![]() |
Alan Santos - Presidência da República |
Para especialistas, as medidas de Trump neste início de mandato deixam claro a dinâmica e as prioridades de sua nova gestão no trato com a América Latina, e ela não necessariamente corresponde ao que a região espera
As primeiras quatro semanas do
governo de Donald Trump à frente dos Estados Unidos evidenciaram a tônica da
abordagem que o novo presidente terá em relação aos países da América Latina.
Se, de uma maneira geral, a postura impositiva, centrada nos interesses
internos norte-americanos, dominará a pauta, de outro lado, particularidades de
países como o México e o Brasil podem pedir atenção especial, sob o risco de
que as ações acabem por gerar efeito contrário.
As prioridades para os Estados
Unidos são, declaradamente, imigração, drogas e China. E é justamente nesse
terceiro item o principal ponto de conflito com o direcionamento do Brasil. Ao
longo das últimas décadas, a China foi pouco a pouco ocupando espaços na região
e se tornou um parceiro comercial essencial na América do Sul.
Com o Brasil, a ascensão dos
negócios do gigante asiático se deu de forma agressiva a partir dos anos 2000.
Se em 1998 a China era apenas o 14º destino das exportações brasileiras, em
2009 o país alcançou a primeira posição nesse ranking, superando justamente os
Estados Unidos. Desde então, essa liderança se mantém.
Em 2024, a corrente comercial
Brasil-China movimentou quase US$ 158 bilhões, contra praticamente US$ 81
bilhões das trocas bilaterais com os EUA. O valor exportado para o mercado
chinês (US$ 94,4 bi) foi mais que o dobro do que o destinado ao norte-americano
(US$ 40,3 bi). Isso sem falar nos investimentos chineses em obras e nas
empresas que se instalaram em território brasileiro.
Os dados são da Secretaria de
Comércio Exterior (Secex), do Ministério do Desenvolvimento, Indústria,
Comércio e Serviços do Brasil.
A influência cada vez maior
chinesa é vista como uma ameaça a ser combatida pelo governo Trump e isso vem
motivando muitas de suas decisões. O fato da primeira viagem internacional de
um secretário de Estado dos EUA ter sido para a América Latina, o que poderia
ser uma demonstração de importância e um aceno para temáticas que os latinos
queriam tratar, na verdade revelou justamente isso.
As conversas não tocaram em
nenhum momento em oportunidades de aumento do comércio, cooperação para o
desenvolvimento econômico e social, desafios para a democracia na região ou a
situação da ditadura na Venezuela. A viagem foi para a América
Latina, mas não sobre a América Latina. O tema era a China.
O secretário Marco Rubio, que é
inclusive o primeiro latino a ocupar esse cargo, esteve no Panamá, El Salvador,
Costa Rica, Guatemala e República Dominicana entre os dias 1 e 6 de fevereiro.
Como resultado, conseguiu que o Panamá anunciasse no próprio dia 6 o rompimento
do acordo econômico da Nova Rota da Seda com a China, que previa projetos de
infraestrutura com recursos chineses no canal.
NOVA
DINÂMICA
“Estar no foco das atenções não
pode ser confundido com ser uma prioridade”, afirmou o professor adjunto do
Centro de Estudos Latino-Americanos da Universidade Georgetown e ex-presidente
do Diálogo Interamericano, Michael Shifter. “Está muito claro que a relação
será de imposições, com um grande desafio para os interesses dos países da
América Latina, porque não está na agenda dos Estados Unidos a pauta de
comércio e desenvolvimento com a região”, completou.
A opinião é compartilhada pelo
PhD em Economia e diretor do Centro de Estudos da Georgetown, Alejandro Werner.
Apenas a pressão pode não ser suficiente para banir o poder chinês. “A redução
dos negócios com a China não acontecerá se os EUA aumentarem as tarifas para as
mercadorias latino-americanas”, disse.
Para Werner, a política de
Donald Trump tem sido contraditória ao usar as tarifas como elemento de
persuasão, porque elas não apenas podem ter impacto negativo na economia dos
EUA como também podem acabar dando mais espaço para o aumento dos negócios com
outros mercados, como o chinês, na forma de uma compensação.
