Há uma proposta legislativa , Projeto de Lei PL 2245/2023, que pretende instituir a Política Nacional de Trabalho Digno e Cidadania para População em Situação de Rua - PNTC PopRua.
Resumidamente,
este projeto de lei pretende criar cotas de pessoas em situação de rua para as
empresas que gozam de incentivos e tenham mais de 100 empregados. A proposta é
louvável, mas há que se ter atenção.
É
certo que o problema das pessoas que vivem em situação de rua é muito grave. É
grave, triste e lamentável que a sociedade não tenha conferido ainda para estas
pessoas condições digna de trabalho, educação e vida.
Segundo
o IPEA, no Brasil, essas pessoas saltaram de 90.480 em 2021 para 281.472 em
2022. A pandemia da Covid 19 agravou esta condição, por certo. Segundo a FIPE,
41% das pessoas que vivem em situação de rua, estão ali decorrentes de
conflitos familiares: 33% por conta de problemas de drogas; 26% devido à perda
da moradia, por falta de trabalho e renda. Como se pode verificar, são pessoas
envolvidas em problemas bem complexos.
Em
relação à escolaridade, 1% tem o curso fundamental incompleto; 3% têm de 1ª a
4ª série; 12% têm 5ª a 8ª série incompletas; 8% têm 5ª a 8ª série completas; 11% têm ensino
médio incompleto; 37% têm ensino médio completo; 18 têm ensino superior
completo; 7% têm ensino superior completo; 3% têm além disso.
Como
se pode notar, o nível de escolarização da maioria das pessoas em situação de
rua é bastante precário, infelizmente.
Por
outro lado, quando se analisa a experiência profissional dessas pessoas,
nota-se que 17%, 17% trabalharam em serviços de limpeza; 14% como ajudantes na
construção civil; 14% como ajudantes de transporte; 11% como ajudantes gerais;
17% como ambulantes; 9% no comércio formal; 6% na indústria. 4,5% em serviços
de administrativos; 4% não trabalhavam; 1% prostituição; 1% sem
informação.
Os
dados indicam que são poucas as pessoas em situação de rua que têm experiências
profissionais para abrir as portas das empresas que requerem habilidades e
qualificação especiais, para não dizer específicas, necessárias ao seu ingresso
no mercado de trabalho.
Por
outro lado, a questão não é menos complexa do lado das empresas, que
provavelmente vão exigir um outro nível de escolarização e profissionalismo da
maioria das pessoas que hoje se encontram em situação de rua. As exigências
cada vez mais complexas, fazem com que o mercado de trabalho se afunile quando
da contratação de novos empregados. E este fato atinge todos os que desejam
ingressar no mercado de trabalho. No entanto castiga mais, infelizmente, as pessoas
em situação de rua, que são os vulneráveis dos vulneráveis. Para atender às
necessidades da empregabilidade destas pessoas, seria necessário um longo
programa de qualificação e requalificação, que as empresas certamente não
teriam condições de oferecer.
É
inviável desejar resolver este gravíssimo problema por meio de cotas
compulsórias em empresas de grande porte, como pretende o PL 2.245/23. Não
porque as empresas não são sensíveis à questão, mas por conta das exigências do
mercado de trabalho, ao qual todos nós estamos submetidos, gostemos ou
não.
Ademais,
como se já não bastasse todas as dificuldades da questão, tanto para pessoas em
situação de rua quanto para as empresas, estas- as pessoas em situação de rua,
geralmente vivem em zonas centrais das cidades e muitas empresas estão
localizadas fora desta região. Este fato deve ser considerado porque a questão
do deslocamento é muito complexo para as pessoas em situação de rua e para as
próprias empresas que não teriam condições de proporcionar não só o
deslocamento, bem como o alojamento, alimentação e treinamento para estas
pessoas em situação de rua pudessem chegar ao seu trabalho e executá-lo a
contento.
Como
se pode notar, a questão posta pelo PL 2.245/23 é extremamente complexa, ainda
que louvável. Para que haja uma solução bem planejada e eficaz para o problema
o Estado deveria inicialmente ser envolvido ativamente proporcionando
assistência social condigna para estas pessoas, retirando-lhes, inicialmente,
do ambiente em que vivem, onde este problema se agrava a cada dia. A
assistência social, uma eficaz política pública, seria um bom início para se
iniciar a solução da questão. Aí sim, após este primeiro passo, juntamente com
outras medidas de preparação e acolhimento desta população, como cursos
técnicos, qualificação desta mão de obra para a vida e para o trabalho, a
iniciativa privada poderia contribuir para amenizar a vida extremamente dura das pessoas em
situação de rua. É louvável, como traz o PL 2.245/2023, a proposta da Política
Nacional de Trabalho Digno e Cidadania para População em Situação de Rua. É
louvável a criação dos Centros de Apoio ao Trabalhador em Situação de Rua
(CatRua). É louvável a instituição de Bolsas
de Qualificação para o Trabalho e Ensino da População em Situação de Rua
(QualisRua). É importantíssimo a integração de todas estas iniciativas com os
Serviços Especializados de Abordagem Social (SEAS) e Consultórios na Rua
(CnR).
Não há
dúvidas que as pessoas em situação de rua precisam ser acolhidas; não há dúvida
que precisam de amparo; não há dúvida que precisam de políticas públicas que
lhes dê mínimas chances de saíram da condição de rua, ingressarem no mercado de
trabalho e terem sua cidadania de volta.
No
entanto, não parece ser a melhor saída impor às empresas que gozam de
benefícios fiscais e com mais de 100 empregados, só por conta destas premissas, cotas como forma de solucionar o
problema.
Todos
nós devemos pensar em outro caminho para acolher as pessoas em situação de rua.
É uma questão de civilidade, para não dizer, humanidade.
José
Eduardo Gibello Pastore - advogado, consultor de relações trabalhistas e sócio
do Pastore Advogados
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