Fonte:
Fabernovel
O novíssimo setor de
tecnologia para o agronegócio, conhecido como AgTech, entrou de vez no radar do
mercado brasileiro em 2017. Se até um ano atrás esse termo estava restrito às
rodas da cadeia de inovação agrícola, hoje ele já soa familiar em qualquer
conversa de negócios, da mídia aos executivos de empresas de tecnologia,
passando por investidores, governos, empreendedores e academia.
Mas o que isso
significa de fato? Do ponto de vista de investimentos e novos negócios, o que
esperar do mercado AgTech? Começo minha análise com a seguinte avaliação: se
2017 foi o ano em que o Brasil praticamente conheceu esse novo nicho de
mercado, 2018 será o ano de investir nas startups agrícolas – brasileiras!
Como investidor de
empresas que atua há muitos anos no Brasil, mas com uma conexão profunda com o
ecossistema internacional de venture capital, tenho a oportunidade de analisar
a evolução dos diferentes mercados, comparando seus pontos fortes e fracos,
assim como as características que tornam este ou aquele país mais sedutor para
quem deseja investir.
Não tenho dúvidas de
que a vocação do Brasil para a agropecuária, aliada a outros fatores que vou
comentar mais adiante, tornam o AgTech brasileiro uma opção quente. São
pelo menos 8 fatores que me levam a pensar que 2018 será o ano das startups
brasileiras de tecnologia para o agronegócio.
Vamos a eles.
1 – Explosão da
demanda mundial por alimentos
A Organização das Nações
Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) calcula que o mundo terá 9,3
bilhões de habitantes em 2050, dos quais 70% da população em áreas urbanas.
Para alimentar esse contingente, será necessário aumentar a produção de
alimentos em 70%; a de cereais, especificamente, terá que atingir 3 bilhões de
toneladas por ano, superior aos 2,1 bilhões atuais.
O desafio é enorme não apenas
pela quantidade, mas pela qualidade dessa produção, que não poderá crescer a
qualquer custo. A demanda da sociedade por sustentabilidade exige que o
agronegócio cresça com respeito ao meio ambiente e aos recursos naturais. A
tecnologia e a inovação são as aliadas para vencer este desafio, abrindo um
oceano azul para as startups AgTech.
2 – A força do
agronegócio brasileiro
Com uma sequência de anos de vacas magras na economia brasileira,
é o agronegócio quem tem carregado o Brasil nas costas. O setor é responsável
por 23% do PIB nacional e vem colhendo frutos muito bons. O PIB da agropecuária
no terceiro trimestre de 2017, de R$ 70,3 bilhões, foi 9,1% superior ao
registrado no mesmo
período de 2016. No acumulado dos nove primeiros meses de 2017, a expansão foi
de 14,6%.
Já a soma das riquezas do País nem em
sonhos passa perto disso. O PIB brasileiro ficou estável entre o segundo e o terceiro trimestres do ano,
com uma expansão mínima de 0,1%. Em relação ao terceiro trimestre do ano
passado, o crescimento foi de 1,4% e, no acumulado de 2017, alcançou expansão
de apenas 0,6%. Como comparação, a indústria cresceu 0,8% no período e o
setor de serviços 0,6%.
Esses números mostram um agronegócio
pujante, criando a base para mais investimentos em tecnologia e inovação. Ainda
assim, trata-se de um potencial pouco aproveitado pelas companhias de venture
capital. Contam-se nos dedos as gestoras e investidores do setor, o que indica
um potencial enorme para os próximos anos.
3 – Centro de
excelência em pesquisas agrárias
O agronegócio
brasileiro tem histórico de inovação. Exemplo disso é a revolução agrícola
liderada pela Embrapa a partir da década de 1970, que tornou o Brasil um dos líderes mundiais em tecnologias para a
agricultura tropical. Com pesquisa de vanguarda, o País deixou para trás uma
situação de insegurança alimentar e passou a ser um dos principais produtores
de alimentos do mundo – só para dar um exemplo, hoje somos o segundo maior
produtor e exportador de soja.
Essas conquistas se devem também aos diversos centros
de excelência acadêmica em agro e tecnologia espalhados pelo País. A começar
pela Esalq, de Piracicaba - que faz parte da USP -, eleita em 2016 a quinta
melhor universidade do mundo em ciências agrárias no ranking da editora U.S
News and World Report.
Além dela, podemos citar o complexo USP
de maneira geral, que engloba também os campi de Pirassununga e Ribeirão Preto,
Unesp (Botucatu e Jaboticabal), Unicamp, as universidades federal de Viçosa,
Lavras e Santa Catarina, o Instituto
Tecnológico de Aeronáutica (ITA) e o Instituto Nacional de
Pesquisas Espaciais ( INPE).
4 – Sólido
ecossistema de agronegócio
O Brasil não se
tornou uma potência agrícola por acaso. Além da vocação para agropecuária e a
tradição de pesquisa no setor, temos um mercado forte e bem estruturado. As
principais multinacionais do agronegócio estão aqui, como as do setor químico,
maquinários, sementes e fornecedores de insumos em geral. O quadro se completa
com a presença de companhias internacionais de alimentos e os grandes
produtores rurais.
