“Plano
diretor dos municípios deve considerar critérios técnicos para reduzir
efeitos”, alerta especialista da Univali
A organização Climate Central divulgou,
recentemente, um mapa interativo que permite simular como várias cidades, ao
redor do mundo, podem ser afetadas pelo aumento do nível do mar, caso as metas
de redução de emissões de dióxido de carbono (CO2) ultrapassem os 1,5°C
previstos no acordo climático de Paris. Ao utilizar a ferramenta, é possível
visualizar como o avanço do mar pode impactar os municípios costeiros de Santa
Catarina nas próximas décadas.
Oceanógrafo e especialista na área de Gestão da Zona
Costeira, o professor da Univali Marcus Polette, explica que as imagens foram
desenvolvidas com base nos dados do Painel Intergovernamental sobre Mudanças
Climáticas – IPCC (2021), gerados por meio de uma análise de risco que avalia
as áreas mais propensas à inundação e a erosão costeira utilizando, entre
outros elementos, a análise altimétrica – ciência especializada na medição
detalhada das alturas do relevo terrestre e do nível do mar, bem como sua
constante interpretação de resultados.
Para Polette, uma forma de reduzir a exposição ao aumento
do nível do mar causado pelos efeitos do aquecimento global, estaria no
cumprimento das metas previstas no Acordo Climático de Paris, firmado pelos
países signatários da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do
Clima, desde a 21ª Conferência das Partes (COP21). No entanto, o professor
avalia que mesmo se todos os países do mundo implementarem todos os seus
compromissos climáticos, provavelmente isso já não será o suficiente para
manter o aquecimento global em 1.5ºC acima dos níveis pré-industriais, o que os
cientistas consideram necessário para prevenir os piores impactos climáticos.
Em um cenário de altas emissões, o IPCC constata que o
mundo pode aquecer até 5,7°C até o ano de 2100 – com resultados catastróficos,
segundo Polette. Neste cenário, o mar pode invadir áreas litorâneas que,
atualmente, são ocupadas por 10% da população mundial, o equivalente a 800
milhões de pessoas.
“As projeções do IPCC avaliam que iremos passar por
fenômenos climáticos cada vez mais frequentes e intensos. Um artigo veiculado
no jornal francês L´Humanité, há poucos dias, alerta que 20% da costa francesa
já está ameaçada. A publicação aponta que, a cada semana, uma área equivalente
a um campo de futebol já vem sendo perdida por conta de processos erosivos
causados pela elevação do nível do mar. É evidente que estamos cada vez mais
sujeitos às mudanças do clima e, ao longo deste século, certamente as futuras
gerações sofrerão gravemente com as inconsequentes tomadas de decisões dos seus
pais e avós. Ninguém ficará imune, no entanto, as populações mais vulneráveis
serão as primeiras a sentirem os efeitos das mudanças climáticas.", alerta
o professor.
Cenário Catarinense
Considerando um aumento de 3°C na temperatura global, ao
visualizar o cenário da costa catarinense por meio do mapa interativo
desenvolvido pela Climate Central, é possível identificar o avanço do
mar em áreas ribeirinhas e costeiras localizadas do Norte ao Sul do Estado.
Entre elas, no Litoral Norte, estão os municípios banhados pela Baía da
Babitonga e cidades como Araquari, Barra Velha, Balneário Piçarras, Penha,
Navegantes, Itajaí e Balneário Camboriú. Na Grande Florianópolis, aparecem
municípios como Tijucas, Biguaçu, Paulo Lopes e a área Norte da Capital. Já no
Litoral Sul cidades como Imbituba, Laguna, Tubarão, Jaguaruna e Araranguá
estariam entre as afetadas.
“Itajaí e Navegantes, por exemplo, são dois municípios
que foram ocupados sobre uma imensa planície costeira com cota altimétrica
muito baixa, ou seja, terras de origem fluvial as quais naturalmente inundam,
pois fazem parte do ciclo dos rios, sendo áreas também bem propícias para os
alagamentos. São inúmeros os bairros que, infelizmente, foram assentados em
cima desta imensa várzea do Rio Itajaí-açu.", conta.
Polette ressalta que conforme estudos realizados em 2006,
para o macrozoneamento do Município de Itajaí, 40% do território da cidade está
situado em terrenos desta natureza. O docente também chama a atenção,
especialmente, para a situação dos bairros Santa Regina e Colônia Japonesa.
