Com muita frequência, a grande imprensa tem noticiado os desmandos de um número significativo de pessoas detentoras do poder no Brasil. Entretanto, o comportamento da grande mídia desperta no cidadão comum dois sentimentos opostos. Um é a satisfação de ver a imprensa cumprindo seu papel democrático de divulgar os fatos mais relevantes do País. O outro, oposto, é o gosto amargo da tristeza por não haver cobrança das insubstituíveis investigações, conclusão das apurações e punições àqueles que cometerem desmandos, em desobediência às leis do país.
É nítido que falta à parte da grande imprensa e dos
membros do Congresso Nacional manifestações de indignação com os desmandos. Não
cabe mais à sociedade civil simplesmente tomar conhecimento dos desmandos e
adotar a postura do desapontamento silencioso. Martin Luther King (1929-1968),
líder do movimento em defesa dos direitos civis nos Estados, certa vez deixou
claro que a omissão é mais próxima da conivência e da cumplicidade do que do
simples silêncio.
O Brasil assiste, há tempos, a absurdos
caracterizados por comportamentos antiéticos, imorais e ilegais, causadores de
prejuízos bilionários ao país, inclusive com indícios de crimes contra a
administração pública. Na mesma proporção, é preocupante vermos os jovens
brasileiros receberem essa informação pelos meios de comunicação e concluírem
que, no Brasil, a honestidade não é valorizada e que o crime compensa.
É o marco inicial da degradação de uma sociedade e
o comprometimento do futuro.
Diante desse quadro, a juventude se questiona:
Corrupção é meio de vida? Corrupção é permitida? Vale a pena ser honesto se
isso pode representar vergonha e representar uma vida cheia de dificuldades?
Estamos revivendo o que o grande advogado, político e diplomata Rui Barbosa
(1849-1923) afirmou no século passado: “De tanto ver triunfar as nulidades; de
tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça; de tanto ver
agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar-se da
virtude, a rir-se da honra e a ter vergonha de ser honesto.” O mesmo Rui
Barbosa deixou um conselho, infelizmente ignorado: "Quem quiser ficar rico
que fique longe da vida pública".
A decadência moral veio acompanhada do
agigantamento da máquina pública, a ponto de o setor não caber mais no PIB.
Para efeito de comparação, em 2002, último ano do governo de Fernando Henrique
Cardoso, os gastos públicos (gastos primários) corresponderam a 14,7% do PIB.
Agora, em 2023, alcançaram 19,3% do PIB. Ou seja, em 21 anos houve crescimento
de 31,3%, enquanto a população brasileira, no mesmo período, aumentou 13%.
O número de servidores federais cresceu 35% em
apenas 15 anos, no intervalo de 2001 a 2015. Era 530.662 e subiu para 716.521.
Percentualmente, foi quase o dobro do que cresceu a população brasileira no
mesmo período (18,82%).
Consequentemente, isso contribuiu para os gastos do
setor público que, nessa mesma década e meia, passaram de R$ 205 bilhões/ano
para R$ 1,154 bilhão/ano, em valores nominais. Se corrigido pelo IPCA, o
primeiro valor chegaria a R$ 547 bilhões/ano. O excesso representa um aumento
sem justificativa de nada menos que R$ 607 bilhões/ano, acima da inflação no
período.
A torneira nunca é fechada. De 2001 a 2015, os
gastos tributários da União, referentes às renúncias fiscais feitas através do
Sistema Tributário, aumentaram 2,94 vezes, passando de 1,47% do PIB para 4,33%.
E não parou nisso. Em 2023, já representava 4,80% do PIB. O aumento total,
portanto, foi de 3,36% do PIB, o correspondente a R$ 350 bilhões/ano. Ou seja,
mais que triplicou.
Além disso, ao longo do tempo, a máquina pública
foi sendo alimentada pela concessão de seguidos privilégios e remunerações cada
vez maiores. Um funcionário público federal custa, em média, R$ 242,4 mil por
ano, enquanto a renda média nacional, segundo o IBGE, é de apenas R$ 42,2 mil
por ano. A discrepância é absurda.
Somem-se a isso poderes quase vitalícios concedidos
a poucos e foro privilegiado concedido a muitos e temos o retrato de um país
cada vez mais desigual, no qual os políticos gozam de qualidade de vida muito
superior à daqueles que os elegeram.