5 – Estágio de
tecnologia
A onda AgTech no
Brasil só é possível porque hoje a Internet exibe um bom grau de maturidade e
há tecnologia disponível para uma série de produtos e serviços agrícolas. Dados
do NIC.br, o braço executivo do Comitê Gestor da Internet, mostram que a
Internet brasileira alcança 61% das pessoas com mais de 10 anos, o equivalente
a 107,9 milhões de usuários.
O desafio a ser
vencido é melhorar a conexão nas áreas rurais – 65% das pessoas que vivem nas
cidades navegam na rede, enquanto no campo o índice cai para 39%. A boa notícia
é que, se a infraestrutura ainda é falha, a barreira cultural está sendo
superada.
Um estudo feito pela
agência HYP Digital mostra que, de 10 produtores rurais brasileiros, 7 acessam
a internet; e o smartphone é o principal meio para isso. Além disso, os
agricultores estão nas redes sociais: 97% usam o WhatsApp e 97% têm conta no
Facebook.
Em relação à
tecnologia, recursos como Inteligência Artificial, Internet das Coisas,
computação em nuvem, sensores de monitoramento e rastreamento hoje possibilitam
às startups levar ao produtor rural uma série de serviços que há pouco tempo
seriam impensáveis.
6 – Agricultura
tropical e concorrência estrangeira
A agricultura
tropical serve de barreira de entrada para concorrentes estrangeiros que pretendem
atuar no Brasil, proporcionando uma vantagem competitiva para as startups
agrícolas brasileiras. Isso porque AgTechs americanas ou europeias desenvolvem
suas soluções pensando na agricultura de clima temperado. Não dá para
simplesmente replicar aqui suas tecnologias, como acontece em setores da
economia.
O chamado copycat,
jargão do mercado digital para startups que copiam modelos consagrados em
outros países, não cola na agricultura. Por isso, as startups AgTech
internacionais têm muitas dificuldades para ingressar no Brasil. Condições
climáticas e de solo diferentes exigem soluções diferentes; e ninguém conhece
melhor a agricultura tropical do que as AgTechs nacionais.
De quebra, os
empreendedores brasileiros contam com uma vantagem competitiva global, estando
melhor posicionados para conquistar outros mercados de agricultura tropical,
como América Latina, África e Sudeste Asiático.
O mercado de AgTech
nacional já tem algumas representantes de peso, como a Spec Solo, que usa
tecnologia de espectroscopia e inteligência artificial,
desenvolvida em conjunto com a Embrapa Solos (RJ), para revolucionar a forma
como a análise de solo é conduzida em solos tropicais; a Agronow, que processa
imagens de satélite e radar com algoritmos de inteligência artificial para
inferir produtividade e risco de safra agrícola; e a Aegro, sistema de gestão e
manejo agrícola, desenvolvido por cientistas da computação e agrônomos de
UFRGS, que oferece uma ferramenta de gestão de fazenda sofisticada a preços
acessíveis para o pequeno e médio produtor.
7 – Democratização
da tecnologia
Inovação não é uma
novidade no agronegócio nacional, conforme já falamos. O que há de novo nessa
história é que o digital está democratizando o acesso à tecnologia pelo pequeno
produtor rural. Se antes apenas as grandes propriedades rurais tinham condições
técnicas e financeiras para implantar sistemas complexos, como mecanização de
lavouras, hoje agricultores menores também podem contar com diferentes serviços
digitais, prestados por startups, que cabem no bolso.
Existem aplicativos
para monitoramento de fazendas, previsão de safra e softwares de gestão com
assinaturas mensais na casa de poucas centenas de reais. Esse processo ainda
está no início. A tendência é que os serviços de tecnologia se tornem ainda
mais acessíveis no curto espaço de tempo, atraindo mais produtores rurais como
clientes e ampliando o mercado para as startups.
8 – Maior
probabilidade de “saídas”
Todo investidor que
aposta numa startup espera, em algum momento, concretizar uma boa “saída”, ou
seja, vender sua participação por um valor muito maior que o investido. Nas
demais áreas, como comércio eletrônico ou aplicativos de tecnologia, a
probabilidade de retornos elevados é pequena. Quando pensamos no agronegócio, a
história é diferente. É um dos principais setores da economia global. E o
Brasil é protagonista nesse campo.
As startups
nacionais que se destacarem, conquistarem mercados e estiverem na vanguarda
tecnológica estarão naturalmente credenciadas aos olhos dos principais fundos
de investimento do mundo, que começam a olhar o AgTech brasileiro com atenção.
O setor, aliás, já
gerou seu primeiro unicórnio, a Climate Corp, empresa de análise e
gerenciamento de risco comprada pela Monsanto por US$ 930 milhões. Nos últimos
meses, várias outras aquisições foram anunciadas, como a compra da Blue River
pela John Deere e da Granular pela Duponte, ambas por US$ 300 milhões cada.
É por essas e outras
que não tenho dúvidas de que os Facebooks, Googles e Amazons brasileiros já
estão entre nós, sujando a botina em fazendas espalhadas em diferentes cantos
do Brasil. É só uma questão de tempo para que esse nerds do campo se agigantem
e coloquem o País na rota dos grandes deals internacionais.
Francisco
Jardim - Sócio da gestora de
investimentos SP Ventures