Por Eduardo Bontempo
Os educadores têm sido influenciados, sobretudo
pelas famílias, a levarem o empreendedorismo para dentro da sala de aula. A
cobrança é reflexo de uma preocupação concreta com o futuro profissional dos
filhos: o país conta com mais de 13 milhões de desempregados, sendo 4 milhões
de jovens com idade entre 18 e 24 anos, segundo dados do Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatísticas (IBGE). Em um cenário de poucas oportunidades
profissionais, empreender passou a ser associado a uma força econômica que
permite o Brasil gerar empregos e vislumbrar um novo patamar de desenvolvimento
econômico. A escola, com o papel de formar cidadãos e capacitá-los
profissionalmente, passa a ser desafiada a criar uma educação empreendedora –
embora muitas não tenham vivência prática na temática.
Um dado relevante é que o empreendedorismo, a
investigação científica, os processos criativos e a mediação e intervenção
sociocultural são eixos que surgem fortemente no novo Ensino Médio da Base
Nacional Comum Curricular (BNCC) – modelo que deve ser implementado nas escolas
públicas e privadas do país até 2021. A proposta é que essas temáticas orientem
os itinerários formativos, ou seja, as atividades que os estudantes poderão
escolher para serem objeto de aprofundamento de conhecimentos referentes ao
mundo do trabalho e à gestão de empresas. Essa é uma medida que dialoga com a
demanda de uma escola que capacita o aluno a gerir conflitos e a propor
soluções para problemas socioculturais e ambientais nas comunidades nas quais o
estudante vive. Na prática, uma postura perante a vida que tem muitos pontos em
comum com o empreendedorismo.
Perante a urgência da demanda de preparar o aluno
dentro de uma lógica de educação empreendedora – e diante de estudo da Dell
Technologies que aponta que 85% das profissões que teremos em 2030 ainda não
foram inventadas –, vemos surgir inúmeras iniciativas para levar a temática do
empreendedorismo para dentro da sala de aula. Alguns, inclusive, com um viés
pedagógico que não reflete a realidade das startupse empresas brasileiras. Parte
desse equívoco reside na distância entre o ambiente e processos educacionais e
os adotados no universo empreendedor. As novas formas de aprendizagem e
competências levadas para o espaço escolar sobre o cotidiano de um empreendedor
mostram esse abismo quase intransponível ensino e realidade.
Para se ter uma noção sobre essa distância entre
escola, profissão e empreendedorismo, cito uma pesquisa conduzida pela Udemy
com mil brasileiros com idades entre 21 e 35 anos. Esse mapeamento apontou que
os jovens profissionais se ressentem do déficit de habilidades fundamentais
para a vida profissional. Para dois terços dos entrevistados, o que mais faz
falta não é o conhecimento técnico, mas capacidades que deveriam ser
desenvolvidas no ambiente escolar como inteligência emocional, comunicação,
gestão do tempo e pensamento crítico. Aliás, essas são capacidades fundamentais
tanto para o trabalho em grandes empresas, quanto para o empreendedor. A falta
da habilidade de liderar também foi apontada por um terço dos participantes da
pesquisa como uma lacuna importante dentro das habilidades profissionais –
temática que tem muito a ver com levar inovação, tecnologia e empreendedorismo
para dentro da sala de aula.
Nos últimos sete anos, como cofundador da Geekie,
tenho trabalhado com toda a comunidade escolar para projetar e implementar
estratégias de aprendizagem, apoiadas por soluções tecnológicas, metodologias
inovadoras e formação continuada do corpo docente. Com a experiência de ter
impactado mais de 12 milhões de estudantes e 5 mil escolas de todo o país, vejo
a importância de criar um ambiente escolar no qual o cotidiano do aluno na
escola esteja conectado com as demandas não apenas do futuro – mas,
principalmente, do presente.
