O povo brasileiro é otimista por natureza. Acredita que o amanhã será melhor do que hoje, mas quase nunca essa expectativa se concretiza, ora por decisões erradas dos governos, ora pela falta de competência dos governantes e não raramente pelo fato de o discurso se dar absolutamente dissociado da realidade.
Agora, o país discute a regumentação da reforma
tributária enviada ao Congresso Nacional sem se dar conta de que em 2024 o
Brasil vive um ano de frustração já anunciada pela análise dos indicadores
oficiais. Os números não são nada encorajadores.
A começar pela carga tributária bruta, fatalmente
maior que a efetiva de 2023, quando alcançou 32,44% do Produto Interno Bruto
(PIB). O setor público tem anunciado que almeja arrecadar, em 2024, R$ 4
trilhões (o correspondente a 34,44% do PIB 2024), dinheiro resultante dos
impostos que pesam – e muito – no bolso dos cidadãos, sem nenhuma contrapartida
de melhoria de serviços públicos.
Se o governo vai arrecadar muito, também vai gastar
em demasia e, pior, muito mal. Ignora a necessidade de priorizar investimentos.
Os gastos primários da União serão pressionados pelos reajustes dos servidores
públicos, dos cargos comissionados e pelo custo das eleições municipais de
outubro. Esses gastos, somados, superararam 19,3% do PIB em 2023 (mais do que
em 2022, quando foi de 18,0% do PIB) e provavelmente chegarão a 19,9% ou 20,0%
do PIB deste ano.
Outro fator negativo: o envidamento público deverá
saltar de 74,34% para 77,90% do PIB em 2024. No ano passado, a dívida pública
total do país fechou em R$ 8,1 trilhões (segundo dados do Banco Central). Para
2024, a previsão é de que a dívida do governo geral ultrapasse R$ 9,0 trilhões.
Boa parte da receita nacional mais uma vez estará
comprometida com o funcionalismo público (12,8% do PIB) e com o pagamento dos
juros bancários incidentes sobre a dívida pública, correspondentes a mais de
8,0% do PIB. Ou seja, somados, consumirão mais de 20,8% do PIB, o correspondentes
a mais de 60% do total da receita tributária do país. É preciso salientar que o
Déficit Publico Nominal em 2023 chegou à incrível marca de R$ 967 bilhões no
ano (mais de 2 vezes o déficit de 2022, que foi de R$ 480 bilhões, também de
acordo com o Banco Central.
Ainda no campo econômico, nada otimista é a
previsão de crescimento da nação. Tudo indica que o PIB terá crescimento 30%
inferior à taxa de 2,9% registrada em 2023, ficando provavelmente em torno de
2,0% ou pouco acima desse patamar e semelhante à média anual dos último 35 anos
(1989 a 2023) pós-Constituição Federal de 1988 e 65% inferior à taxa de 6,05%
verificada nos 25 anos anteriores à CF/88. Nesse aspecto, é um país ladeira
abaixo.
Os setores do agronegócio, mineração e
petróleo/gás respondem por quase metade (de 45% a 47%) do PIB nacional, por 70%
das exportações – somando R$ 242 bilhões -, e por mais de 205% do superávit da
balança comercial brasileira. A expressividade desses três setores econômicos
tem contribuido fortemente para a estabilidade do valor de compra da moeda
nacional e por permitir às autoridades zelarem por um sistema financeiro
eficiente e competitivo, além de fomentar o desenvolvimento socioconômico de
regiões mais afastadas do sudeste brasileiro. Apesar disso, quando se analisa a
geração de divisas constata-se que o país ainda apresenta déficit de transações
correntes da ordem de US$ 23,0 bilhões/ano.
O Brasil, portanto, continua sendo um país de
produção e exportação de bens primários de baixo valor agregado. Por outro
lado, soma US$ 263,9 bilhões por ano em importações, principalmente de produtos
acabados de alto valor intrínsico, alguns deles produzidos com nossas
matérias-primas. Com isso, fomenta o emprego lá fora, em detrimento dos postos
de trabalho nacionais. Essa situação nasce da falta de investimentos e da má
performance do sistema educacional brasileiro e, em consequência, da baixa
competitividade, aliadas à alta e complexa tributação e à baixíssima poupança
interna.
Há gravíssimas distorções que precisam ser corrigidas.
O Brasil investe anualmente 5,50% do PIB em educação, 3,70% do PIB do saúde,
e em saneamento apenas e tão somente 0,50% do PIB, totalizando nessas
três áreas prioritárias 9,70% do PIB. Praticamente não sobra quase nada para
infraestrutura, segurança pública, habitação/urbanismo e mobilidade urbana. Por
outro lado, dispende cerca de R$ 1,45 trilhão com funcionalismo público, o que
corresponde a 12,80% do PIB. A máquina administrativa, como se vê, consome mais
de R$ 330 bilhões anuais a mais que os recursos de investimentos em todos
esses setores indispensáveis à qualidade de vida dos cidadãos. Vale refletir
que esse montante monstruoso de gastos com funcionalismo público não tem a
melhor destinação porque não é empregado para a melhorar a remuneração de
professores e de profissionais da saúde e da segurança pública. Vale a pena
lembrar um pensamento do filósofo e economista francês Fréderic Bastiat
(1801-1850): “Todos querem viver às custas do Estado, mas esquecem que o Estado vive
às custas de todos”.
