Todo mundo conhece alguém que já mudou de profissão, deu
um novo rumo à vida ou resolveu se reinventar. Esse tipo de atitude, que alguns
podem chamar de falta de objetivo real ou maturidade, pode esconder uma
dificuldade que normalmente está associado às pessoas extremamente talentosas e
que, muitas vezes, têm múltiplas habilidades: a Síndrome do Impostor.
Ao contrário do que a expressão possa sugerir, essa
síndrome não acontece com um indivíduo que finge ser o que não é, mas por se
sobressair em uma ou mais áreas de forma bem-sucedida, sem, no entanto, achar
que é merecedor daquilo.
Segundo um estudo realizado pela psicóloga Gail Matthews,
da Universidade Dominicana da Califórnia, nos Estados Unidos, essa síndrome
atinge, em menor ou maior grau, 70% dos profissionais bem-sucedidos do mercado,
em especial as mulheres.
A designer carioca Gil Bastos, da Kaza Asa se encaixa
nesse perfil. Especialista em Branding e Comunicação, foi executiva de
marketing por quase 20 anos, construindo marcas como Shell, Free, Carlton,
Chivas Regal, iG e Nokia, com equipes e projetos no Brasil e no exterior,
criando grandes ações e construindo estratégias de sucesso para as marcas.
Gil seguiu na carreira que havia abraçado e o
reconhecimento ao seu trabalho continuou crescendo. Até que em 2009, depois de
anos de tratamento para conseguir engravidar, descobriu que Mabi estava a
caminho. E assim como grande parte das mulheres, começou a questionar o tipo de
contato que teria com a menina: seguir dentro de uma multinacional e
terceirizar de alguma forma a criação da filha; ou se lançar em um negócio
próprio, em algo que usasse seu know-how, mas que a permitisse ter mais contato
com a família de uma forma geral. “Quando resolvi sair do mundo do marketing,
por conta da maternidade, não pensava de forma alguma em deixar meu lado
profissional de lado. Mas ao mesmo tempo que eu tinha certeza que conseguiria
lançar um projeto apenas meu, achava que sem um grande nome por trás, não
conseguiria chegar onde gostaria”, diz. E complementa: “A sensação que sentia é
que havia uma grande cobrança de sucesso, e mesmo atingindo as metas esperadas
por mim e por quem estivesse envolvido, sempre faltaria algo. É um sentimento
bastante confuso e perturbador até certo ponto. Racionalmente, eu sei sobre
todo o esforço que coloco em cada trabalho e a qualidade do produto final. Mas
se me perguntar o que acho, sempre vou dizer que falta algo, quero sempre um
resultado melhor elaborado”, conta.
Com a mudança de carreira, Gil passou a sentir os
sintomas da Síndrome do Impostor. “Mesmo com meu novo trabalho reconhecido e
elogiado, eu tinha a sensação de que era uma grande sortuda e que algo poderia
dar errado a qualquer momento. Achava, que nunca era suficientemente o melhor
de mim", explica. Aos poucos, percebeu que não poderia focar apenas na
nova marca, mas criar uma conexão com sua profissão anterior, porque dessa
forma abraçaria o sonho de criar os objetos que gostava e a realidade dos
projetos de marketing que a satisfaziam profissionalmente.
Hoje, Gil se divide entre o desenvolvimento das coleções
da sua Kaza Asa e a criação de histórias, imagens e ilustrações para outras
marcas. “Consegui reunir minhas duas paixões como profissional: o da executiva
de grandes contas ao trabalho como designer. Essa mudança foi importante não
apenas para eu conseguir me dedicar à maternidade como gostaria, mas para me
desprender dessa cobrança que apenas eu imputava à mim. Agora, eu sou minha
chefe, eu me cobro resultados e eu entrego o que me impacta do jeito que
imagino”, pontua, lembrando, ainda, que embora essa tenha sido a forma
encontrada por ela para vencer a Síndrome do Impostor, cada um tem que
encontrar o seu caminho. “As pessoas não falam muito sobre esse assunto no
Brasil, embora boa parte dos executivos que eu conheça passe por esse problema.
Pode parecer piegas e lugar comum o que vou dizer, mas enquanto cada um não
procurar a sua forma de se livrar de cobranças sem fundamento, teremos cada vez
mais profissionais frustrados”.
Vale lembrar que frustrações são importantes na carreira
e ocasionalmente toda pessoa vai errar em algum momento ou decisão, mas estes
episódios não podem ser paralisantes nem determinar o tipo de profissional que
cada um é. “Se me perguntarem se ainda sofro com os sintomas da SI, a resposta
será sim. Mas aprendi a controlá-los e a ser mais gentil comigo. Agora, quando
recebo elogios por um trabalho, no lugar de levantar alguma dúvida sobre minhas
habilidades e criações, lembro dos trabalhos incríveis que realizei nesses
quase 30 anos de carreira. Afinal, ninguém consegue ser uma fraude por tanto
tempo, não é?”, esclarece.