“O Bairro Santa Regina é um bairro recente e, por
incrível que pareça, até uma Zona Especial de Interesse Social (Zeis), como são
chamadas as áreas para projetos destinados à população de baixa renda, foi
projetada e implementada naquele local, muito próximo às margens do Rio
Itajaí-Açu. Isso sem falar que, nesta última alteração do Plano Diretor, uma
imensa área de depósito paludial - que são tipos de solo pantanosos, frágeis e
alagadiços formados por sedimento lamoso de turfa - situada na Colônia
Japonesa, foi considerada área de expansão urbana.", observa o estudioso.
Outra característica que torna Itajaí e Navegantes ainda
mais vulneráveis, segundo o especialista, é o fato de receberem a drenagem da
maior bacia hidrográfica de Santa Catarina, formada pelo Rio Itajaí-Açu,
associada à do Rio Itajaí-Mirim. “Além disso, temos outro sério agravante
quando a água da bacia hidrográfica chega ao estuário e acaba represada pelos
ventos que chegam do mar.", acrescenta.
Planos diretores dos municípios devem
considerar critérios técnicos
Para Polette, além de ampliar esforços para reduzir as
emissões de CO2, é necessário que os governos estejam preparados para lidar com
os impactos decorrentes das mudanças do clima estabelecendo estratégias, com
base em informações técnicas, para ordenar o uso e ocupação do solo das
cidades. Na avaliação do pesquisador, a construção dos Planos Diretores
precisa, urgentemente, determinar quais locais serão conservados para áreas de
escape das inundações - algo que já vem sendo feito em países da Europa – e
adotar medidas para prevenir a erosão praial, agravada pelo avanço do mar.
“Os planos diretores municipais precisam incluir
políticas fundamentais para o ordenamento do território, fazer adaptações às
mudanças do clima, seguir as orientações do Projeto de Gestão Integrada da Orla
Marítima, o Projeto Orla, e implementar Leis Municipais para garantir o
gerenciamento costeiro. Estamos muito distantes da urgência necessária para
mitigar os problemas que, rapidamente, virão em função das mudanças do clima. O
aumento da temperatura global será maior a cada ano e isso poderá causar outros
problemas graves como a infestação de vetores, a alteração no padrão de várias
culturas agrícolas e, inclusive, impactar a economia dos municípios que
dependem do turismo de sol e praia.", enfatiza.
Falta de planejamento urbano agrava situação
Polette observa que vários municípios catarinenses já
estão suscetíveis aos processos erosivos e às inundações que, em grande parte,
decorrem do processo de urbanização acelerado e sem planejamento adequado. “As
cidades cresceram de forma muito espontânea e com uma forte orientação política
no uso e ocupação do solo deixando de considerar critérios ambientais técnicos
neste processo."
O professor relembra que a implementação da Lei do Estatuto da Cidade (nº
10.257/2001), obrigou os municípios com mais de 20 mil
habitantes a implementar os Planos Diretores até 2006, com revisão em 2016. No
entanto, na sua avaliação, os municípios não apenas demoraram demais para
realizar as suas revisões - especialmente em relação à dinâmica territorial
atual – como desconsideraram critérios técnicos importantes - baseados na
análise da vulnerabilidade dos ambientes em que as cidades estão assentadas -
para o ordenamento dos seus territórios.
“No que tange aos efeitos do clima sobre o uso e ocupação
da terra, infelizmente, ainda paira evidente desconhecimento técnico nos
processos decisórios, apesar destes existirem, especialmente dentro das
universidades. Neste sentido, no futuro os tomadores de decisões da atualidade
terão responsabilidade direta pelos problemas que poderiam ter evitado, mas que
não o fizeram ou ainda não o fazem devido às pressões de natureza econômica e
política, que atuam como um filtro que funciona conforme os interesses
acordados. Uma linha de tempo, a ser construída no futuro, deixará claro quem
se omitiu, quem levou o problema a sério e quem não se responsabilizou pela
sensata tomada de decisão no momento certo.", assegura o especialista.
Como ver o mapa
É possível pesquisar o impacto do nível do mar ao redor
do mundo e simular qualquer parte do planeta utilizando o mapa disponibilizado
pela Climate Central neste link: https://coastal.climatecentral.org/.
A organização reitera que o recurso deve ser considerado como uma
ferramenta de triagem, que pode auxiliar na identificação dos locais que podem
exigir uma investigação mais profunda de risco.
“O uso de satélites para determinar o nível do mar e
ainda a avaliação altimétrica do terreno alcançou uma precisão sem precedentes.
A tecnologia avança, cada vez mais, para que possamos estar mais certos das
medidas mais corretas nos processos decisórios e, neste sentido, a ciência está
disponível para encontrar soluções para a sociedade como um todo.",
complementa Polette.