Pesquisar no Blog

sábado, 15 de fevereiro de 2025

Acidentes de avião frequentes podem gerar medo de voar na população?

Apenas nos primeiros 40 dias de 2025 já aconteceram 21 acidentes aéreos segundo o painel do Sipaer

 

O aumento de acidentes de avião pode amplificar significativamente o medo de voar, uma vez que esse cenário desafia a confiança fundamental que as pessoas depositam na aviação. Voar é visto como um símbolo de progresso, liberdade e conectividade. No entanto, essa percepção é profundamente abalada em períodos de tragédia, transformando a aeronave de um veículo de materialização das possibilidades da vida  em um paradigma de risco de morte.

Segundo informações do painel do Sistema de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Sipaer) da Força Aérea Brasileira (FAB), em 2025, já aconteceram 21 acidentes aéreos e oito óbitos, enquanto em 2024 foram 175 acidentes. 

"Uma das consequências imediatas do aumento de acidentes aéreos é o desencadeamento de um medo em massa. Quando há um trauma social, a sensação de segurança associada às viagens aéreas diminui, e a ansiedade pode ser ampliada pela cobertura midiática que frequentemente enfatiza a gravidade em detrimento da raridade dos acidentes", comenta Marcos Torati, psicólogo, professor e Mestre em Psicologia pela PUC-SP.

Essa perspectiva transforma o voo em uma experiência cercada por desconfiança e vulnerabilidade. Psicologicamente, o medo de voar pode não se limitar a um receio específico de estar a bordo de um avião. Segundo Torati, ele pode fomentar ou eliciar outras ansiedades.

Para o psicólogo, o “medo da queda” não é apenas literal, mas uma representação simbólica de perda de controle, de impotência e de desamparo. Isso pode traduzir-se em comportamentos de evitação (não voar, por exemplo) de situações geradoras de desproteção.

“Outro ponto importante, é o laço social estabelecido em torno do medo, notícias virais e alarmistas tendem a contagiar a população, acessando medos mais profundos. Inconscientemente, os acidentes aéreos podem fomentar angústias de morte e provocar pesadelos com situações de impotência”, afirma Torati.

Torati ainda aponta que não existe o objeto e condição de vida que seja livre de riscos. Se buscarmos a esterilização do risco, a possibilidade é que não aconteça a vida. Perseguir os próprios sonhos, os desejos e enfrentar os desafios sempre nos colocam numa posição de risco. Ancorar-se na segurança é também arriscado, pois impossibilita o viver. Certos riscos são passíveis de negociação, outros apenas devemos admitir.


O papel do consumo de notícias nesse cenário

A repetição de notícias de acidentes pode reativar gatilhos em quem já possui um medo latente ou histórico de abalos emocionais relacionados ao tema. Essa exposição contínua a cenários trágicos pode intensificar sentimentos de vulnerabilidade e ansiedade.

"Isso ocorre porque, ao se expor continuamente a esses cenários negativos, o ego estabelece uma conexão com o trágico, associa voar com arriscar a vida, como se, estatisticamente, viver em terra firme fosse uma experiência menos ameaçadora do que estar nos ares. O desafio do tripulante está em ressignificar o avião como mais um veículo viabilizador das experiências de sua vida na modernidade, mesmo que existam os acidentes”, comenta ele.

Segundo Torati, o lado positivo do medo de voar deve ser interpretado como um desejo de autoproteção, um instinto de autopreservação, e não há nada de errado com isso. A bem da verdade, ninguém é obrigado a voar, mas, se assim for preciso, esta situação nos convida para um desafio: assumir nossas escolhas de vida integralmente, sem arrependimentos.

Sendo assim, diante desta dificuldade, os indivíduos devem procurar ajuda terapêutica e tomar cuidado com o acesso a notícias trágicas, pois elas vivificam ansiedades paranóicas. Quando necessário, recorrer ao apoio profissional, são estratégias eficazes para minimizar os efeitos negativos e manter a saúde emocional em foco.

"O impacto emocional gerado por essas notícias pode aumentar sentimentos de vulnerabilidade e insegurança, principalmente em pessoas mais sensíveis. Isso cria um ciclo confuso: se por um lado o consumo excessivo de notícias alarmantes é a forma de tentar se precaver contra eventuais ameaças, por outro lado, ela amplifica o medo, afetando a saúde emocional. De fato, a aviação não é perfeita, mas perfectível e, mesmo com o medo, a nossa fé e esperança nela ainda prevalece, por isso continuamos embarcando”, finaliza Torati.

 

Marcos Torati - Mestre em Psicologia Clínica pela PUC-SP, com especialização em psicanálise (abordagem winnicottiana) e psicoterapia focal. É supervisor de atendimento clínico e professor e coordenador de cursos de pós-graduação em Psicologia e Psicanálise.


Nenhum comentário:

Postar um comentário

Posts mais acessados