Embora essa estratégia tenha
sido usada recentemente e com sucesso para outros temas sensíveis, como
imigração com a Colômbia, por exemplo, ela não terá o mesmo efeito com o Brasil.
Segundo Shifter, “o Brasil é um caso muito diferente da Colômbia e do México.
Não tem como os Estados Unidos desconectarem o Brasil da China neste momento”.
Uma das diferenças é a
participação ativa no grupo dos Brics, fundado pelos dois países, juntamente
com Rússia, Índia e África do Sul. A postura do presidente Lula, em seu desejo
de ser visto como uma liderança global, ainda pode ser mais um elemento a
alimentar a tensão com os EUA.
No entanto, o cuidado no trato
mútuo, que já começa a ser percebido, deve prevalecer. O Brasil, por exemplo,
não se precipitou em nenhuma retaliação no caso das tarifas do aço e alumínio e
procura uma saída negociável.
“Não acredito que Lula irá
deliberadamente criar problemas. E não está claro se Trump irá se manifestar em
relação à eleição (de 2026) no Brasil. Haverá tensão, sim, mas acredito que ela
será gerenciável”, afirmou.
Já no caso específico do
México, os especialistas alertam para outras complexidades. Essas relacionadas
à imigração ilegal e ao tráfico. “Sempre houve muita colaboração dos dois lados
e o país nunca teve problemas em receber imigrantes de volta. Ele deve
continuar nessa postura. Em relação às drogas, o problema é muito mais complexo
porque trata do crime organizado”, declarou a correspondente do Washington Post
para o México e América Central, Mary Beth Sheridan.
“Há a economia oficial e a
extraoficial no país. É uma grande questão para os dois lados. O México não
consegue resolver sozinho, os EUA precisam ajudar no combate ao crime,
corrupção e tráfico de drogas. As negociações precisarão ser feitas e o
trabalho deve ser conjunto”, explicou.
ALIADOS E
“NÃO TÃO ALIADOS”
A despeito das situações
específicas de México e Brasil, as diretrizes do governo Trump para a América
Latina foram explicadas pelo secretário de Estado Marco Rubio em artigo
assinado, publicado no Wall Street Journal. Segundo ele, a nova
política externa dos EUA reverte a negligência dos países vizinhos no
Hemisfério Ocidental e recompensa os aliados, que se beneficiarão da promessa
feita por Trump em sua posse sobre a chegada da “era de ouro das Américas”.
“Alguns países estão cooperando
conosco com entusiasmo – outros nem tanto. Os primeiros serão recompensados.
Quanto aos últimos, o Sr. Trump já mostrou que está mais do que disposto a usar
a considerável influência dos EUA para proteger nossos interesses. Basta
perguntar ao presidente da Colômbia, Gustavo Petro”, escreveu Rubio.
Petro, que é um líder polêmico
em seu país e também tem ambições de ser uma liderança global, foi obrigado a
voltar atrás rapidamente após se recusar a receber um avião de imigrantes
ilegais vindos dos Estados Unidos.
Na linha das requisições de
cooperação para seus interesses, o governo norte-americano passou com algumas
saias justas. Antes da viagem oficial de Rubio para a região, o presidente
Trump mandou seu enviado para missões especiais, Richard Grenell, para um
encontro com ditador venezuelano Nicolas Maduro. Rubio, de ascendência
cubana-americana, sempre foi uma voz forte contra qualquer negociação com
Maduro no passado.
Grenell foi levar a mensagem de
que Trump espera que o ditador receba de volta criminosos venezuelanos que
estão nos Estados e liberte imediatamente cidadãos norte-americanos que são
mantidos presos na Venezuela. Na Flórida, lideranças da comunidade venezuelana
(a maior nos Estados Unidos), se manifestaram dizendo esperar que a reunião
tenha tratado estritamente das deportações de americanos detidos pelo ditador.
Estela Cangerana, dos Estados Unidos
Fonte: https://dcomercio.com.br/publicacao/s/tensao-deve-ditar-relacao-entre-brasil-e-estados-unidos-daqui-para-a-frente
Nenhum comentário:
Postar um comentário