Recentemente
vivi um episódio bizarro na ponte São Paulo – Rio. Não há outra classificação
para o que tive que passar. De tão ruim, o atendimento que recebi da companhia
aérea mais parecia seguir uma cartilha de como fazer tudo certo para dar tudo
errado.
Uma
piada (de muito mau gosto).
A
total falta de atenção a mim dispensada é um belo case de como as empresas
ainda não acordaram para realidade de um novo mercado extremamente exigente
onde, tão importante quanto oferecer um bom produto, é vital proporcionar uma
experiência positiva e surpreendente ao longo de toda jornada, em cada ponto de
interação com o cliente.
A
jornada do consumidor começa no primeiro contato com a empresa, seja na
Internet ou no mundo físico, e termina com a entrega do produto ou serviço. E segue
pelo pós-venda. Cada vez que o cliente faz contato com a empresa (por email,
via chat ou SMS, no call center, na loja ou qualquer outro canal), ele precisa
ter uma experiência linear, satisfatória, que supere suas expectativas.
Será
que estamos acostumados a aceitar serviços medíocres e temos um nível de
exigência muito baixo? O que leva as organizações a tomar atitudes ao longo da
jornada do consumidor que exterminam sua boa imagem e contaminam negativamente
outros potenciais e atuais clientes? Por que parecem fazer o impossível para
perdê-los para concorrência?
No
meu caso, minha jornada começou com a compra da passagem pela Internet. Até aí
tudo bem. Mas só até aí. Depois foi um festival de tropeços, falta de
comunicação, desdém e justificativas estapafúrdias que só aumentaram minha
frustração e irritação.
Justamente
no momento mais importante da minha experiência, o embarque, os funcionários
adotaram as “best practices” para enterrar a imagem de uma empresa que
minimamente se importa com seus clientes.
Acompanhe
minha cruzada cheia de tropeços e como a companhia fez tudo “certinho” em cada
etapa para me transformar em ex-nuncamais-cliente em uma tragicomédia de
60 minutos:
Minuto
1, o primeiro tropeço:
a funcionária observou a jornada do consumidor a partir do seu ponto de
vista; e não do meu (do cliente).
Cheguei
ao balcão da companhia com imperdoáveis 5 minutos de atraso para fazer o
check-in no meu voo original. Apesar de não ter bagagem para despachar, meu
embarque não foi autorizado.
Claro,
pra que facilitar se posso vender dificuldades ao cliente?
Tudo
começou com esta falta de flexibilidade. Já neste primeiro minuto, ao deixar de
se colocar no meu lugar, a atendente não levou em conta minhas expectativas e
frustrações para entregar um serviço que, aos olhos dela, da empresa, parecia
apenas rotineiro, dentro dos padrões aceitáveis de atendimento, mas na minha
visão foi pífio.
Ela
não se importou se minha jornada estava tendo um bom começo exatamente ali, no
aeroporto, na hora H da entrega do serviço.
Minuto
12, o segundo tropeço: a empresa não identificou os pontos críticos no
atendimento ou meus sentimentos (do cliente).
Já
no primeiro impacto a funcionária do balcão não se sensibilizou nem um pouco se
eu teria que ficar mais um tempão aguardando o próximo voo e se chegaria
atrasado ao meu compromisso no Rio.
Cada
um com seus problemas, mesmo que este cada um seja seu cliente, né não? Se
estou p... da vida e tenho vontade de esganar a atendente isso é problema meu e
não da companhia. Para que se dar conta de que estou indignado e achando o
atendimento uma porcaria?
Muito
solícita (só que não), ela me informou que iria fazer a gentileza de me colocar
na lista de espera do próximo voo, mas que eu deveria esperar a confirmação.
Coloquei
minhas vestes de monge budista, controlei a ansiedade, abasteci o tanque da
paciência e, ótimo!, 5 passageiros foram convocados, entre eles eu. Após
entregar nossos bilhetes, a própria atendente recomendou que corrêssemos ao
portão de embarque para não perdermos o voo.
Minuto
24, o terceiro tropeço: desconexão entre os departamentos e me tratar (o
cliente) como se jamais fosse a mesma pessoa.
Ao
chegar no embarque (surpresa!) a minha passagem e de outras duas passageiras
haviam sido impressas, adivinhem, para o voo seguinte, claro. E o que podíamos
esperar? Embarcar no voo para o qual a atendente nos havia feito disputar uma
prova de atletismo pelo saguão do aeroporto? Estamos pedindo demais, não?
A
funcionária do portão só ligou para a moça (sim, aquela) do check-in depois de
muita insistência nossa. Amnésica, a dita-cuja alegou, óbvio, que não se
lembrava de ter emitido nossas passagens.
Comecei
a ficar em dúvida sobre minha própria identidade. Seria eu Venâncio Velloso,
como estava escrito no bilhete? Apesar de ter feito o check-in, apresentado meu
RG, emitido a passagem e cumprido toda as etapas até chegar ao portão, bem na
hora do embarque eu não era mais (mistério!) o passageiro convocado na lista de
espera.
Minuto
36, o quarto tropeço: insistir no erro, não reconhecer e não oferecer qualquer
recompensa.
