Pesquisar no Blog

domingo, 15 de março de 2015

Os 30 anos que mudaram o Brasil




 Comemoramos, neste dia 15 de março, o início do processo de redemocratização do Brasil. O marco dessa transição é a posse de José Sarney, controverso político maranhense, eleito como vice pelo Colégio Eleitoral na chapa de Trancredo Neves e empossado após a morte deste.
Mesmo diante do cenário trágico que marcou essa transição, o País deixava para trás os duros anos de ditadura militar e rumava para o novo, o diferente, para escrever outra história de sua vida política.
Após o golpe de 1964 e a publicação, nos anos seguintes, dos atos institucionais – AI, que cassaram direitos políticos e as garantias individuais e coletivas e que cercearam as competências do Poder Legislativo, as eleições para a Presidência da República passaram a ser indiretas, realizadas no âmbito de um colégio eleitoral constituído pelos membros do Senado e da Câmara dos Deputados. O processo era muito viciado, considerando que os partidos de oposição foram praticamente extintos e que, no Senado, havia parlamentares “biônicos”, nomeados pelo governo. Todos os presidentes eleitos na ditadura eram generais. Na década de 1980, foi escolhido aquele que seria o último presidente do regime, João Batista Figueiredo.
Em 1984, a sociedade brasileira foi às ruas, num movimento chamado Diretas Já. Políticos da oposição, intelectuais, representantes de organizações sindicais e a população em geral pediam por eleições diretas para o cargo de Presidente da República. Porém, a emenda constitucional Dante de Oliveira, que restabeleceria o pleito direto, foi derrotada no Congresso Nacional. O mandato do general Figueiredo chegava ao final. O candidato à sucessão do partido do governo, o PDS (antiga Arena), majoritário no Colégio Eleitoral, era Paulo Maluf. Porém, houve uma ruptura no partido. Ala liderada pelo então senador José Sarney, que daria mais tarde origem ao PFL, fez acordo com a oposição, constituindo chapa para enfrentar o candidato oficial: Tancredo Neves, do PMDB (ex-MDB), candidato a presidente, e Sarney, vice.  Em sessão com voto aberto, a oposição venceu.  Porém, devido a uma diverticulite, Tancredo morreu antes da posse, que seria em 15 de março de 1985. Como não houve posse, deveria assumir o presidente da Câmara dos Deputados, então Ulysses Guimarães. Entretanto, outro acordo político permitiu José Sarney assumisse a Presidência da República.
O Brasil respirava esperança. Uma nova Constituição seria escrita. A Assembleia Nacional Constituinte, em 1987, composta por políticos e representantes da sociedade organizada, recebeu a missão de produzir um texto que assegurasse a proteção dos Direitos e Garantias Fundamentais e que pudesse fazer do Brasil um Estado Democrático de Direito. Promulgada em 05 de outubro de 1988, a Constituição da República Federativa do Brasil ficou conhecida como a Constituição Cidadã.
Elegemos Fernando Collor pelo voto direto, mas o Congresso Nacional votou o seu impeachment por improbidade, em processo previsto na nova Constituição. Ele foi sucedido pelo vice, Itamar Franco.  Em 1994, elegemos Fernando Henrique Cardoso, grande intelectual, que nos falou do complexo de vira-latas e que colocou o Brasil num novo patamar no cenário internacional. A estabilidade econômica mudou a imagem no País no mercado externo e o brasileiro passou a ser também consumidor e sujeito de direitos.
Luiz Inácio Lula da Silva foi eleito presidente em 2002, e o povo brasileiro mostrou ao mundo que na democracia todos podem participar da vida política. Dilma é a primeira brasileira a ocupar a Presidência da República, a primeira mulher a chegar ao mais importante posto da política brasileira. Conquista da nossa sociedade.
O Brasil é hoje um Estado Democrático de Direito e, graças à democracia, podemos conhecer e ver serem punidos os envolvidos em ações de corrupção e em crimes contra o patrimônio público. Podemos sair às ruas e protestar, enviar mensagens de insatisfação nas redes sociais e organizar panelaços.
Já vão longe os trinta anos decorridos desde a posse de José Sarney e, indiscutivelmente, o Brasil não é o mesmo país. É melhor! Ainda há muito o que fazer. Há investimentos e ajustes,  e só o processo democrático pode garantir que sigamos na construção de um país para todos os brasileiros. A democracia é o instrumento.

