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Células-tronco de glioblastoma: marcação de fluorescência para proteína príon (vermelho), CD44 (verde) e núcleo da célula em azul (imagem: Marilene Hohmuth Lopes e Mariana Prado) |
Em experimentos conduzidos na USP, as células-tronco tumorais ficaram menos capazes de se proliferar e de invadir tecidos quando a produção da proteína príon foi barrada por edição genética; resultados sugerem que a molécula pode ser um alvo terapêutico
O glioblastoma (GBM), um dos tipos mais
agressivos de câncer cerebral, é um dos maiores desafios para a medicina –
tanto pela dificuldade de tratamento quanto pela alta taxa de letalidade. No
Brasil, embora não existam números exatos, estima-se que entre 10 mil e 12 mil
novos casos sejam diagnosticados anualmente.
A doença, que representa quase
metade (49%) dos tumores cerebrais, tem uma taxa de sobrevida extremamente
baixa, com a maioria dos pacientes vivendo cerca de 12 meses após o
diagnóstico. Por isso, há anos a ciência busca novos alvos terapêuticos para o
desenvolvimento de tratamentos mais eficazes e capazes de aumentar a sobrevida
e a qualidade de vida das pessoas afetadas.
O tratamento tradicional
envolve cirurgia para a remoção do tumor, quimioterapia e radioterapia. O
principal medicamento utilizado é o temozolomida (TMZ), um quimioterápico
aprovado no final da década de 1990 e que ainda é usado no controle da doença.
O problema é que, apesar de o paciente ficar alguns meses livre do tumor, o
glioblastoma raramente responde completamente ao tratamento e, por isso, ele
volta a se desenvolver meses depois – muitas vezes de forma ainda mais
agressiva e invasiva.
Foi a partir desse cenário que
o grupo liderado pela professora Marilene Hohmuth Lopes, do Laboratório de Neurobiologia e Células-Tronco do Departamento de
Biologia Celular e do Desenvolvimento do Instituto de Ciências Biomédicas da
Universidade de São Paulo (ICB-USP), decidiu se aprofundar e investigar o
mecanismo de ação das células tumorais que permanecem no tecido cerebral mesmo
após o tratamento completo.
Em estudo apoiado pela FAPESP e publicado na revista BMC Cancer, a equipe descobriu que a
proteína príon desempenha papel-chave na biologia do glioblastoma.
“O tratamento do glioblastoma
está estagnado há mais de 20 anos. É essencial descobrir novas estratégias para
melhorar as chances de recuperação e a sobrevida dos pacientes”, afirma Lopes
à Agência FAPESP.
Células-tronco
tumorais
Para entender a importância da proteína príon na biologia do câncer, primeiro é necessário conhecer o mecanismo de ação do glioblastoma. Como explica Lopes, a cirurgia e o tratamento com o temozolomida matam as células que se multiplicam rapidamente e formam a “massa” do tumor. Apesar disso, as chamadas células-tronco tumorais (ou células-tronco de glioblastoma) ficam retidas no tecido cerebral em estado dormente. Quando voltam a se ativar, são capazes de orquestrar novamente o crescimento do tumor.
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Cultura de células-tronco de glioblastoma cultivadas em suspensão como esferas (foto: Rodrigo Nunes Alves) |
“É importante lembrar que
células-tronco são muito potentes e têm capacidade de se autorrenovar. Elas
ficam quietinhas por um período, mas, quando ‘acordam’, geram novas células que
se multiplicam rapidamente e reconstroem toda a hierarquia celular do tumor. E
foi isso que chamou a nossa atenção”, conta a professora.
Proteína
príon
Todas as pessoas produzem uma
proteína chamada príon, que desempenha funções biológicas relevantes e extremamente
importantes para a manutenção do sistema nervoso central: ela atua na
funcionalidade e plasticidade do cérebro, está envolvida em processos
cognitivos (formação e consolidação de memória, por exemplo) e contribui para a
comunicação entre os neurônios.
“Eu já estudava essa proteína
antes de começar a investigar o seu papel no desenvolvimento do câncer. Quando
observamos, em amostras de pacientes, que ela estava elevada em tumores muito
agressivos, decidimos entender melhor a sua relação com o glioblastoma e a sua
influência sobre as células-tronco do tumor, que são as responsáveis pela
recidiva do câncer”, relata.
Isso é importante porque a
proteína príon está presente na superfície das células, o que a torna “druggable”
(um alvo capaz de ser modulado por medicamentos). “Isso significa que, ao
pensar em uma possível terapia, é muito mais fácil atravessar a barreira
hematoencefálica e atingir uma proteína que está na superfície da célula do que
uma dentro da célula, por exemplo”, explica a professora.
Nos experimentos in
vitro, o grupo observou que, ao cultivar as células-tronco de glioblastoma,
havia um aumento significativo nos níveis da proteína príon, sugerindo que ela
tem um papel fundamental na regulação dessas células.
Edição
genética
A partir desse achado, o grupo
utilizou a tecnologia CRISPR-Cas9 para editar o genoma das células-tronco de
glioblastoma e barrar a produção da proteína príon. Com isso, os pesquisadores
conseguiram modificar o funcionamento dessas células, diminuindo a sua capacidade
de invasão e de proliferação.
“Isso nos mostrou que a príon é
um potencial alvo terapêutico. Mas é pouco provável que uma única proteína,
sozinha, seja responsável pelo desenvolvimento da doença. Acreditamos que ela
atue em diferentes vias de sinalização, por isso seguimos investigando outros
mecanismos e possíveis parceiros da proteína”, detalha Lopes.
O grupo passou a estudar,
então, a interação da príon com a proteína CD44, um marcador de células-tronco
tumorais bastante conhecido e envolvido na invasão coletiva do câncer de mama e
colorretal.
“Descobrimos recentemente que
uma molécula modula a outra e, agora, buscamos entender melhor essa interação.
Até o momento, sabemos que a proteína príon pode funcionar como um arcabouço,
criando plataformas multiproteicas de sinalização na membrana das células, para
que elas sobrevivam e proliferem. Quando alteramos a produção dessa proteína
[via CRISPR-Cas9], descobrimos que a sua ausência compromete a autorrenovação,
a migração e a invasão das células tumorais”, ressalta.
Apesar dos resultados
promissores, ainda não é possível prever quando essas novas descobertas poderão
ser aplicadas à prática clínica. “A gente trabalha com pesquisa básica. Demora
muitos anos para conseguirmos transpor essas descobertas em tratamentos. Mas
estamos no processo de entender mecanismos, de entender como essa proteína
regula outros genes importantes na biologia celular e tumoral e de que forma
pode, no futuro, se tornar um potencial alvo terapêutico. O estudo continua”,
finaliza a pesquisadora.
O artigo Prion protein
regulates invasiveness in glioblastoma stem cells pode ser lido
em: https://bmccancer.biomedcentral.com/articles/10.1186/s12885-024-13285-4.
Fernanda Bassette
Agência FAPESP
https://agencia.fapesp.br/estudo-revela-proteina-chave-para-a-progressao-do-glioblastoma-um-tipo-de-tumor-cerebral/54244
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