Nessa conjuntura é importante abordar os seis mitos
que permeiam o imaginário dos alunos sobre o empreendedorismo. Embora haja um
enorme glamour em torno do ato de empreender – muitos jovens acham
que ter o próprio negócio é sinônimo de não ter chefe e ter uma rotina flexível
–, a verdade é bem diferente. Há de se considerar, também, que o fato é que
muitos educadores não têm como se contrapor a esse repertório equivocado sobre
criar e gerir uma empresa, pois não têm vivência que ofereça suporte para aulas
baseadas em evidências sobre a temática.
O primeiro mito que destaco é que não é possível
ganhar dinheiro e mudar o mundo. Com uma nova geração pautada pela empatia e
pela preocupação com o legado pessoal, essa é uma questão cotidianamente
presente. A boa notícia é que é possível conciliar essas duas coisas. O país é
o celeiro de uma série de negócios que surgiram para resolver problemas que
atingem uma parcela grande da população. A Geekie, por exemplo, surgiu dessa
forma; uma empresa conectada com o desafio de contribuir para melhorar a
qualidade da educação no Brasil.
O segundo mito é que empreender garante uma rotina
mais flexível. Alguns especialistas dizem que ter uma startupvirou
um sonho tão popular entre os jovens de hoje como era, nas décadas de 1980 e
1990, montar uma banda de rock. Parecia que a questão se resumia a reunir os
melhores amigos, compor as músicas mais bacanas e aguardar ser descoberto para
virar um astro. Sabemos que a teoria na prática é outra! Não há uma rotina
queseja adequada ao estilo de vida que o empreendedor quer levar. O terceiro
mito reside na ideia de que para empreender nunca devemos desistir de uma ideia
original. Esse é um completo e complexo mito. O empreendedor não pode se
apaixonar pela própria ideia; a busca deve ser por resolver um problema. A
partir daí vários ajustes devem ser feitos até tornar o produto ou serviço
adequado ao consumidor que se deseja conquistar.
O quarto mito que precisa ser desfeito é que a
entrega precisa ser perfeita logo no início do negócio. Essa lógica está
equivocada porque é a partir do feedbackdos consumidores em potencial
que o empreendedor pode melhorar o produto ou serviço. Esse tema nos remete ao
quinto mito do empreendedorismo. Você precisa escutar o seu cliente para
conhecê-lo. A questão é complexa porque não deveríamos focar apenas em escutar,
sim de calçar os sapatos dele; observar e vivenciar o cotidiano desse cliente.
O sexto mito é, na minha opinião, muito emblemático: o empreendedor é o melhor
funcionário que a empresa pode ter. O empreendedor precisa contratar pessoas melhores
que ele em determinadas especialidades, ou seja, tem que ter humildade para
conseguir fazer o melhor para a empresa ou startup– e isso passa pela contratação
correta de talentos.
Para finalizar, trago uma ideia do professor José
Moran, doutor em Comunicação pela Universidade de São Paulo (USP) e uma das
maiores referências no Brasil sobre metodologias ativas e inovação na educação.
Em conversa
com equipe da Geekie, Moran afirmou que a escola se transforma mais
lentamente do que desejamos e emritmos diferentes.O professor aponta que o
empreendedorismo e a mudança de mentalidade são essenciais para transformar a
escola tradicional em um ambiente inovador; salienta, entretanto, que esse
fazer empreendedor deve ser associado à humanização. Concordo plenamente. Como
a inserção da tecnologia, o empreendedorismo na sala de aula deve estar
conectado com a intencionalidade pedagógica e com um conteúdo ancorado em
evidências; na experiência de empreendedores que lidam com luzes e sombras; com
desafios e alegrias de tornar um desafio em
negócio.
Eduardo Bontempo - graduado em Administração
de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e iniciou MBA no Massachusetts
Institute of Technology (MIT). Por entender que estava diante de uma janela de
oportunidade para para empreender, deixou o MBA e fundou a Geekie com Claudio
Sassaki. Menos de três anos depois, teve a certeza de que a difícil decisão foi
a certa: foi reconhecido comoInovador do ano pelo próprio MIT, na publicação
global MIT Technology Review.