Rita do Val - coordenadora do curso de graduação em Relações Internacionais da Faculdade Santa Marcelina – FASM

Trinta anos de redemocratização




“O dia em que foi empossado o primeiro civil como presidente do Brasil, após mais de 20 anos de ditadura militar, é um Marco para a Democracia no Continente Sulamericano e uma das datas mais importantes da política brasileira”, coloca o professor da Faculdade Santa Marcelina – FASM.
Há 30 anos, em 15 de março de 1985, José Sarney assumiu o cargo de Presidente da República, na qualidade de Vice-Presidente de Tancredo Neves, o presidente eleito e morto. Este é um marco histórico no processo de redemocratização do Brasil, conforme explica o jurista e professor do curso de Relações Internacionais da Faculdade Santa Marcelina – FASM, Sérgio Conrado Cacozza Garcia.
“O dia em que foi empossado o primeiro civil como presidente do Brasil, após mais de 20 anos de ditadura militar, é uma das datas mais importantes do nosso calendário político”, diz o professor. “Com forte temor pela fragilidade da recém retomada democracia pós-ditadura militar, Sarney prometeu manter as promessas de Tancredo, ainda que ele mesmo houvesse apoiado o governo militar e votado contra a emenda Dante de Oliveira, que garantia as eleições diretas”.
 “A situação brasileira era delicada”, explica Cacozza. “Sarney herdou um país com índices inflacionários e taxas de desemprego elevadas, bem como com uma alta dívida externa, o que não contribuía para uma situação econômica favorável”. Na época, foi necessária a implementação de seguidos planos econômicos, os quais, dentre outras consequências, trouxeram o congelamento de preços e salários e o fim da correção monetária.
Entre os anos 1985 e 1990, também houve a elaboração e promulgação da nova Constituição Federal de 1988. Merecem destaque os chamados ‘Direitos Fundamentais’, uma série de direitos sociais que passaram a ser protegidos em Carta Magna. “O texto foi considerado, por inúmeros juristas, inovador. Em especial, surpreendeu a instituição do direito ao voto, através de eleições diretas, e da garantia constitucional de respeito à isonomia. Além disso, estabeleceu-se a igualdade dos três poderes da República Federativa do Brasil”.

