Conclusão
é de estudo que envolveu mais de 5 mil moradores da Região Metropolitana. Para
pesquisadores da USP, investigações futuras devem focar na identificação de
áreas mais propensas ao problema, de modo que as pessoas recebam tratamento
adequado (
foto: Pixabay)
Estudo divulgado no Journal of Psychiatric Research revela que na
Região Metropolitana de São Paulo 1,6% da população diz ter sofrido de estresse
pós-traumático nos últimos 12 meses e 3,2% já vivenciaram o problema ao
longo da vida. Embora os resultados indiquem uma baixa prevalência do
transtorno, eles alertam para o grande número de casos subsindrômicos, ou seja,
aqueles em que a pessoa não apresenta todos os sintomas que configuram o
transtorno, mas fica no limiar.
“O conceito de transtorno pós-traumático foi desenvolvido com base em
casos de guerra, em que os indivíduos apresentavam sintomas muito graves. O
Brasil é um país muito violento, mas não está vivenciando uma guerra civil. Em
comparação com outros países, como Estados Unidos, por exemplo, temos uma
prevalência baixa. No entanto, observamos muitos casos que são chamados de
subsindrômicos e que merecem atenção”, explica Wang Yuan Pang, pesquisador do
Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
(FM-USP) que coordenou o levantamento. Segundo Wang, o índice de exposição a
eventos traumáticos foi elevado, chegando em alguns casos a superar 35% da
amostra.
O estudo contou com apoio da
FAPESP e foi o primeiro a avaliar a Região Metropolitana de maneira
sistemática, com uma amostra representativa da população. Ao todo foram incluídos
5.037 voluntários adultos. A iniciativa integra uma pesquisa maior, intitulada
The São Paulo Megacity Mental Health Survey, conduzida no âmbito do consórcio
internacional World Mental Health (WMH), coordenado pela Organização Mundial de
Saúde e pela Universidade Harvard (Estados Unidos), com mais de 20 países
participantes (leia mais em: agencia.fapesp.br/15215/, agencia.fapesp.br/20523/ e agencia.fapesp.br/25706/).
Wang explica que o transtorno de estresse pós-traumático é uma condição
de saúde mental desencadeada por um evento aterrorizante, que pode ter sido
vivenciado ou apenas testemunhado. “O primeiro critério é a pessoa ser vítima
de um trauma e só o tempo pode fazer a distinção entre o estresse agudo e o
crônico, que persiste por mais de seis meses. O transtorno de estresse
pós-traumático consiste em vários sintomas, como pesadelos, ansiedade grave,
lembranças repentinas da cena traumática [flashbacks]. Além
disso, é comum que a pessoa evite alguns comportamentos para fugir de situações
que trazem alguma lembrança do evento traumático”, explica.
Segundo o
pesquisador, a intensidade e a frequência desses sintomas também são aspectos
relevantes. “São pessoas que estão muito sobressaltadas, que têm reações
exageradas a vários estímulos e com ansiedade e depressão subsequente. Esses
sintomas são sentidos todos os dias. É um problema altamente disfuncional, a
pessoa não consegue trabalhar e levar uma vida minimamente satisfatória. Vale
ressaltar que os casos subsindrômicos também podem ser disfuncionais”, diz.
Estudos
semelhantes feitos em outros países em desenvolvimento indicaram uma
prevalência mais baixa de estresse pós-traumático (ao longo da vida): 0,7% no
Peru, 1,5% no México e 1,8% na Colômbia – sendo que na cidade de Medellín, que
chegou a ser considerada uma das cidades mais violentas do mundo nas décadas de
1980 e 1990, o índice salta para 3,7%.
No
continente africano, onde estudos populacionais em larga escala são escassos, a
prevalência desse transtorno na amostra foi quase nula. Na África do Sul, a
prevalência ao longo da vida foi de 2,3% e, nos últimos 12 meses, de 0,7%.
Gatilhos
Entre os
traumas mais relatados no estudo brasileiro estão o ato de testemunhar alguém
sendo ferido ou morto, ou ver um cadáver inesperadamente (35,7%) e ser
assaltado ou ameaçado com uma arma (34,0%).
Já os
eventos mais comuns para os casos subsindrômicos foram “morte súbita e
inesperada de um ente querido” (34%), “violência interpessoal” (31%) e “ameaças
à integridade física de outras pessoas” (25%).
O estudo
mostrou que experiências relacionadas à violência interpessoal apresentaram uma
maior probabilidade para o desenvolvimento do transtorno de estresse
pós-traumático. Dessa forma, eventos como ser assaltado ou molestado
sexualmente (21,2% no total, sendo praticamente todos os casos entre mulheres)
e ser estuprado (18,8% no total; sendo 18,4% para mulheres e 20,1% para homens)
foram as duas experiências com maior chance de desencadear um quadro de
estresse pós-traumático.
“É
possível que alguns grupos de pessoas tenham maior chance de desenvolver o
transtorno do que outras. Com os resultados do estudo, podemos observar, por
exemplo, que há um recorte importante de gênero. O Brasil é um país violento e
com alto índice de violência doméstica, sobretudo contra as mulheres, que estão
mais propensas a desenvolver o transtorno de estresse pós-traumático após a
exposição a esses eventos”, afirmou Bruno Mendonça Coêlho, pesquisador do
Instituto de Psiquiatria e primeiro autor do estudo.
Tratamento
adequado
Wang
ressalta que, em termos de saúde pública, o transtorno de estresse pós-traumático
tem uma prevalência muito menor do que a das crises de ansiedade, pânico,
ansiedade social ou a da depressão – condições que somadas acometem quase 20%
da população. No entanto, de acordo com o pesquisador, é importante que estudos
futuros busquem identificar onde estão as pessoas que sofrem de estresse
pós-traumático, para que recebam atendimento adequado.
Em
trabalhos anteriores, o pesquisador verificou o acesso à saúde mental na Região
Metropolitana de São Paulo, incluindo todos os transtornos. “Levando em
consideração os casos muito graves de depressão, pânico, ansiedade e outros
transtornos, estimamos que aproximadamente 1 milhão de pessoas na Região
Metropolitana de São Paulo necessitam de tratamento especializado. Porém,
somente 10% dos pacientes muito graves conseguiram receber algum tipo de
atendimento, seja no serviço público ou no setor particular. Isso mostra que
existe uma lacuna enorme na assistência”, afirma.
O artigo Correlates and prevalence of post-traumatic
stress disorders in the São Paulo metropolitan area, Brazil pode
ser lido em: www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0022395622005386.
O artigo Treatment Gap of Mental Disorders in São Paulo
Metropolitan Area, Brazil: Failure and Delay in Initiating Treatment Contact
After First Onset of Mental and Substance Use Disorders está
disponível em: https://link.springer.com/article/10.1007/s11469-022-00814-0.
Maria Fernanda Ziegler
Agência FAPESP
Prevalência
de estresse pós-traumático em São Paulo é baixa, mas há muitos casos no limiar
do transtorno | AGÊNCIA FAPESP