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sábado, 15 de março de 2025

DE FEITICEIRA A HISTÉRICA: POR QUE MULHERES SÃO TAXADAS ASSIM?

Dr.ª Cristiane Pertusi analisa as raízes históricas e psicológicas da repressão feminina e seus reflexos na atualidade – e como podemos quebrar esse ciclo
 

Ao longo dos séculos, a sociedade encontrou diferentes formas de silenciar e controlar mulheres que desafiavam normas estabelecidas. Na Idade Média, eram chamadas de feiticeiras. No século XIX, rotuladas como histéricas. Hoje, são frequentemente vistas como exageradas, emocionais, difíceis e até o tão usado "loucas". Mas por que a autonomia feminina continua sendo motivo de tanta resistência? 

Para a psicóloga Dr.ª Cristiane Pertusi, especialista em traumas e comportamento humano, essa narrativa repressora tem raízes profundas, atravessando períodos históricos e se manifestando até os dias de hoje de maneiras sutis e, muitas vezes, naturalizadas. A boa notícia? É possível quebrar esse ciclo. 

Durante a Idade Média e a Inquisição, mulheres que fugiam do padrão de submissão — fossem curandeiras, conhecedoras de ervas medicinais ou simplesmente independentes — eram perseguidas e acusadas de bruxaria. Estudos indicam que entre os séculos XV e XVIII, cerca de 50 mil mulheres foram executadas na Europa e América do Norte sob essas acusações. A caça às bruxas, além de um instrumento de repressão religiosa, foi um mecanismo de controle sobre o conhecimento feminino, restringindo sua atuação fora dos limites impostos pelo patriarcado. 

Com a chegada do século XIX e o avanço da medicina, a perseguição mudou de forma, mas não de objetivo. A histeria, termo popularizado pelo médico francês Jean-Martin Charcot e posteriormente por Sigmund Freud, passou a ser um diagnóstico recorrente para mulheres que apresentavam “comportamentos inaceitáveis” para a época: insatisfação com o casamento, desejos sexuais, crises de ansiedade ou qualquer reação que não fosse a esperada para uma “boa esposa”. Elas eram internadas, submetidas a tratamentos invasivos e, muitas vezes, desacreditadas. 

No Brasil, até meados do século XX, mulheres que se recusavam a cumprir papéis tradicionais muitas vezes eram levadas para hospitais psiquiátricos sob o diagnóstico de “transtorno nervoso”, um eufemismo para desvio dos padrões de gênero.
 

Mas, como reconhecer e se proteger desses padrões?

  • Questione discursos antigos – Quando ouvir frases como "mulher tem que ser mais contida" ou "você está exagerando", pergunte-se: será que essa crítica aconteceria se eu fosse homem?
  • Conheça a história – Saber como esses rótulos foram construídos nos dá ferramentas para desconstruí-los e ressignificá-los.
  • Observe a linguagem ao seu redor – Pequenos comentários podem reforçar essa repressão. Frases como "mulher é muito sensível" ou "tem que ser mais racional" perpetuam estereótipos.

Embora a ciência tenha abandonado o conceito de histeria, os estereótipos persistem. “Mulheres que expressam suas emoções com intensidade ainda são chamadas de exageradas, loucas ou problemáticas. Se são assertivas, são vistas como agressivas. Se demonstram vulnerabilidade, são frágeis. O sistema ainda não sabe lidar com a pluralidade da experiência feminina”, explica Cristiane Pertusi. 

Uma pesquisa da Harvard Business Review (2022) revelou que mulheres líderes são 2,5 vezes mais propensas do que homens a receberem feedbacks negativos relacionados ao seu tom de voz ou expressividade. Já um estudo da American Psychological Association mostrou que mulheres que demonstram raiva em contextos profissionais são percebidas como menos competentes do que homens que agem da mesma forma. 

No ambiente doméstico, a carga emocional das mulheres também é um reflexo dessa narrativa histórica. O fenômeno da carga mental feminina, que envolve a responsabilidade invisível de planejamento e gestão familiar, é frequentemente desconsiderado ou minimizado. “A ideia de que mulheres são ‘naturalmente mais emocionais’ contribui para uma sobrecarga emocional injusta e normalizada”, ressalta a psicóloga.
 

Como se posicionar sem ser rotulada injustamente?

  • Pratique a comunicação assertiva – Expressar seus sentimentos e opiniões sem medo não é arrogância, é clareza.
  • Não peça desculpas por sentir – Se você tem emoções fortes, elas são válidas. Evite frases como "desculpa, mas acho que..." antes de dar sua opinião.
  • Cerque-se de apoio – Ambientes e pessoas que validam sua voz são essenciais para romper padrões de silenciamento.

Com a ascensão dos movimentos feministas e a maior discussão sobre saúde mental, as mulheres têm ressignificado sua narrativa. Cada vez mais, há espaço para questionar e reverter padrões históricos. “Precisamos validar a experiência feminina sem cair em armadilhas como a auto-censura ou o medo de parecer ‘demais’. Se hoje temos mais liberdade de expressão, é porque muitas mulheres antes de nós foram taxadas de loucas por dizerem a verdade”, conclui Cristiane. 

Neste Mês da Mulher, o resgate da história e a desconstrução desses rótulos são passos essenciais para garantir que o que antes era visto como feitiçaria ou histeria, hoje seja reconhecido como o que sempre foi: força e liberdade.
 

Para isso:

  • Valide suas emoções – Você tem direito de sentir raiva, alegria, tristeza e frustração. Suas emoções são legítimas.
  • Use sua voz – Seja no trabalho, nos relacionamentos ou no dia a dia, fale e se posicione sem medo de ser julgada.
  • Apoie outras mulheres – Quando vemos uma mulher sendo taxada de "difícil" ou "exagerada", podemos questionar: ela realmente é, ou apenas está sendo fiel a si mesma?


Dra. Cristiane Pertusi (CRP 06/54382)
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