O presidente Lula
voltou a insistir na exploração de petróleo na Foz do Amazonas, reclamando do
“lenga-lenga” do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
Renováveis (Ibama) na análise técnica da proposta. Diz o presidente que o Ibama
é uma agência do governo, mas que parece contra o governo. Porque afinal, o
governo quer extrair mais petróleo. E o Ibama deveria fazer o que governo quer.
Ou talvez o Ibama seja uma agência que serve à lei e ao Estado, e não à vontade
do soberano. Dizer que o Ibama é contra o governo é o mesmo que dizer que a
Anvisa era contra o governo durante a pandemia porque não recomendou o uso de
cloroquina para Covid-19. Agências técnicas servem para garantir que as
melhores evidências cientificas sejam respeitadas. Seu compromisso é com o
país, não com o presidente.
A desculpa mais
utilizada por Lula e companhia é que explorar petróleo é a única maneira de
pagar pela transição energética. Segundo o governo federal, precisamos explorar
petróleo, para vender combustível fóssil, para viabilizar parar de explorar
petróleo e parar de vender combustível fóssil. Algo assim como vender mais
cigarros para financiar cirurgias de câncer de pulmão, ou vender mais cachaça
para poder investir em reabilitação do alcoolismo.
Esta desculpa é
uma falácia informal conhecida nos estudos de comunicação de ciência. Falácias
informais são argumentos que induzem a conclusões duvidosas. Neste caso,
trata-se da falácia da causa única, como se a única maneira de garantir
financiamento para a transição energética fosse o petróleo. Não existiria nada
além, nenhum plano alternativo.
No curso de Ciência para Políticas Públicas que leciono na Universidade de Columbia, meus alunos de pós-graduação fazem um exercício para identificar falácias: um debate simulado sobre um tema visto como controverso, onde eles assistem a um representante da ciência e a um negacionista, geralmente representado por um professor convidado. No ano passado, o tema foi mudanças climáticas.
O trabalho dos
estudantes foi observar o discurso do cientista que defendia que mudanças climáticas
eram reais e causadas por atividade humana, e do professor que fazia o papel do
negacionista do clima, trazendo argumentos para convencê-los de que o
aquecimento global não era tão real assim, ou mesmo que fosse, não era tudo
isso aí. Um dos argumentos que mais chamou atenção dos alunos foi justamente a
falácia da causa única (ou solução única), que todos apontaram: precisamos
explorar mais petróleo agora para fazer a transição energética depois.
Também
identificaram o uso desta falácia no argumento de que não era justo os países
desenvolvidos já terem ficado ricos queimando petróleo à vontade, enquanto os
pobres perdem a chance bem “na vez deles”, algo de que Lula também volta e meia
reclama: como se o que gerava riqueza 200 anos atrás ainda fosse a única opção.
E os argumentos
científicos? Artigo publicado na revista Science em 2024 corrobora relatório da
Agência Internacional de Energia que conclui que, se o acordo de Paris sobre
mudanças climáticas fosse levado a sério, não haveria necessidade de novos
poços de petróleo para suprir as demandas mundiais.
Ano que vem não
precisarei pedir para um colega fazer o papel do negacionista: basta um vídeo
do Lula. Meus alunos saberão ainda reconhecer a tentativa de reduzir a questão
dos novos poços ao risco único de dano ambiental imediato, decorrente de um
possível vazamento de óleo na Amazônia.
Isso já seria
devastador. Mas o problema vai além. Explorar mais petróleo significa liberar
mais CO2. Ou seja, contribuir para mais ondas de calor, mais enchentes, mais
incêndios no Pantanal e na Amazônia, mais doenças, mais refugiados. É como
vender cigarro para tratar câncer: a conta não fecha.
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