Dr.ª Cristiane Pertusi analisa as raízes históricas
e psicológicas da repressão feminina e seus reflexos na atualidade – e como
podemos quebrar esse ciclo
Ao
longo dos séculos, a sociedade encontrou diferentes formas de silenciar e
controlar mulheres que desafiavam normas estabelecidas. Na Idade Média, eram
chamadas de feiticeiras. No século XIX, rotuladas como histéricas. Hoje, são
frequentemente vistas como exageradas, emocionais, difíceis e até o tão usado
"loucas". Mas por que a autonomia feminina continua sendo motivo de
tanta resistência?
Para
a psicóloga Dr.ª Cristiane Pertusi, especialista em traumas e comportamento
humano, essa narrativa repressora tem raízes profundas, atravessando períodos
históricos e se manifestando até os dias de hoje de maneiras sutis e, muitas
vezes, naturalizadas. A boa notícia? É possível quebrar esse ciclo.
Durante
a Idade Média e a Inquisição, mulheres que fugiam do padrão de submissão —
fossem curandeiras, conhecedoras de ervas medicinais ou simplesmente
independentes — eram perseguidas e acusadas de bruxaria. Estudos indicam que
entre os séculos XV e XVIII, cerca de 50 mil mulheres foram executadas na Europa
e América do Norte sob essas acusações. A caça às bruxas, além de um
instrumento de repressão religiosa, foi um mecanismo de controle sobre o
conhecimento feminino, restringindo sua atuação fora dos limites impostos pelo
patriarcado.
Com
a chegada do século XIX e o avanço da medicina, a perseguição mudou de forma,
mas não de objetivo. A histeria, termo popularizado pelo médico francês
Jean-Martin Charcot e posteriormente por Sigmund Freud, passou a ser um
diagnóstico recorrente para mulheres que apresentavam “comportamentos
inaceitáveis” para a época: insatisfação com o casamento, desejos sexuais,
crises de ansiedade ou qualquer reação que não fosse a esperada para uma “boa
esposa”. Elas eram internadas, submetidas a tratamentos invasivos e, muitas vezes,
desacreditadas.
No
Brasil, até meados do século XX, mulheres que se recusavam a cumprir papéis
tradicionais muitas vezes eram levadas para hospitais psiquiátricos sob o diagnóstico
de “transtorno nervoso”, um eufemismo para desvio dos padrões de gênero.
Mas, como reconhecer e se proteger desses padrões?
- Questione discursos antigos – Quando ouvir frases como "mulher
tem que ser mais contida" ou "você está exagerando",
pergunte-se: será que essa crítica aconteceria se eu fosse homem?
- Conheça a história – Saber como esses rótulos foram construídos nos
dá ferramentas para desconstruí-los e ressignificá-los.
- Observe a linguagem ao seu redor – Pequenos comentários podem
reforçar essa repressão. Frases como "mulher é muito sensível"
ou "tem que ser mais racional" perpetuam estereótipos.
Embora
a ciência tenha abandonado o conceito de histeria, os estereótipos persistem.
“Mulheres que expressam suas emoções com intensidade ainda são chamadas de
exageradas, loucas ou problemáticas. Se são assertivas, são vistas como
agressivas. Se demonstram vulnerabilidade, são frágeis. O sistema ainda não
sabe lidar com a pluralidade da experiência feminina”, explica Cristiane Pertusi.
Uma
pesquisa da Harvard Business Review (2022) revelou que mulheres líderes são 2,5
vezes mais propensas do que homens a receberem feedbacks negativos relacionados
ao seu tom de voz ou expressividade. Já um estudo da American Psychological
Association mostrou que mulheres que demonstram raiva em contextos
profissionais são percebidas como menos competentes do que homens que agem da
mesma forma.
No
ambiente doméstico, a carga emocional das mulheres também é um reflexo dessa
narrativa histórica. O fenômeno da carga mental feminina, que envolve a
responsabilidade invisível de planejamento e gestão familiar, é frequentemente
desconsiderado ou minimizado. “A ideia de que mulheres são ‘naturalmente mais
emocionais’ contribui para uma sobrecarga emocional injusta e normalizada”,
ressalta a psicóloga.
Como se posicionar sem ser rotulada injustamente?
- Pratique a comunicação assertiva – Expressar seus sentimentos e
opiniões sem medo não é arrogância, é clareza.
- Não peça desculpas por sentir – Se você tem emoções fortes, elas
são válidas. Evite frases como "desculpa, mas acho que..." antes
de dar sua opinião.
- Cerque-se de apoio – Ambientes e pessoas que validam sua voz são
essenciais para romper padrões de silenciamento.
Com
a ascensão dos movimentos feministas e a maior discussão sobre saúde mental, as
mulheres têm ressignificado sua narrativa. Cada vez mais, há espaço para
questionar e reverter padrões históricos. “Precisamos validar a experiência
feminina sem cair em armadilhas como a auto-censura ou o medo de parecer
‘demais’. Se hoje temos mais liberdade de expressão, é porque muitas mulheres
antes de nós foram taxadas de loucas por dizerem a verdade”, conclui Cristiane.
Neste
Mês da Mulher, o resgate da história e a desconstrução desses rótulos são passos
essenciais para garantir que o que antes era visto como feitiçaria ou histeria,
hoje seja reconhecido como o que sempre foi: força e liberdade.
Para isso:
- Valide suas emoções – Você tem direito de sentir raiva, alegria,
tristeza e frustração. Suas emoções são legítimas.
- Use sua voz – Seja no trabalho, nos relacionamentos ou no dia a
dia, fale e se posicione sem medo de ser julgada.
- Apoie outras mulheres – Quando vemos uma mulher sendo taxada de
"difícil" ou "exagerada", podemos questionar: ela
realmente é, ou apenas está sendo fiel a si mesma?
Dra. Cristiane Pertusi (CRP 06/54382)
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