Pesquisar no Blog

terça-feira, 18 de fevereiro de 2025

Tensão deve ditar relação entre Brasil e Estados Unidos daqui para a frente

Alan Santos - Presidência da República

Para especialistas, as medidas de Trump neste início de mandato deixam claro a dinâmica e as prioridades de sua nova gestão no trato com a América Latina, e ela não necessariamente corresponde ao que a região espera

As primeiras quatro semanas do governo de Donald Trump à frente dos Estados Unidos evidenciaram a tônica da abordagem que o novo presidente terá em relação aos países da América Latina. Se, de uma maneira geral, a postura impositiva, centrada nos interesses internos norte-americanos, dominará a pauta, de outro lado, particularidades de países como o México e o Brasil podem pedir atenção especial, sob o risco de que as ações acabem por gerar efeito contrário.

As prioridades para os Estados Unidos são, declaradamente, imigração, drogas e China. E é justamente nesse terceiro item o principal ponto de conflito com o direcionamento do Brasil. Ao longo das últimas décadas, a China foi pouco a pouco ocupando espaços na região e se tornou um parceiro comercial essencial na América do Sul.

Com o Brasil, a ascensão dos negócios do gigante asiático se deu de forma agressiva a partir dos anos 2000. Se em 1998 a China era apenas o 14º destino das exportações brasileiras, em 2009 o país alcançou a primeira posição nesse ranking, superando justamente os Estados Unidos. Desde então, essa liderança se mantém.

Em 2024, a corrente comercial Brasil-China movimentou quase US$ 158 bilhões, contra praticamente US$ 81 bilhões das trocas bilaterais com os EUA. O valor exportado para o mercado chinês (US$ 94,4 bi) foi mais que o dobro do que o destinado ao norte-americano (US$ 40,3 bi). Isso sem falar nos investimentos chineses em obras e nas empresas que se instalaram em território brasileiro.

Os dados são da Secretaria de Comércio Exterior (Secex), do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços do Brasil.

A influência cada vez maior chinesa é vista como uma ameaça a ser combatida pelo governo Trump e isso vem motivando muitas de suas decisões. O fato da primeira viagem internacional de um secretário de Estado dos EUA ter sido para a América Latina, o que poderia ser uma demonstração de importância e um aceno para temáticas que os latinos queriam tratar, na verdade revelou justamente isso.

As conversas não tocaram em nenhum momento em oportunidades de aumento do comércio, cooperação para o desenvolvimento econômico e social, desafios para a democracia na região ou a situação da ditadura na Venezuela. A viagem foi para a América Latina, mas não sobre a América Latina. O tema era a China.

O secretário Marco Rubio, que é inclusive o primeiro latino a ocupar esse cargo, esteve no Panamá, El Salvador, Costa Rica, Guatemala e República Dominicana entre os dias 1 e 6 de fevereiro. Como resultado, conseguiu que o Panamá anunciasse no próprio dia 6 o rompimento do acordo econômico da Nova Rota da Seda com a China, que previa projetos de infraestrutura com recursos chineses no canal.


NOVA DINÂMICA

“Estar no foco das atenções não pode ser confundido com ser uma prioridade”, afirmou o professor adjunto do Centro de Estudos Latino-Americanos da Universidade Georgetown e ex-presidente do Diálogo Interamericano, Michael Shifter. “Está muito claro que a relação será de imposições, com um grande desafio para os interesses dos países da América Latina, porque não está na agenda dos Estados Unidos a pauta de comércio e desenvolvimento com a região”, completou.

A opinião é compartilhada pelo PhD em Economia e diretor do Centro de Estudos da Georgetown, Alejandro Werner. Apenas a pressão pode não ser suficiente para banir o poder chinês. “A redução dos negócios com a China não acontecerá se os EUA aumentarem as tarifas para as mercadorias latino-americanas”, disse.

Para Werner, a política de Donald Trump tem sido contraditória ao usar as tarifas como elemento de persuasão, porque elas não apenas podem ter impacto negativo na economia dos EUA como também podem acabar dando mais espaço para o aumento dos negócios com outros mercados, como o chinês, na forma de uma compensação.