A prescrição beneficia, amiúde, detentores de
cargos públicos processados por malfeitos no trato da coisa pública. É preciso
invocar os ensinamentos do filósofo e teórico político italiano Nicolau
Maquiavel (1469/1527), que sempre foi profético em relação aos regimes
políticos, aos ditadores de todos os gêneros e aos desmandos dos políticos: “Um
país cujas leis são lenientes e beneficiam bandidos não tem vocação para
liberdade. Seu povo é escravo por natureza”. E mais. “Uma pátria onde receber
dinheiro mal havido a qualquer título é algo normal, não é uma pátria, pois neste
lugar não há patriotismo, apenas interesse e aparências”, escreveu também
Maquiavel, que tanto tempo depois de sua morte ainda contribui para melhor
entendimento do estágio atual do comportamento de alguns mandatórios dos
últimos 30 anos e do povo brasileiro.
Há exemplos recentes de abusos em diferentes
esferas. Um deles é o Poder Judiciário que, para cumprir seu importante dever
constitucional consome 1,61% do PIB, 3,6 vezes mais que o Reino Unido (0,44%),
4,2 vezes mais que a Espanha (0,38%) e a Alemanha (0,38%), e 6,4 vezes mais que
a França (0,25%), todos países de maior expressão econômica. O custo do
Judiciário para o Brasil é 4,3 vezes mais alto que a média dos 37 países da
Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que consomem
apenas 0,37% do PIB com essa despesa. Essa diferença significa, para o Brasil,
o extraordinário desperdício anual de R$ 131 bilhões.
Aliás, todo o sistema de Justiça brasileiro é caro.
Recentes matérias na imprensa (jornais Folha de S. Paulo e O Estado de S.
Paulo) mostram que por arranjos corporativos e penduricalhos, juízes e
promotores comprometem adicionalmente gastos de R$ 9,30 bilhões/ano. Para
muitos deles, o teto constitucional de R$ 41,6 mil/mês é apenas uma referência
porque recebem vencimentos que chegam até a R$ 200 mil/mês, praticamente 57
vezes a renda média mensal do trabalhador brasileiro (R$ 3.517,00).
É natural que esse quadro cause indignação, assim
como inconformismo com o fato de um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF),
em decisão monocrática, suspender a aplicação de multas relativas a acordos de
leniência firmados pelas empresas J&F e Odebrecht, no âmbito da Operação
Lava Jato, com valores de R$ 10 bilhões e R$ 3,8 bilhões, respectivamente, face
a atos de corrupção confessados por seus controladores, que foram condenados,
tiveram suas penas reduzidas graças a esses acordos, e posteriormente foram
libertados.
O Brasil pode melhorar muito apenas fazendo a lição
de casa. Estudo do Fundo Monetário Internacional (FMI) revelado pelo jornal O
Estado de S. Paulo (05/02/2024) indica que a economia brasileira poderia
crescer 6 pontos percentuais a mais se os índices de criminalidade fossem
reduzidos a níveis próximos da média mundial. A nação também poderia poupar
perto de 2,0% do PIB se houvesse redução da corrupção, segundo estudos da
Fiesp, da CNI e de organismos internacionais. Não é só. Caso fossem reduzidos
os privilégios e os custos do gigantismo da máquina pública (3%), das
renúncias fiscais (4,8%), e da corrupção (2%), seria possível ao país poupar
quase 10% do PIB. Reduzindo em apenas 50% esses excessos injustificáveis, o
país teria à disposição para investimentos montante superior a R$ 520
bilhões/ano (5% do PIB)
É perfeitamente factível ao Brasil promover o
crescimento sustentável do PIB e mantê-lo em nível superior a 4% por ano. Isso
significaria condições de geração de mais empregos e renda, maiores
investimentos e o estancamento do aumento anual do endividamento público.
Ainda há tempo de os jovens brasileiros serem salvos.
Mas para isso são fundamentais vontade política e comportamento ético, porque o
Brasil já possui todas as demais qualificações.
Um bom começo seria realizar forte investimento em
educação, com obrigatoriedade do ensino fundamental em tempo integral, e mudanças
legislativas para endurecer as leis de combate à corrupção, à violência urbana
e aos acidentes fatais no trânsito, tornando também as punições mais efetivas.
Nada disso se concretizará, entretanto, sem a
mobilização da sociedade civil e sem o comprometimento dos membros do Congresso
Nacional. Tarefa difícil, reconheça-se, porque a redução de privilégios sempre
encontra forte e organizada resistência. Como disse o economista e cientista
político norte-americano John Kenneth Galbraith (1908/2006), “as pessoas com
privilégios preferem arriscar a sua própria destruição, a perderem um pouco de
sua vantagem material”.
É preciso, portanto, muito esforço. E,
principalmente, jamais deixar de acreditar que é possível.
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