Versão banal: romântica é a pessoa sentimental; sentimento é a observação dos ritos sociais de compromisso afetivo. Exemplo: namoro, noivado, casamento; ele de preto, ela de branco; a mulher é entregue pelo pai; daminhas, buquê, marcha nupcial, choramingos. No Facebook, “em compromisso sério”; no Instagram, cenas do “êxito” amoroso. Nesse romantismo ordinário, o homem se atribui “cuidar”, provendo o lar; a mulher espera ser “cuidada”. Dessas cerimônias deriva um pacto implícito de vigilância recíproca e o ciúme é esperado, prestando-se como prova de amor.
Essa prestigiada versão popular
do Romantismo é desvirtuamento de uma manifestação estética e literária
importante na Tradição Ocidental. O Romantismo é um movimento cultural
desencadeado por intelectuais e artistas na passagem do século XVIII para o XIX
que rompe com as regras clássicas de composição e expressão; institui-se como
superação das formas rigidamente amarradas de outro movimento, o Classicismo. O
romântico abandona as obrigações sociais e as formatações racionais, defende o
individualismo, o lirismo, a sensibilidade, a originalidade, a imaginação.
O sentimento, para o romântico,
era expresso pela liberdade, pela ousadia, pelo desregramento, pelo
subjetivismo, pelo interesse pelos mais variados assuntos, pela vida como
aventura descomprometida. Em suma, o romântico era um rebelde que desprezava as
tradições enquanto limitadoras e as valorizava enquanto criações espontâneas.
Só não era um ser antissocial porque desconsiderava de tal forma as convenções
sociais que nem se daria ao trabalho de combatê-las. O romântico, antes de se
preocupar em dar batalha à Sociedade, preferia viver à sua margem.
Desconheço a origem da ideia de
que para ser romântico tem que ser piegas, exacerbado em sentimentalismo.
Aliás, esse assunto é coisa que se estuda lá no ensino médio e, ademais, é tema
facilmente encontrável na internet. Não estou abordando nada tão esotérico,
portanto. Quero dizer: não é difícil saber o que é Romantismo. Creio que o
cinema meloso dos anos 1950 e as novelas de rádio e TV, pela abrangência que
tiveram e têm, fizeram vingar e alimentam essa noção de que ser romântico é
fazer-se sentimentalista nas emoções que nascem da convivência amorosa.
O romântico, na sua origem, é o
inverso disso; elege uma condição existencial, digamos, triste. Sua
característica é ser pessimista, melancólico, personalista, crítico social. Não
imagino, portanto, como um romântico poderia submeter-se aos jeitos novelescos que
os anseios mais vulgares lhe pretendem atribuir. Creio que as pessoas confundem
a fugacidade das declarações amorosas com a condição existencial de ser
romântico, misturam o despegar-se da racionalidade como limitação à criação
intelectual e artística com o apegar-se a ritualismos propiciatórios de
afeição.
O “romântico” atual trai o
Romantismo. É um simplório movido por costumes, ignora as causas de certos
cerimoniais, é alienado do surgimento e manutenção de determinados valores, da
função dos aparelhos ideológicos. O romântico genuíno é o exaltado contestador
social, o ativo crítico político. O “romântico” dos nossos dias está aí,
sonhando com as pautas do pequeno burguesismo, cumprindo a ética do sistema
dominante. O romântico autêntico é o antiburguês por excelência: é conflitivo,
radical; é antagonista ao estabelecido, às convenções, que considera
hipócritas.
Compõe, ainda, essa corrente de
pensamento, com efeitos no presente, o credo na pureza da natureza, quase lhe
emprestando um caráter de ser que sofre e reage, valorizando o “bom selvagem”
corrompido pela maus da “vida civilizada”. Com sequelas, também, na atualidade,
está a condição em que se punha a mulher: admirada, “cuidada”, objeto “puro” a
ser cultuado e pelo qual seria belo sofrer. Essa condição atribuída ao feminino
tornou-se uma armadilha que remeteu a mulher para a vida privada, lugar da moça
“feita para casar”, tendo como destino o reino do lar.
O
Romantismo “raiz”, contudo, é interessante: valorizou o sentimento e elogiou as
emoções como nenhum outro movimento sociocultural o fez. Agora, esse
“romântico” de folhetim que reduz emoção ao conforto do institucionalizado, do
apropriado por manuais de conduta, a isso eu nomeio com o que o Houaiss designa
cafona: “que ou o que revela mau gosto, pouca sofisticação”, ou com o que o
Aurélio denomina brega: “deselegante”. É, Romantismo é mesmo outra coisa, viu?
O tema é instigante e facilmente se encontram bons textos a respeito. Se eu não
convenci, convido a conferir.
Léo Rosa de Andrade
Doutor em Direito pela UFSC.
Psicanalista e Jornalista.
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