13 e 15 de março: massas rebeladas





Onde há poder há resistência, mesmo nas microrrelações de poder (Foucault). Quando não concordamos com um determinado governo, nada mais legítimo que protestar (e desejar sua mudança pela via democrática). Mas é de se lamentar quando a luta do povo (ainda que hercúlea) fica pela metade. Se sabemos (pela história e pelos indicadores sociais) que todos os governos fazem sempre praticamente a mesma coisa (preservação dos interesses das classes sociais dominantes, ou seja, das relações de domínio e de exploração, incluindo anomalamente muitas vezes a cleptocracia - a ladroagem crua e nua), nossos protestos não deveriam ser dirigidos apenas contra o governo plantonista (do PT no plano federal e do PSDB em alguns estados: SP, PR, GO, MS e PA), sim, contra o sistema de dominação que é cruel no Brasil: em 1960 nosso Gini (índice que mede a desigualdade) era de 0,50; chegou a 0,64 em 1988 (fruto da ditadura) e voltou para 0,51 em 2014 (número que significa extrema desigualdade). Os países europeus, para se ter uma ideia, possuem Gini médio de 0,30; os EUA, de 0,45.
Somos um país extremamente desigual e severamente cleptocrata (porque dominado pelo patrimonialismo, pela "compra" do poder político pelo poder econômico e pela roubalheira generalizada). Quando o poder jurídico aperta o controle do poder político-econômico (em momentos raros), todos os partidos "comprados" pelo dinheiro se aliam e mandam o povo às favas. No dia 5/11/14, a anterior CPI da Petrobras (que morreu de anemia) votava requerimentos para quebrar o sigilo das empreiteiras e convocar larápios da roubalheira. PT e PSDB fizeram um "acordão" e impediram qualquer medida que pudesse buscar a verdade. Os partidos estão se lixando para a população, quando atuam para salvar a pele deles e dos que os financiam.
As redes sociais prometem mais duas grandes manifestações populares (13 e 15 de março). Fico feliz quando vejo o povo de uma república cleptocrata (governada por ladrões poderosos) indo para as ruas. Mais ainda quando a manifestação se legitima pela ausência de violência. Vence-se, nesse caso, a inércia e o comodismo (assim como a servidão voluntária, como dizia Boétie). Expressão de que somos seres sociais e também políticos (Aristóteles). É crucial ter consciência de que numa república de roubalheiras diárias como a nossa, jamais teremos mudanças sociais e melhoras na democracia sem a participação popular. O consenso popular diz que os partidos políticos não representam os interesses gerais (Rousseau está morto!). Estão "vendidos" ao poder econômico (sobretudo via financiamento das caríssimas campanhas eleitorais).
Poder político e poder econômico, desde o nascimento do Estado moderno (na Inglaterra no século XVII; na França, no século XVIII, quando a burguesia ascende ao poder), fundiram-se (para a preservação dos seus poderes e privilégios). O aposto do poder político é o poder jurídico (polícia, ministério público, juízes, tribunais etc.), que funciona precariamente (porque não temos aqui o império da lei).
As classes sociais dominantes, de qualquer modo, não dominam apenas por meio do Estado (que é manobrado e manipulado pelos reais detentores do poder), senão também por outras instâncias de domínio (como igrejas, escolas, meios de comunicação etc.) e pelos consensos em torno dos seus valores. Antes da construção do Estado brasileiro (1822), as classes dominantes (desde o feudalismo no solo português e durante todo o colonialismo - 1500-1822) exerciam o poder por meio de várias instâncias (econômica, política, jurídica, eclesiástica, valores difundidos na consciência coletiva etc.). Com o nascimento do Estado alguns poderes lhe foram canalizados (sobretudo o do propalado uso legítimo da força), mas a sociedade civil continua com suas tradicionais relações de poder (patrão-empregado, igrejas, mídias, marido-mulher etc.). Muita coisa já mudou (desde o feudalismo dos nossos ancestrais), mas isso não significa que as alterações já terminaram. A revolução, na verdade, apenas começou (Jaime Osorio, El Estado en el centro de la mundialización: 33).
O governo não passa da manifestação visível do Estado (é sua expressão mais escancarada). Por isso que é mais fácil contestá-lo. Mas o que ignoramos normalmente é o lado invisível desse mesmo Estado, que é a síntese das relações de poder e de domínio de classes (J. Osório, citado). O Estado faz parte de toda essa engrenagem de produção e reprodução das posições de poder (que disseminam e perpetuam as desigualdades). Esse é o nó que temos que desatar (ou o Brasil nunca sairá do atoleiro em que se encontra desde que foi descoberto).
Os indicadores sociais mostram evoluções (IDH em 1980 de 0,55, contra 0,72 em 2011; no mesmo período a expectativa de vida passou de 62,5 anos para 73,5; a taxa de alfabetização subiu de 74,5 para 90,4; a escolaridade saiu de 2,6 anos para 7,2; a renda per capita cresceu de 7.310 dólares para 10.200 - veja L. C. Bresser-Pereira, A construção política do Brasil: 375), mas exageradamente lentas. O descompasso entre a realidade e a expectativa geral é brutal. Pior: a frustração aumenta com as centenas de percalços intermitentes (inflação alta, desemprego subindo, cleptocracia instalada no poder, corrupção endêmica, desigualdade sistêmica, violência epidêmica, justiça morosa, ausência do império da lei e por aí vai). As massas têm motivos de sobra para se rebelarem. Mas nessas horas o poder econômico dominante se esconde e deixa o "abacaxi" apenas nas mãos do poder político. E o povo acha que é o poder político (o visível) que vai resolver seu problema, ignorando que ele foi "cooptado" pelo poder econômico dominante (que é o grande responsável pela produção e reprodução das desigualdades, pela exploração dos dominados - parasitismo -, pela divisão indevida do patrimônio público - patrimonialismo -, pela "compra" do poder político - roubo da democracia cidadã -, pela roubalheira do erário público - cleptocracia etc.).



