Há pouco mais de um ano uma violenta explosão em um depósito de nitrato de amônio destruiu parte de Beirute e matou centenas de pessoas. As imagens da tragédia correram o mundo e alertaram para os efeitos da negligência na manutenção e no trato das questões portuárias. Infelizmente, as autoridades brasileiras parecem não ter aprendido com o lamentável episódio na bela capital libanesa.
Nosso maior porto, o de Santos, concentra em sua
operação e ao redor uma série de perigos à segurança da população, sem que haja
ao menos uma iniciativa oficial para evitar um acidente que, diante do
histórico de ocorrências na região, não seria nenhuma surpresa. Basta lembrar
dos incêndios da Alemoa (2015), da Localfrio (2016) e da
Ilha Barnabé (2017), todos com falta de fiscalização na origem dos
eventos.
A exemplo de Beirute, a manipulação de nitrato de
amônio acontece também no porto de Santos, e já está sendo alvo de
representações como a da OAB local. As cenas de agosto do ano passado no porto
libanês não deixam dúvidas sobre o potencial de destruição desse
material.
O nitrato de amônio não é normalmente explosivo,
mas trata-se de um poderoso oxidante e, como tal, concentra energia suficiente
para desencadear reações em cadeia ao entrar em contato com materiais orgânicos
como óleo diesel, açúcar, farinha, madeira ou, ainda pior, combustíveis como o
querosene. Essa substância é passível de explosão sob temperaturas acima de
210°C, produzindo óxidos de nitrogênio altamente tóxicos.
O incentivo à operação de granéis, inclusive as temerárias
matérias-primas para fertilizantes, em área densamente povoada – pelo menos 50
mil pessoas vivem ou trabalham ao redor do porto – e tendo como entorno uma
região de rico patrimônio ambiental, é altamente preocupante.
Uma oportunidade de encontrar soluções para a
manipulação desse e de outros materiais no porto de Santos foi desperdiçada com
a aprovação de um novo Plano de Desenvolvimento e Zoneamento (PDZ) para a
região. Após mais de 15 anos de discussões intermináveis, o Ministério da
Infraestrutura não conseguiu alcançar o que se esperava com o novo PDZ: um
melhor planejamento do maior e mais importante aparelho portuário do
país.
A Portaria nº 1.620 do Minfra é
decepcionante como instrumento de política pública. Da forma como está, ela não
permitirá avanços nos próximos 20 anos. Trata-se da concretização de um plano
para elevar a capacidade do complexo santista em aproximadamente 50% até 2040,
atingindo 240,6 milhões de toneladas, crescimento esse fundamental para a
economia nacional.
Porém, o referido documento não propõe mudanças
significativas para a região, muito menos evita o risco das cargas perigosas. O
PDZ valoriza clusters e elimina a movimentação pouco poluente de pequenos
pátios de contêineres. Privilegiou-se a produtividade, em detrimento da
segurança.
Outro aspecto preocupante é a ausência de medidas
concretas para o tráfego ferroviário nas duas margens do porto. No tocante a
essa atividade estratégica e à integração entre porto e ferrovias, assim
como em outros aspectos do PDZ, não se vislumbra qualquer avanço rumo à tão
aguardada modernização.
Salta aos olhos, em uma análise preliminar, o fato
de que o Plano ainda não enfrentou questões fundamentais sobre os efetivos
impactos negativos no cais de Outerinhos, especialmente do projeto de
construção da chamada “pera ferroviária” e a implantação de viaduto, que deve
compatibilizar as operações retroportuárias na região, inclusive com
a previsão do túnel que ligará as duas margens do porto. De maneira geral,
prevalece no documento os interesses particulares de operadores e não do
conjunto de players econômicos.
O plano de responsabilidade da Administração
Portuária simplesmente cumpre um processo burocrático, ao ser aprovado, como se
sucedeu, pelo Conselho de Autoridade Portuária. Ele deveria ter sido muito
melhor trabalhado, e não apenas chancelar de forma integral um texto final
aprovado com problemas evidentes.
Diante de sua importância, o Plano precisaria ter
sido alvo de maior debate público, seja por meio de audiências públicas mais
estruturadas e preparadas, seja de estudos mais aprofundados. Mas a sociedade
civil não foi ouvida quando da elaboração do PDZ, contrariando o princípio de
que os gestores públicos têm a obrigação de pensar no interesse coletivo. Os
moradores de Santos, Guarujá, Cubatão e região precisam ter voz na definição do
futuro do porto.
É preciso conciliar o estímulo à atividade
econômica com o interesse público de integração do porto a outros modais de
transporte, princípio este respeitado nas principais instalações portuárias do
mundo.
Outros riscos, não focalizados no PDZ, poderão vir
de pressões de setores que já se movimentam para trazer ao porto mais
atividades e mudanças que representam risco à população local. Exemplo são as
mudanças na chamada Lei do Gás, que podem afetar, por exemplo, a construção do
gasoduto Subida da Serra, que interliga o terminal de GNL no Porto de Santos
com a malha de distribuição da Comgás.
Um modelo portuário que promova a integração entre
porto e ferrovias de forma harmônica – e com segurança – é o que se espera do
planejamento para a região portuária de Santos.
O PDZ aprovado não apresenta nenhuma sugestão sobre
como e para onde o porto deve ser expandido, nem como se dará a sua
modernização.
O porto precisa ser olhado para o futuro. Com a
volta do crescimento econômico, o volume de cargas vai aumentar
consideravelmente. E, com o atual PDZ, não estaremos preparados para
isso.
José Manoel Ferreira Gonçalves - engenheiro,
presidente da Ferrofrente (Frente Nacional pela Volta das Ferrovias)
e da AGUAVIVA – Ação Guarujá Viva.
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