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| As isoflavonas da soja são importantes fontes de compostos bioativos e pertencem a uma classe de fitoestrogênios (foto: United Soybean Board or the Soybean Checkoff/Wikimedia Commons) |
Cientistas testam método para obter substância similar ao estrógeno a partir das isoflavonas da soja; objetivo é criar um produto capaz de reduzir o desconforto feminino no período de declínio hormonal
Quase todo mundo já ouviu a
máxima de que “comer soja faz bem para a saúde da mulher”. Nas últimas décadas,
diversos estudos foram feitos com base na observação de que as mulheres
orientais, cuja dieta é rica em soja, apresentavam poucos (ou nenhum) dos
sintomas relativos à menopausa relatados pelas ocidentais: fogachos, insônia,
irritabilidade e depressão, entre outros. Assim, a soja foi o alvo para o qual
se voltou a comunidade científica na busca por explicações para o fenômeno.
“As isoflavonas da soja são
importantes fontes de compostos bioativos e pertencem a uma classe de
fitoestrogênios, ou seja, substâncias similares ao estrógeno, que podem
proporcionar benefícios à saúde. Porém, são pouco absorvíveis pelo trato
gastrointestinal, pois são normalmente encontradas na forma glicosilada [ligada
à glicose]. Para que exerçam seus efeitos na saúde, elas devem ser
metabolizadas pelos microrganismos da microbiota intestinal, formando
isoflavonas agliconas [sem glicose] e seus metabólitos secundários bioativos,
como o equol, que tem uma estrutura muito parecida com a do estrógeno”
explica Gabriela Alves Macedo,
professora da Faculdade de Engenharia de Alimentos da Universidade Estadual de
Campinas (FEA-Unicamp).
Primeira autora de artigo publicado na revista Foods,
Macedo lembra que a queda na produção de estrógeno observada na menopausa é
responsável por várias alterações fisiológicas e comportamentais na mulher. Por
isso, estima-se que os chamados fitoestrogênios, como o equol, consigam
minimizar os sintomas indesejáveis da menopausa.
“Acontece que nem toda mulher
consegue metabolizar as isoflavonas da soja, porque nem todo mundo tem uma
microbiota intestinal capaz de fazê-lo. Assim, com a ajuda de colegas, venho
tentando obter um produto que já contenha o equol e, portanto, possa beneficiar
mulheres que não conseguem metabolizar as isoflavonas.”
No trabalho recém-publicado, a
equipe mimetizou a microbiota humana a fim de entender como as isoflavonas
contidas no extrato da soja são metabolizadas pelos microrganismos. De acordo
com Macedo, é possível também obter esse extrato do resíduo da fabricação do
óleo de soja, chamado de okara. “Dele se consegue extrair tanto a proteína
quanto os compostos fenólicos. Como engenheira de alimentos, penso sempre nessa
possibilidade de aproveitar os resíduos. Em nosso país, não vejo outra fonte
mais promissora do que a soja para a obtenção do extrato em escala industrial,
embora todos os vegetais ricos em isoflavonas possam, eventualmente, gerar o equol.”
O trabalho foi apoiado pela
FAPESP por meio de uma Bolsa de Pós-Doutorado concedida
a Cintia Rabelo e Paiva Caria,
segunda autora do artigo.
Mimetismo
A equipe produziu o extrato de
soja de modo a obter a concentração inicial de isoflavona mais interessante
para o experimento. “O processo industrial para a obtenção do extrato de soja
usado nas bebidas encontradas nos supermercados é pouco eficiente do ponto de
vista da extração dos fenólicos. Ele foca em proteína, porque essas bebidas têm
como objetivo servir de fonte de proteína não animal.”
Para mimetizar a metabolização
das isoflavonas contidas no extrato e obter o equol, o grupo usou diferentes
processos. “No primeiro, aplicamos enzimas [uma mistura de moléculas, entre as
quais a beta-glicosidase] para retirar a glicose das isoflavonas glicosiladas.
Nesse caso, fizemos uma medida posterior para verificar se, somente com o uso
da enzima, já seria possível obter algum metabólito de interesse, além de
quantificar as isoflavonas glicosiladas e as agliconas ao final do processo.”
Uma segunda estratégia foi
fermentar o extrato com um mix de lactobacilos. O grupo inoculou o extrato com
bactérias lácticas em anaerobiose [sem oxigênio] e analisou as isoflavonas
antes e depois da fermentação.