Eu
e as outras duas passageiras retornamos furiosos e indignados ao check-in para
tentar refrescar a memória da atendente. Como era de se esperar, a moça fez
cara de paisagem e não foi capaz nem mesmo de nos oferecer um lexotan.
Pedimos
para chamar o gerente, que não podia ser a melhor representação do gerente
“tô-nem-aí”. Depois de explicarmos toda situação, o que ouvimos foi que houve
um “erro sistêmico” e um lacônico “o que o senhor quer que eu faça?”.
Oras!
Nunca vi um sistema errar a emissão de 3 em 5 passagens. O que houve foi um
erro humano e eu quero é que você resolva nosso problema!
Se
esta empresa tivesse um bom banco de dados e uma organização eficiente das
informações poderia ter revertido nossa insatisfação fazendo um contato
posterior por telefone, SMS, email ou qualquer outro canal oferecendo um pedido
de desculpas ou alguma compensação. Se sabem que sou passageiro assíduo da
ponte aérea, qualquer mimo ou desconto já amenizaria minha péssima experiência.
Perderam
a oportunidade, mais uma vez.
Minuto
48, o quinto tropeço: não estabelecer indicadores de performance.
Pelo
comportamento de cada um dos funcionários da companhia, tudo indica que nenhum
deles tem clareza, se é que existem, dos indicadores de performance e da
avaliação por desempenho.
Se
estivessem incorporados na cultura da empresa, provavelmente seriam mais
cautelosos no trato com os clientes. Mas, ao que tudo indica, o melhor mesmo é
não avaliar ninguém para evitar constrangimentos ou, pior, que seus executivos
atinjam metas que podem melhorar a percepção da marca.
Primeiro
mandamento destas empresas: se o cliente nunca mais irá fazer negócios com
você, deixa pra lá. É só mais uma venda perdida. Se ele colocou a boca no
trombone nas redes sociais e nos sites de defesa do consumidor, feche os olhos.
Se definir que os índices de melhoria de atendimento devem ser mais altos,
correm o risco de agradar seus clientes e, tragédia total, conquistá-los para
sempre. Se não observam e mensuram os sinais de insatisfação não há nada para
consertar, não é mesmo?
Minuto
60, o sexto e fatal tropeço: mais um cliente perdido e mais um hater
para falar mal da empresa.
São
muitas as evidências de que as relações das empresas com seus clientes precisam
acompanhar o avanço de uma economia cada vez mais conectada, integrada,
competitiva e repleta de oportunidades aos que sabem mapear e cuidar de cada
etapa da jornada do consumidor.
Mesmo
assim, muitas se mostram indiferentes aos clientes e não constroem um
relacionamento saudável e amistoso que traga novos ‘likers’ para marca.
Em
plena era da revolução digital, a reverberação negativa pelas redes sociais
contabiliza prejuízos ainda maiores e cria uma legião de ‘haters’ que
não perdoam e metralham empresas incapazes de oferecer um atendimento
personalizado e de qualidade.
A
boa notícia é que nunca foi tão fácil saber quem é seu cliente, quais seus anseios,
que experiências quer viver e, acima de tudo, o que o deixa infeliz. Negócios
que preferirem ficar ancorados no ‘jeitinho brasileiro’ de atender e dar as
costas aos consumidores vão fatalmente engordar a lista de falências e
concordatas.
A
digitalização dos negócios trouxe um arsenal de recursos para mapear, monitorar
e mensurar passo a passo toda peregrinação do consumidor, permitindo
identificar cada momento do contato do cliente com a empresa, em todos os
canais, on e off-line. Há infinitas possibilidades de extrair, analisar e
cruzar dados para gerar leads e converter a venda oferecendo uma experiência
incrível que seja inesquecível e fidelize o consumidor.
Ao
acompanhar a trajetória on-line do cliente, a marca pode identificar quais
atributos procura, quais são suas motivações, o que mais o engaja e o que o
leva a desistir da compra. Se a pesquisa começa na Internet e a compra é
concluída na loja física, a experiência tem que ser positiva em todos os
momentos. Afinal, o consumidor é o mesmo, esteja ele no ambiente digital ou no
mundo real.
E
não custa nada lembrar: um cliente satisfeito voltará a comprar e pode muito
bem compartilhar sua ótima experiência de consumo, gerando o famoso marketing
boca-a-boca que ajuda a tracionar e viralizar sua marca nas mídias sociais,
incrementando a base de followers e criando um ciclo virtuoso (network effect)
muito poderoso.
Vai
abrir os olhos e ouvidos pro seu cliente ou vai esperar que seu concorrente o
roube de você?
Compartilhe
suas más e boas experiências na sua jornada como consumidor. E ajude a ampliar
o número de passos deste manual básico de como perder clientes. Se tem uma
empresa, relate iniciativas que aprimoraram o relacionamento com seus clientes
ou, admiramos sua franqueza, erros que cometeu e se transformaram em
aprendizados para trazer excelência ao atendimento.
Venâncio Velloso -empreendedor,
fundador do WebPesados e da consultoria DIB (Digital Innovation Builders).
Acaba de retornar ao Brasil depois de uma temporada em Cambridge, onde foi
cursar MBA na MIT (Massachusetts Institute of Technology).
Nenhum comentário:
Postar um comentário