Para os cerca de 48 milhões de pacientes usuários de planos e seguros de saúde e para os milhares de médicos que os atendem, a cobertura de procedimentos e tratamentos para a prevenção e recuperação da saúde é crucial.
Nas décadas
de 80 e 90, as empresas do setor, deliberadamente, ditavam suas coberturas.
Cada qual estabelecia seu “rol”, e muitas vezes eram excluídos tratamentos para
câncer, HIV/Aids e tantas outras doenças fatais.
Os
Tribunais brasileiros eram (e ainda são) os verdadeiros garantidores da
assistência à saúde adequada, desde que haja fundamentação clínica e indicação
médica para a cobertura.
Neste
contexto, de intensa mobilização social pela regulação da garantia das
coberturas, foi editada a Lei nº 9.656/1998, conhecida como Lei dos Planos e
Seguros de Saúde. Contemplada na Constituição Federal de 1988, a prestação de
serviços de assistência à saúde por empresas privadas deve seguir a 9.656, além
de respeitar o Código de Defesa do Consumidor, que decreta a nulidade de
cláusulas contratuais que estabeleçam obrigações consideradas iníquas,
abusivas, que coloquem o usuário em desvantagem exagerada ou seja incompatível
com a boa-fé.
A Lei
9.656/98 determina o atendimento das doenças listadas na Classificação
Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde da
Organização Mundial de Saúde. Seu texto prevê exclusões, por exemplo, de
tratamentos clínicos ou cirúrgicos experimentais ou para fins estéticos, bem
como órteses e próteses para a mesma finalidade. Tais exclusões são corretas.
Dois anos
após a promulgação da Lei, foi criada a Agência Nacional de Saúde Suplementar -
ANS, que passou a editar as regras das coberturas e o Rol de Procedimentos
e Eventos em Saúde: uma lista de procedimentos, exames e tratamentos de
cobertura mínima obrigatória. A padronização da cobertura, todavia, não implica
a exclusão de todos os outros procedimentos não indicados no rol. A
legislação não permite e a atenção à saúde perde sentido.
Recentemente,
porém, os ventos voltaram-se ao retrocesso. Em 2 de setembro, foi publicada a
Medida Provisória nº 1.067/2021, criando a Comissão de Assessoramento para
atualização do rol, restringindo a cobertura aos procedimentos lá previstos
(taxatividade) e impondo várias exigências para os proponentes de novas
coberturas.
Médicos e
pacientes, por meio de suas entidades, dificilmente conseguirão cumpri-las. A
Comissão será regulamentada pela ANS, que historicamente tem admitido a
participação de representantes das empresas de planos de saúde, embora isso
denote evidente conflito de interesse.
Atualmente,
também a Comissão Especial de Planos de Saúde da Câmara dos Deputados está a
todo o vapor, analisando uma série de projetos de lei que pretendem alterar a
Lei 9.656/98, muitos prejudiciais aos pacientes e à boa Medicina.
Vários
aspectos precisam, sim, de revisão ou mesmo de previsão na legislação, como o
descredenciamento injustificado, a garantia de efetivos reajustes para os
prestadores de serviços e à responsabilização em casos de glosa indevida de
procedimentos - mesmo já previstos no rol.
O rol de
procedimentos é benéfico e necessário, mas não pode ser mal – e ilegalmente –
interpretado, sob pena de colocar em risco a assistência adequada à saúde dos
pacientes, que pressupõe autonomia dos médicos.
Na mesma
linha, é inadmissível a criação de planos com coberturas subsegmentadas, sob
risco de retornarmos ao faroeste do passado, regido pela vantagem excessiva, o
contrato abusivo, incompatível com a boa-fé e com a razão de ser dos planos de
saúde.
Mais um
aspecto atrelado a esta discussão é o equilíbrio econômico-financeiro das
empresas do setor. Aliás, se a lógica do atendimento necessário à saúde do
paciente está legislada e devidamente garantida por nosso Poder Judiciário, os
aspectos econômicos ainda são uma caixa preta. Para onde vão os recursos dos
altos reajustes aplicados pelos planos de saúde?
Não vão
para os médicos e demais profissionais, que continuam a prestar serviços sem
que os honorários sejam revistos e justos. O assunto deve ser considerando.
Contudo, descartando desde logo ameaças de reajustes ainda maiores e de
exclusão de mais consumidores. Precisa ocorrer com a transparência necessária.
Por todas
essas razões, a AMB confia que a 2ª. Seção de Direito Privado do Superior
Tribunal de Justiça, em continuação ao julgamento dos Embargos de Divergência
no Recurso Especial nº 1886929/SP, sobre a taxatividade do rol de
procedimentos, no próximo dia 16 de setembro, não abrirá brecha para restrições
à assistência em saúde e à autonomia médica. O Tribunal Cidadão tem de se
manter firme na garantia dos direitos dos pacientes e na autonomia de médicos.
A AMB
acredita igualmente que o Congresso Nacional – em especial a Comissão Especial
de Planos de Saúde - contemplará as alterações legais necessárias para garantir
o atendimento adequado aos pacientes e maior equilíbrio entre empresas de
planos de saúde, usuários e médicos.
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