“Aos 73 anos, pude entender que, com a escrita, a dimensão temporal do envelhecimento se transmudou para uma nova cronologia, onde a medida são os passos de amadurecimento que dou na minha produção.”
A velhice, hora chamada de “terceira
idade”, ora de “melhor idade" e, em alguns casos, de
"senioridade" vem sendo tema de inúmeros debates, escritos, filmes,
enfim, ela está em pauta nos dias de hoje. Esse olhar para aqueles que
ultrapassaram o marco dos 60 anos é uma coisa relativamente nova, pois até
décadas atrás esse contingente de pessoas vivia em total ostracismo, relegadas
a uma aposentadoria não só profissional, mas de ideias, de novas vivências,
caminhos, prazeres.
Um dos percursos para fazer da velhice
um momento de autoconhecimento e reconhecimento é a escrita. Nela, a
possibilidade de olhar para dentro, trazer à tona memórias afetivas e
compartilhá-las em um escrito, que pode ou não ter leitores, estabelece uma
relação entre criador e criatura que, por si só, traz imensos ganhos para quem rompe
a casca e sai do casulo, muitas vezes imposto pela sociedade, da velhice
anônima.
Não é para menos que a comunidade médica
vem, cada vez mais, incentivando seus pacientes idosos a ter uma atividade
física e intelectual. O exercício diário de escrever obriga a pensar, lembrar,
ler, pesquisar, e isso estimula os neurônios que, não há como contestar, vão
perdendo sua vitalidade ao longo da vida.
Além disso, o compromisso com a escrita
pode levar também a uma mudança para uma rotina mais saudável. No meu caso, por
exemplo, longas caminhadas são momentos de inspiração e passaram a fazer parte
do meu ritual a partir do momento em que a escrita literária entrou na minha
vida.
Sempre escrevi bastante por conta da
profissão, dedicada à pesquisa de comportamento e opinião, mas os textos eram
relatórios de projetos, papers para congressos, uma escrita instigante, mas não
literária. De 2019 para cá, com o período de reclusão imposto pela pandemia da
Covid-19, meu projeto de aposentadoria começou a se concretizar e, beirando os
70 anos, fui buscar um novo desafio – me aventurar pela escrita criativa.
Daí surgiram os contos, as crônicas, as
publicações em antologias e agora, em 2024, o lançamento do meu primeiro livro
solo, Conto ou não Conto. São 34 contos com temáticas variadas, mas dedico alguns
deles às angústias da última fase da vida, como a perda de memória, a
proximidade da finitude e os resgates afetivos que muitas vezes precisamos
fazer.
Para isso, procuro seguir uma prática
de escrita diária, que às vezes é bastante produtiva, flui facilmente, mas
volta e meia as palavras fogem, falta inspiração para buscar novos temas, e
nesses momentos procuro reler alguns depoimentos biográficos de grandes autores
contando de suas dificuldades, da quantidade de versões que fazem de cada texto
e do tempo que, muitas vezes, levam para terminá-los. Deixo o texto descansar,
mudo o foco e retorno com novo ânimo.
Aos 73 anos, pude entender que, com a
escrita, a dimensão temporal do envelhecimento se transmudou para uma nova
cronologia, onde a medida são os passos de amadurecimento que dou na minha
produção. Percebi que a régua, hoje, é feita de centímetros de aperfeiçoamento
da escrita, milímetros de melhoria nas costuras entre os temas e as formas literárias,
e da metragem que acumulo de aprendizados, a cada texto.
E essa régua é infinita.
*Pesquisadora do comportamento humano. Investigadora de si mesma. Escritora do cotidiano. Ilustradora de devaneios. É como se define Ana Helena Reis (@pinceldecronica), que, aos 73 anos, conta com uma carreira profissional consagrada: formada em administração de empresas pela EAESP/FGV e mestre pela FEA/USP, é empresária, já publicou diversos livros acadêmicos, papers e trabalhos de pesquisa. Também conta com uma extensa vida acadêmica, tendo sido professora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC) na Faculdade de Economia e Administração durante 15 anos. A partir de 2019, começou a se dedicar à escrita literária e à publicação de textos em prosa: contos, crônicas e resenhas, relacionados a fatos e situações do cotidiano. Participou de coletâneas e antologias pelas editoras Off-Flip, Metamorfose, Santa Sede, Persona e Sinete. “Conto ou não conto?” (Editora Paraquedas, 124 págs.) é seu livro de estreia.
Ana Helena Reis
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