No terceiro processo, o grupo
combinou o uso da enzima e dos probióticos. “Depois da ação da enzima, eu
inoculei o mix de probióticos. A ideia, nesse caso, foi facilitar o trabalho
dos lactobacilos, fazendo metade do caminho com a enzima na tentativa de
acelerar o processo e obter mais metabólitos ao final. Verificamos que, de
fato, esse processo combinado funciona melhor: as amostras que passaram por ele
apresentaram maior capacidade antioxidante, mais metabólitos de transformação
da isoflavona e melhor conversão de isoflavonas glicosiladas em agliconas. A
combinação de ambos os tratamentos apresentou efeito sinérgico nos produtos à
base de soja.”
De acordo com Macedo, o grupo
se preocupou em testar processos que pudessem ser replicados em nível industrial.
Por isso, trabalhou com uma enzima e um mix de probióticos comerciais. “Temos
de desenvolver coisas que façam sentido do ponto de vista tecnológico.”
Efeito e
contraindicação
A pesquisadora reitera que, por
ser o equol um composto muito parecido com o estrogênio, os receptores
estrogênicos do ovário, do útero e da mama não conseguem identificar a
diferença e percebem a substância como se fosse o hormônio. Como resultado, o
organismo não reage à falta do estrógeno [sintomas da menopausa], porque acha
que ele está presente. “Essa é a ideia por trás da obtenção de compostos que
mimetizem o estrógeno. Eles existem também na folha de amoreira, no inhame e em
outros vegetais. Mas não sei se estão mais biodisponíveis nessas fontes ou se
também precisam de algum tipo de transformação para que sejam absorvidos pelo
organismo.”
Segundo ela, de acordo com o
conhecimento existente sobre o tema, o princípio da ação do fitoestrogênio é o
mesmo da terapia de reposição hormonal, embora, obviamente, em concentrações muito
menores. “Já há produtos no mercado com extrato ou leite de soja, inclusive
alguns indicados para os sintomas da menopausa, mas não fazem efeito para todo
mundo. Como cada pessoa tem uma microbiota, a ideia é conceber um produto já
com o fitoestrogênio, sem depender da metabolização da microbiota de cada
indivíduo, e assim diminuir os sintomas de maneira geral.”
Entretanto, mulheres que têm
câncer de mama ou de ovário e são responsivas ao estrógeno (casos em que o
tumor usa o hormônio para crescer) não podem fazer reposição hormonal e,
portanto, também não devem ingerir esses extratos ricos em fitoestrogênio.
“Existem também alguns tipos de câncer de próstata responsivos ao estrógeno.
Pessoas acometidas por essas enfermidades não poderão consumir os produtos que
estamos buscando.”
Próximos
passos
Macedo explica, ainda, que o
equol é uma molécula com a capacidade de constituir-se em duas formas: R-equol
e S-equol. “Só uma delas é absorvida pelo organismo. Mas, no processo de
obtenção do metabólito, não conseguimos separá-las. Assim, fomos por dois
caminhos: por cromatografia conseguimos identificar o equol e diferenciá-lo de
outros metabólitos de interesse, mas não temos como saber qual das duas formas
moleculares está presente, pois a concentração é muito baixa. Então, temos
feito estudos in vitro com células cancerosas humanas para
testar o efeito estrogênico dos extratos obtidos.”
A equipe trata as células com
os extratos de soja já processados por enzimas e fermentação: se elas se
multiplicarem ainda mais, quer dizer que o extrato tem efeito estrogênico.
“Neste trabalho publicado na Foods, que não é nosso primeiro sobre
o tema, ficaram faltando os dados dos testes em células, que pretendemos
divulgar agora”, adianta.
Apesar disso, de acordo com a
engenheira, por meio da digestão in vitro simulada foi
possível comprovar que o organismo “guarda” tanto o efeito antioxidante quanto
os benefícios proporcionados pelas isoflavonas.
“Nossa meta era saber qual
processo era mais eficiente na biotransformação das isoflavonas. E também se
seria bom o suficiente para garantir a disponibilidade do material resultante
para absorção pelo organismo. Teoricamente, se conseguimos simular bem essas
digestões, há efeito de absorção e o metabólito circula no sangue. Assim, acredito
que estejamos perto do nosso objetivo. Eu quero obter um produto de grau
alimentício que beneficie também aquelas que não conseguem metabolizar as
isoflavonas, mas que igualmente sofrem com os sintomas da menopausa.”
O artigo Bioaccessibility
Evaluation of Soymilk Isoflavones with Biotransformation Processing pode
ser acessado em: www.mdpi.com/2304-8158/12/18/3401.
Agência FAPESP
https://agencia.fapesp.br/residuos-da-producao-de-oleo-de-soja-podem-gerar-produto-que-ameniza-efeitos-da-menopausa/50364

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