Nesta
madrugada do dia 30/11, ainda anestesiados que estávamos com a tragédia aérea que
ceifou vidas de jogadores, comissão técnica, jornalistas e tripulantes, nas
proximidades de Medellín, a Câmara dos Deputados, mais uma vez, demonstra seu
desprezo pela cidadania, pela decência na vida pública, pelos princípios
republicanos.
O
ardil dos deputados foi de tal monta que, a despeito de tornar crime o “Caixa 2”, desfiguraram as “10
medidas contra a corrupção” formuladas pelo Ministério Público e com apoio de
milhares de brasileiros, milhares (dois milhões de assinaturas – a minha
inclusive!). Apenas quatro das propostas foram mantidas em sua originalidade.
Foi, por exemplo, inserido no texto proposta que visa punição de juízes e de
membros do ministério público por abuso de autoridade.
Neste
caso, sempre, no campo das leis, devemos nos proteger do abuso de autoridade,
inclusive porque no país do “você sabe com quem está falando” esse recurso é
frequente. Todavia, sabemos que tais intenções não têm nada a ver com o
respeito às garantias dos mais simples, mas, sim, de mais uma forma de proteger
os “donos do poder” e constranger juízes e promotores, essencialmente.
A
você, prezado leitor, não parecer óbvio que deva ser crime o enriquecimento
ilícito (isso, ilícito) de funcionários públicos e que os bens frutos desse
enriquecimento seja confiscado? Pois é, a resposta deve ser positiva para nós,
simples mortais; não é, contudo, para os nobres deputados que excluíram essa
medida do texto inicial. Outros tantos pontos que dificultariam a vida do
corrupto e do corruptor foram alterados ou desconsiderados.
Os
Poderes Legislativo e Executivos, no Brasil, estão alheios aos anseios da
população que, nos dias que correm, está atenta aos elementos atinentes à vida
coletiva e à representatividade política. Não faz muito, alguns colegas me
questionaram se deveríamos diminuir o número de Deputados e Senadores e, por
conta disso, respondi que o problema, em voga, não era quantitativo e sim
qualitativo: a qualidade de nossos representantes e de nossa democracia é
muito, muito baixa.
As
chamadas “vozes das ruas” estão, desde 2013, presentes em nosso cotidiano, em
nossa truncada sociabilidade. A classe política, em extremo descompasso com
essas vozes, faz-se de surdos, mas surdos seletivos. Não escutam as vozes da
cidadania, das ruas, dos manifestantes, mas são lépidos ao escutarem e
verbalizarem seus interesses, na maioria das vezes, nada republicanos. Um
deputado – infelizmente, não me recordo – concedeu entrevista afirmando que o
papel da Câmara era receber o texto das “10 medidas” e debate-lo e não aprova-lo
imediatamente. Tem razão o parlamentar.
A
Câmara e o Senado não têm papéis passivos frente ao Executivo ou ao Judiciário.
O papel, aqui, deveria, sim, de debater o texto e melhorá-lo e não o
desconfigurar.
O
texto que sairá da Câmara seguirá, depois, para o Senado. Lá, também, não deve
ter o melhor destino. Que deputados e senadores não descubram tarde demais que
esse alheamento da realidade, esse desprezo pelas vozes da cidadania, da
impessoalidade da lei, traz – em seu bojo – graves consequências, inclusive com
arroubos antidemocráticos de setores da sociedade.
Resta,
ao cidadão, não ser mero eleitor e sim um fiscalizador cotidiano dos nossos
representantes e, mais ainda, deixar claro, nas próximas eleições, que não se
compactuará com os desmandos, com a malandragem, com o jeitinho e com a
corrupção, seja no nível individual ou da vida coletiva e institucional. Não se
deve buscar heróis ou salvadores da pátria, devemos, antes de tudo, exigir
igualdade no respeito.
Rodrigo Augusto Prando