Hoje, dia 02 de dezembro, terá continuidade um julgamento histórico (HC nº 154.248) - que teve início no dia 26 de novembro, no Supremo Tribunal Federal (STF), no qual se discute a possibilidade do reconhecimento da prescrição no crime de injúria racial.
A prescrição nada mais é do que o reconhecimento
da perda do poder/dever do Estado de aplicar uma punição, pelo cometimento de
um crime, em razão da demora da tramitação do processo (ou investigação).
Significa dizer que o Estado tem um tempo máximo para julgar alguém que
praticou um crime e aplicar uma pena. Quando este tempo não é respeitado ocorre
a prescrição, ou seja, o Estado perde o direito de impor uma pena (no direito -
ocorre a extinção da punibilidade).
Para os investigados (ou acusados) que possuem
entre 18 e 21 anos, bem como para os maiores de 70 anos, por política criminal,
o prazo prescricional é calculado pela metade (art. 115 do Código Penal). No
Habeas Corpos, em questão, a defesa sustenta exatamente isso, tendo em vista
que a pessoa que em tese praticou o crime possuía à época dos fatos 72 anos.
Nos autos do Habeas Corpos em questão, o Superior
Tribunal de Justiça (STJ) negou o pedido da defesa, por entender que "com
o advento da Lei n. 9.459/97, introduzindo a denominada injúria racial,
criou-se mais um delito no cenário do racismo, portanto, imprescritível,
inafiançável e sujeito à pena de reclusão". Assim, segundo o
entendimento do STJ, o crime de injúria racial se equipara ao crime de racismo
que, conforme disposto na Constituição Federal (art. 5º, inciso XLII), é
imprescritível, não existindo, portando, qualquer possibilidade daquele que
comete esse tipo de crime ser socorrido pela demora do processo.
Sendo assim, por se tratar de uma demanda com acentuada
repercussão social, foi determinada a preferência em seu prosseguimento. Em 05
de novembro do presente ano, o relatório dos autos (resumo) foi
disponibilizado, possibilitando que algumas entidades, como movimentos sociais,
que trabalham diretamente com o tema, mediante lutas históricas, ingressassem
no processo (AMICI CURIAE), como terceiros interessados contribuindo com a
demanda.
Com base no pedido das entidades mencionadas, é
possível compreender e se sensibilizar com a luta histórica do movimento negro
no Brasil, deixando claro que "a própria interpretação histórica e
teleológica do crime de injúria racial demanda que ele seja admitido como
racismo". Outrossim, argumentam que "não faz nenhum sentido
lógico-jurídico afirmar-se que ofender um indivíduo integrante de minoria
racial, por elemento racial, não configuraria racismo, ao mesmo tempo em que
(corretamente) se entende que ofender uma coletividade racial, por elemento
racial, configura racismo".
Por se tratar de uma questão relacionada à construção
de uma tese jurídica a respeito de matéria, com acentuada repercussão social,
especialmente no que se refere às relações raciais no Brasil, as entidades
foram admitidas no processo como parte interessada.
No dia 26 de novembro do presente ano, quando do
início do julgamento, o Ministro Edson Fachin proferiu seu voto pela
imprescritibilidade do crime de injúria racial, nos termos da decisão firmada
pelo Superior Tribunal de Justiça.
Diante das recentes manifestações, não só no
país, mas também pelo mundo inteiro - "vidas pretas importam", sem
nenhuma dúvida o julgamento será emblemático e paradigmático para a
jurisprudência nacional, com um efeito cascata para as instâncias inferiores.
Por óbvio, restarão muitas contradições que
poderão ser resolvidas no futuro, tendo em vista que o crime de injúria racial,
ao que tudo indica, não poderá ser alcançado pela prescrição, no entanto nada
impede que um homicídio cometido por motivação racial seja. A decisão
paradigmática deste julgamento justificará que o mesmo entendimento se estenda
para todos os crimes praticados por motivação racial, o que seria o mais
coerente, especialmente com este possível novo entendimento.
Felipe Mello de Almeida - advogado criminalista, especialista em Processo Penal,
Pós-Graduado em Direito Penal Econômico e Europeu.
Luiza Pitta - advogada, Pós-Graduada em Direito Penal Econômico e associada do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais - IBCCRIM.