O aumento na duração da estação seca resultou em diminuição da cobertura arbórea e expansão da vegetação de tipo savânica ou campestre no Cerrado. Mudança climática em curso pode levar a situação semelhante no final do século 21 (paisagem do Cerrado na bacia do rio São Francisco; foto: acervo dos pesquisadores)
A bacia hidrográfica do rio São Francisco
abriga parte substancial do Cerrado, além de amplas áreas de Caatinga e, em
menor proporção, de Mata Atlântica. O Cerrado ocupa a porção central da bacia e
seu complexo bioma apresenta diversas fisionomias, variando desde a vegetação
aberta, sem árvores e com expressivo estrato herbáceo e pequenos arbustos, até
o dossel fechado, com densa ocorrência de árvores.
A
densidade da cobertura arbórea tem profunda importância ecológica nesse bioma,
exercendo grande influência em fatores como propagação do fogo, fauna local,
ciclo hidrológico e balanço de carbono. Reconstruções precisas da vegetação do
passado são fundamentais para entender a distribuição e a diversidade atuais da
flora do Cerrado e para projetar cenários futuros.
Um estudo recentemente publicado no
periódico Quaternary Science Reviews mostra
que a densidade de árvores no Cerrado foi majoritariamente controlada pela
duração da estação seca nos últimos 45 mil anos.
O trabalho é parte da dissertação de
mestrado de Jaqueline Quirino Ferreira e
foi coordenado por Cristiano Mazur Chiessi,
professor da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São
Paulo (EACH-USP). Recebeu apoio da FAPESP por meio de dois projetos (18/15123-4 e 19/24349-9) –
um deles vinculado ao Programa de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais (PFPMCG) e outro ao Programa de
Pesquisas em Caracterização, Conservação, Recuperação e Uso Sustentável da
Biodiversidade do Estado de São Paulo (BIOTA).
“Para
correlacionar a variação do clima com a densidade de árvores, utilizamos
indicadores independentes de precipitação e vegetação registrados em sedimentos
coletados ao largo da desembocadura do rio São Francisco. Mais especificamente,
analisamos as composições de isótopos de hidrogênio e carbono em ceras de
plantas oriundas da bacia do São Francisco e depositadas em sedimentos
marinhos”, diz Ferreira.
Segundo a
pesquisadora, essas ceras são lipídeos que se formam sobre as folhas e
controlam o processo de evapotranspiração da planta, ao mesmo tempo que a
protegem da radiação ultravioleta. A composição dos isótopos de hidrogênio
indica o padrão de chuvas na época em que essas ceras foram produzidas.
Enquanto a composição dos isótopos de carbono registra a extensão da cobertura
arbórea.
“Esses
dados, juntamente com análises geoestatísticas e resultados de um modelo
climático numérico, sugerem que as mudanças na duração da estação seca da
região estariam relacionadas a alterações na radiação recebida do Sol. Estas,
por sua vez, foram induzidas por variações na inclinação do eixo de rotação da
Terra”, explica Chiessi.
Inclinação variável
Como se
sabe, o eixo de rotação da Terra não é ortogonal ao plano no qual ela se
movimenta ao redor do Sol. Ele apresenta uma pequena inclinação, que foi
provavelmente causada por um impacto que a Terra sofreu de outro corpo celeste
no passado remoto. Atualmente, a inclinação axial da Terra é de aproximadamente
23°26’ (vinte e três graus e 26 minutos de arco). Porém, esse valor não é fixo.
Devido à atração gravitacional dos outros planetas do Sistema Solar,
principalmente de Júpiter e Saturno, ele oscila ciclicamente entre um mínimo de
22°00’ e um máximo de 24°30’. O ciclo completo dura cerca de 41 mil anos.
“Durante o
período de máxima inclinação do eixo, o aquecimento anômalo do hemisfério de
verão causou uma reorganização da circulação atmosférica tropical, provocando,
na bacia do São Francisco, um aumento na duração da estação úmida. Isso
possibilitou a expansão da vegetação arbórea. Por outro lado, no período de
mínima inclinação, o aumento da duração da estação seca resultou em uma
diminuição do número de árvores e na expansão da vegetação de tipo savânica ou
campestre na região”, informa Chiessi.
Alterações
similares àquelas que ocorreram na circulação atmosférica tropical durante os
períodos de mínima inclinação do eixo da Terra são projetadas nas simulações de
aquecimento global para o fim do século 21. Assim como nas variações
induzidas por modificações na inclinação do eixo da Terra, as mudanças
climáticas antrópicas podem alterar a duração da estação seca em diversas
regiões do globo. “Na maior parte da bacia do rio São Francisco as
projeções indicam aumento na duração e intensidade da estação seca. Tal cenário
pode levar, conforme registrado no passado geológico, a uma marcante diminuição
da cobertura arbórea do Cerrado”, enfatiza Chiessi.
A
compreensão de como os ecossistemas se adaptaram às variações do passado
fornece uma perspectiva de longo prazo sobre a magnitude e os aspectos
espaciais e temporais das mudanças ecológicas em curso.
O artigo Changes in obliquity drive tree cover shifts in eastern tropical
South America pode ser acessado em: www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0277379122000336?dgcid=coauthor.
José Tadeu
Arantes
Agência
FAPESP
https://agencia.fapesp.br/menor-inclinacao-do-eixo-da-terra-provocou-no-passado-o-ressecamento-do-clima-no-nordeste/38168/
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