Embora essa estratégia tenha sido usada recentemente e com sucesso para outros temas sensíveis, como imigração com a Colômbia, por exemplo, ela não terá o mesmo efeito com o Brasil. Segundo Shifter, “o Brasil é um caso muito diferente da Colômbia e do México. Não tem como os Estados Unidos desconectarem o Brasil da China neste momento”.

Uma das diferenças é a participação ativa no grupo dos Brics, fundado pelos dois países, juntamente com Rússia, Índia e África do Sul. A postura do presidente Lula, em seu desejo de ser visto como uma liderança global, ainda pode ser mais um elemento a alimentar a tensão com os EUA.

No entanto, o cuidado no trato mútuo, que já começa a ser percebido, deve prevalecer. O Brasil, por exemplo, não se precipitou em nenhuma retaliação no caso das tarifas do aço e alumínio e procura uma saída negociável.

“Não acredito que Lula irá deliberadamente criar problemas. E não está claro se Trump irá se manifestar em relação à eleição (de 2026) no Brasil. Haverá tensão, sim, mas acredito que ela será gerenciável”, afirmou.

Já no caso específico do México, os especialistas alertam para outras complexidades. Essas relacionadas à imigração ilegal e ao tráfico. “Sempre houve muita colaboração dos dois lados e o país nunca teve problemas em receber imigrantes de volta. Ele deve continuar nessa postura. Em relação às drogas, o problema é muito mais complexo porque trata do crime organizado”, declarou a correspondente do Washington Post para o México e América Central, Mary Beth Sheridan.

“Há a economia oficial e a extraoficial no país. É uma grande questão para os dois lados. O México não consegue resolver sozinho, os EUA precisam ajudar no combate ao crime, corrupção e tráfico de drogas. As negociações precisarão ser feitas e o trabalho deve ser conjunto”, explicou.


ALIADOS E “NÃO TÃO ALIADOS”

A despeito das situações específicas de México e Brasil, as diretrizes do governo Trump para a América Latina foram explicadas pelo secretário de Estado Marco Rubio em artigo assinado, publicado no Wall Street Journal. Segundo ele, a nova política externa dos EUA reverte a negligência dos países vizinhos no Hemisfério Ocidental e recompensa os aliados, que se beneficiarão da promessa feita por Trump em sua posse sobre a chegada da “era de ouro das Américas”.

“Alguns países estão cooperando conosco com entusiasmo – outros nem tanto. Os primeiros serão recompensados. Quanto aos últimos, o Sr. Trump já mostrou que está mais do que disposto a usar a considerável influência dos EUA para proteger nossos interesses. Basta perguntar ao presidente da Colômbia, Gustavo Petro”, escreveu Rubio.

Petro, que é um líder polêmico em seu país e também tem ambições de ser uma liderança global, foi obrigado a voltar atrás rapidamente após se recusar a receber um avião de imigrantes ilegais vindos dos Estados Unidos.

Na linha das requisições de cooperação para seus interesses, o governo norte-americano passou com algumas saias justas. Antes da viagem oficial de Rubio para a região, o presidente Trump mandou seu enviado para missões especiais, Richard Grenell, para um encontro com ditador venezuelano Nicolas Maduro. Rubio, de ascendência cubana-americana, sempre foi uma voz forte contra qualquer negociação com Maduro no passado.

Grenell foi levar a mensagem de que Trump espera que o ditador receba de volta criminosos venezuelanos que estão nos Estados e liberte imediatamente cidadãos norte-americanos que são mantidos presos na Venezuela. Na Flórida, lideranças da comunidade venezuelana (a maior nos Estados Unidos), se manifestaram dizendo esperar que a reunião tenha tratado estritamente das deportações de americanos detidos pelo ditador.

 


Estela Cangerana, dos Estados Unidos

Fonte: https://dcomercio.com.br/publicacao/s/tensao-deve-ditar-relacao-entre-brasil-e-estados-unidos-daqui-para-a-frente


Nenhum comentário:

Postar um comentário

Posts mais acessados