O acesso aos dados de pacientes no Brasil é sempre um tema polêmico. A Súmula nº 609 do Superior Tribunal de Justiça (STJ) trouxe à tona uma discussão relevante acerca da utilização de dados genéticos por operadoras de saúde. Esta súmula estabelece que a recusa de cobertura securitária sob a alegação de doença preexistente exige a comprovação de má-fé do beneficiário, ou seja, que este sabia e não declarou a condição preexistente ao contratar o seguro. No contexto de dados genéticos, a preocupação surge pelo potencial uso dessas informações pelas operadoras para investigar doenças preexistentes dos segurados de forma mais precisa.
Embora a intenção seja proteger os consumidores, a interpretação dessa súmula pode abrir brechas para que as operadoras de saúde acessem dados genéticos dos potenciais segurados, levantando questões éticas e jurídicas.
Essa situação toca em dois pontos fundamentais do direito brasileiro: o direito à privacidade e o acesso à saúde. Por um lado, o acesso a dados genéticos por operadoras de planos de saúde poderia violar o direito à privacidade e à intimidade dos indivíduos, garantido pela Constituição Federal, além de contrariar os princípios da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), que estipula a necessidade de consentimento específico e informado para tratamento de dados sensíveis, categoria na qual se enquadram os dados genéticos.
Por outro, a utilização desses dados pode alegadamente auxiliar as operadoras a identificar riscos e ajustar suas políticas de cobertura, o que, em teoria, poderia contribuir para a sustentabilidade do sistema de saúde suplementar. No entanto, essa prática se choca com a função social dos planos de saúde e o acesso universal e igualitário aos serviços de saúde, princípios também amparados pela legislação brasileira.
A brecha levantada pela súmula do STJ demanda uma reflexão crítica
sobre até que ponto as operadoras podem ir na investigação de doenças
preexistentes sem violar direitos fundamentais. Ainda que a súmula não trate
diretamente do acesso a dados genéticos, sua interpretação deve considerar os
limites impostos pela legislação de proteção de dados e os princípios
constitucionais do direito à saúde e à privacidade.
Importante destacar que a Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso X, garante a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas. Além disso, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) classifica os dados genéticos como dados pessoais sensíveis, exigindo consentimento específico e destacado para o seu tratamento.
Assim, permitir que as operadoras de saúde acessem dados
genéticos dos potenciais segurados sem o devido consentimento e sem uma
finalidade clara e específica pode configurar uma violação ao direito à
privacidade e à proteção de dados pessoais.
Diante das brechas interpretativas da Súmula nº 609 do STJ, torna-se necessária uma regulamentação específica sobre o acesso a dados genéticos por parte das operadoras de saúde. Essa regulamentação deve estabelecer limites claros para a solicitação e utilização desses dados, garantindo a privacidade dos indivíduos e evitando práticas discriminatórias.
Além disso, é fundamental que haja uma discussão ampla e multidisciplinar sobre o tema, envolvendo profissionais do direito, da saúde, da bioética e da tecnologia, a fim de encontrar um equilíbrio entre a proteção dos consumidores e a viabilidade econômica dos planos de saúde.
Portanto, é essencial que o direito à privacidade e a
proteção de dados pessoais sejam resguardados, evitando práticas
discriminatórias e garantindo a autonomia dos indivíduos sobre suas informações
genéticas. Somente com um debate amplo e uma regulamentação adequada será
possível encontrar um equilíbrio entre os interesses das operadoras de saúde e
a proteção dos direitos fundamentais dos consumidores.
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