leucócito responsável pela defesa do organismo, capaz de produzir algumas
metaloproteinases e espécies reativas de oxigênio) no pulmão.
Embora a
base molecular da imunopatologia do SARS-CoV-2 ainda seja desconhecida, está
estabelecido que a infecção pulmonar se associa à hiperinflamação e ao dano
tecidual. As MMPs são componentes cruciais dos processos que levam à pneumonia
e ao agravamento dos casos da COVID-19.
Até então, as metaloproteinases
vinham sendo estudadas como biomarcadores para a doença, como foi o caso
de artigo publicado no ano
passado por outra equipe de pesquisadores da USP de Ribeirão Preto na
revista Biomedicine & Pharmacotherapy.
No
trabalho divulgado agora, essas moléculas aparecem na patogênese do pulmão,
como potencial alvo terapêutico. Segundo Sorgi, a ideia é seguir os trabalhos
testando em modelos animais um inibidor de metaloproteinase associado a
anti-inflamatórios para tentar reverter o quadro grave de COVID-19. Uma
dessas drogas é a doxiciclina, antibiótico disponível no mercado brasileiro e
atualmente usado para tratar doenças como febre tifoide e pneumonia.
“Vamos
precisar começar do zero. A ideia é montar um novo projeto, incluindo parcerias
com grupos internacionais, para trabalhar com o modelo animal e depois a
aplicação clínica”, afirma o professor.
O artigo Matrix Metalloproteinases on Severe COVID-19 Lung Disease
Pathogenesis: Cooperative Actions of MMP-8/MMP-2 Axis on Immune Response
through HLA-G Shedding and Oxidative Stress pode ser lido
em: www.mdpi.com/2218-273X/12/5/604/htm#.
Luciana
Constantino
Agência
FAPESP
https://agencia.fapesp.br/pesquisa-revela-mecanismo-ligado-ao-agravamento-da-covid-19-nos-pulmoes-e-abre-caminho-para-tratamento/38455/

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