Além disso, não existe qualquer sinalização de
redução dos privilégios conferidos a uma casta do funcionalismo público. Pelo
contrário, a tendência é de que o país continue sendo generoso na concessão
desses benefícios, sempre pagos com dinheiro público. Bem ao contrário do que
pregava o advogado e líder espiritual indiano Mahatma Gandhi (1869-1948):
“Odeio
privilégios e monópólios; eles destróem qualquer nação”.
Da mesma forma, o país continuará escamoteando seus péssimos indicadores
sociais por meio de narrativas pelas quais se busca convencer a população de
que a culpa do problema é exclusiva de herança maldita deixada pelos governos
anteriores. Muitas desculpas, raras soluções.
Enquanto isso, o brasileiro sofre as consequências de o país ocupar apenas a
89ª posição no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), depois de ter caído duas
posições em 2023. A queda é absurda pois em 2002, ao final do governo Fernando
Henrique Cardoso, o país figurava na 77ª posição.
No coeficiente Gini, que mede o nível de
desigualdade socioeconômica dos países mensurando a distribuição de renda entre
as populações, o Brasil ocupa uma das seis piores classificações do mundo, além
estar estagnado há decadas na lanterna (30ª posição) no Índice de Retorno de
Bem Estar à Sociedade (IRBES).
Não há razão para qualquer orgulho nacional em relação à educação com o Brasil
ocupando a 66ª posição no Programa Internacional de Avaliação de Estudantes
(Pisa). E isso se repete em outros indicadores importantes: somos o 4º pior
país do mundo em violência urbana, o 2º em acidentes fatais, estamos em 127º
lugar no quesito liberdade econômica, em 87º em liberdade de expressão e em 92º
em liberdade de imprensa. Tão vergonhoso quanto isso tudo é o país ficar apenas
na 104ª colocação entre os países com maior efetividade no combate à corrupção,
segundo a Transparência Internacional.
É muito difícil acreditar em melhora dos indicadores sociais porque não se vê
ações concretas nesse sentido. A estratificação social mostra que 60,2% da
população brasileira têm renda mensal de até 1 salário-mínimo (R$ 1.412,00).
Revela ainda que 31,8% da população vivem com renda entre 1 e 3
salários-mínimos e que 31% dos brasileiros continuarão sem nenhuma renda
resultante de trabalho em 2024. Além disso, 36% dos jovens entre 17 e 24 anos
nem trabalham nem estudam, integrando a chamada “geração nem-nem”, cujo futuro
está seriamente comprometido.
Em outro aspecto, apesar de a corrupção ser um dos maiores males do país, com
enfeitos já muito conhecidos, seu enfrentamento não é prioridade e sequer é
discutido com a transparência que a questão merece. Basta ver que recentemente
uma empresa norte-americana foi condenada a pagar multa de US$ 120 milhões e
declarou perante à Justiça daquele país ter corrompido agentes públicos
brasileiros para fechar contratos com a Petrobras, escândalo revelado pela
Operação Lava-Jato.
Mais um ano e o Congresso não se debruça sobre a necessidade de mudança
legislativa para tornar imprescritíveis os crimes praticados contra a
administração pública e para endurecer a Lei da Ficha Limpa, medidas que seriam
fundamentais para o combate à corrupção e para resgatar a moralidade no trato
da coisa pública.
Por outro lado, é certo que em 2024 o Brasil registrará aumento nos gastos com
publicidade e propaganda, destinados a alimentar ufanismos e narrativas. Nada
compatível com o DNA do Brasil e dos brasileiros que, cada vez mais, assistem
ao desperdício de recursos públicos. O Brasil arrecada, anualmente, cerca de
33,00% do PIB e gasta com funcionalismo publico 12,80% do PIB, com
aposentadorias e pensoes 9,00% do PIB, com encargos da Divida Publica outros
8,00% do PIB, somando 29,80% do PIB ou 90% da arrecadação total. Não sobra
nada, não tem como dar certo.
O país atravessa um ano eleitoral, no qual a retórica tentará mascarar a
realidade, porque parece ser proibido falar de redução de gastos com
funcionalismo público, de combate efetivo à corrupção, de redução dos favores
fiscais (gastos tributários) e de privilégios, de imprescritibilidade de crime
contra a administração pública, de restrição da judicialização da política e
banalização de acesso direto ao STF e de tornar constitucional a prisão após
condenação em 2ª instância, além da redução drástica do número de autoridades
com foro por prerrogativa de função, todas palavras extintas do vocábulario da
maioria dos nossos governantes. A realidade, entretanto, é bem diferente da
retórica, como diz Thomas Sowell: “Quando as pessoas querem o impossível, somente os
mentirosos podem satisfazê-las”.
Para a população sobra a frustração de quem esperava algo muito diferente porque vive no Brasil real, de necessidades básicas ainda não atendidas, de enormes desigualdades sociais e de pouca perspectiva no horizonte.
Samuel Hanan - engenheiro com especialização nas áreas de macroeconomia, administração de empresas e finanças, empresário, e foi vice-governador do Amazonas (1999-2002). Autor dos livros “Brasil, um país à deriva” e “Caminhos para um país sem rumo”. Site: https://samuelhanan.com.br
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