Luiz Flávio Gomes - Jurista e Professor


Proibição de retrocesso





No pertinente aos direitos do homem, as constituições contemporâneas das mehores democracias costumam consagrar três modalides de cláusulas: (a) de primeira geração, as liberdades oriundas das revoluções liberais, inscritas nos incisos do art. 5º de nossa Consituição; (b) as de segunda geração, pertinentes aos direitos do homem trabalhadores e direitos sociais; (c) os de terceira geração, a começar das normas protetivas do meio ambiente e outras garantias do desenvolvimento sustentável.
No plano dos direitos constitucionais trabalhistas, uma cláusula, denominada de proibição de retrocesso, merece séria meditação, mormente nos momentos de crises e políticas de austeridade. Tem a cláusula o relevante significado de que nenhum direito trabalhista consagrado na Constituição de um país pode ser objeto de retrocesso, de redução de valores, modificações prejudiciais aos trabalhadores ou extinção.
Assim, seriam equiparados aos direitos de primeira geração, às clássicas liberdades dos homens em face do Estado, de negação a este de opressão de predicamentos elementares, como o direito de ir e vir, universalmente consagrado e que jamais se pensa em restringir, salvo por governos de exceção, ditatoriais, sobre protestos da ONU e de outros países e à margem do direito. Essencialmente, não se admite que se retire do trabalhador aquilo que foi por ele conquistado na Constituição de sua nação.
Portugal, que consagrou tal cláusula em seu diploma constitucional, sofreu forte pressão dos demais países integrantes da Comunidade Européia, que impuseram como requisito de seu ingresso na Comunidade a extirpação da cláusula de sua lei maior. O argumento é de que crises recessivas não podem ser combatidas sem restrição de direitos trabalhistas. Portugal cedeu, sob pena de permanecer fora da Comunidade e a recente crise levou não só Portugal, mas a Espanha, Grécia e outros, a retroceder em seu direito constitucional do trabalho, o que, entre outras medidas prejudiciais ao povo, o levou às ruas em protestos de altas proporções.
O Brasil não tem a cláusula de proibição do retrocesso trabalhista na Constituição de 1988, mas vários julgados de nossos Tribunais invocavam analogicamente a Constituição Portuguesa, para evitá-lo, em condições normais. O emérito constitucionalista lusitano, Gomes Canotilho, amiúde invocado nas decisões de nosso Supremo Tribunal Federal, aplaude a cláusula, mas não deixa de observar seu condicionamento político inescapável dos embates ideológicos, o que torna o princípio ainda fragilmente consolidado, em construção.
De nossa parte, consideramos que o direito do povo trabalhador não pode ser inferiorizado ao direito do povo cidadão. A proibição de retrocesso, como o nome diz, não significa que direitos trabalhistas devem tomar corpo em proporções tais que não possam ser assimilados pelo empresariado e pelo Estado; mas, tão-somente, que as recessões, geralmente de responsabilidade de governos perdulários, corruptos ou ineptos, não pode ser combatidas em sacrifício dos mais pobres e obreiros, ao passo em que os providos de alguma fortuna, sobretudo os políticos, geralmente não sentem na carne os efeitos das medidas de contenção de despesas.
No mundo de hoje, em que não faltam potenciais de riqueza e desenvolvimento, comumente a causa das recessões, da inflação e outros males econômicos reside na inanidade, irresponsabilidade e desonestidade dos governos, como se verificou em Portugal, na Espanha, Itália, Grécia e, agora, no Brasil, campeão da demagogia, segundo a qual jamais seríamos atingidos no jogo internacional, em que acabamos por ser derrotados por vergonhosos 7 a 1.
No momento, a proposta do governo, que fez juras de amor aos trabalhadores na campanha eleitoral, trilha o caminho do aperto fiscal, do aumento de impostos e da redução dos direitos trabalhistas. Entre estes últimos, a medida mais cruel é a extinção da vitaliciedade da pensão por morte no regime geral da previdência social, que fica por tempo determinado, sendo extinto quando, por exemplo, uma mulher idosa e incapaz de enfrentar o mercado de trabalho, vê-se repentinamente desprovida do benefício previdenciário aos 50 ou 60 anos de idade, restando-lhe apenas a sucumbência social; isso para manter o equilíbrio das contas previdenciárias, ao passo em estamos cansados de saber que o deficit da previdência se deve a uma imensa máquina instrumentalizada, em que as despesas das atividades-meio, o custeio de sua administração, supera o montante dos benefícios; e que suporta o privilegiado sistema público de previdência, em que, por exemplo, juízes pilhados em falcatruas  são aposentados compulsoriamente sem prejuízo de seus vencimentos integrais. Para eles, vige a cláusula da proibição de retrocesso.
Daí porque são justos os protestos contra governos que impuseram sacrifícios inesperados àqueles que vivem de seus salários para comer, morar, vestir-se, possibilitar transporte a seus filhos para escolas públicas, em especial quando foram escandalosamente enganados por propagandas de governos que fizeram o diabo para reelegerem-se.


Amadeu Garrido de Paula - advogado especialista em Direito Constitucional, Civil, Tributário e Coletivo do Trabalho

Posts mais acessados