Recentemente, escrevi sobre o atual cenário do despacho aduaneiro e os possíveis impactos do bônus de produtividade. Naquela ocasião, comentei que espero que o bônus de produtividade sirva como forma de introduzir a "eficiência e efetividade" na fiscalização aduaneira.
Mais que ninguém, os auditores fiscais deverão prezar para que a fiscalização seja eficiente, eficaz e bastante sólida. O que é totalmente distinto da realidade atual. Lembrando que, em recente estudo do TCU foi demonstrado a pouca eficiência na lavratura de autos, visto que aproximadamente 70% (setenta por cento) dos autos de infração são anulados, ainda, na esfera administrativa.
Sim,
pode me chamar de otimista. Porém, um otimista pragmático. Nas palavras de
Fernando de Pessoa: devemos esperar o melhor e preparar-se para o pior.
Bom, o que vejo é um Brasil dividido entre o que podemos e devemos ser, e o que hoje somos. Vivemos uma dicotomia. De um lado, ventos de mudança, do outro, a manutenção do status quo.
De um lado temos um país que claramente veio adotando uma clara política de desburocratização e facilitação do comércio exterior, contribuindo para a redução do Custo Brasil. Um país com Portal Único de Comex e que recentemente ratificou e promulgou diversas convenções internacionais relativas ao COMEX.
Um país que claramente quer deixar de ser um dos países mais fechados ao COMEX do mundo. Mais do que isso, um país que deseja reduzir os custos de importação, tanto por reduções tarifárias como por reduções em exigência de Licenças de Importação (52% de todo o estoque de Licença de Importação) e redução de pagamentos de taxas incidentes na importação.
Estas medidas deixam claramente a intenção do país de facilitar o comércio exterior. Passamos por uma verdadeira mudança de mindset de visão e o posicionamento da Aduana frente ao particular. Ainda que essa mudança cultural não tenha chegado na “ponta”, a nível institucional, a Aduana mudou drasticamente o posicionamento frente aos importadores.
A aposta é na auto-regularização, fiscalização pós desembaraço e parceria com empresas, inclusive com a OEA.
Da mesma forma, as penalidades aduaneiras sofreram enorme transformação com a aprovação e promulgação pelo Brasil do Acordo de Facilitação do Comércio/OMC, Convenção de Quioto Revisada/OMA e o Acordo de Comércio e Cooperação Econômica assinado com os Estados Unidos.
Assim, a legislação aduaneira agora demanda uma análise subjetiva da infração aduaneira. O Fiscal deve verificar a boa-fé e que os erros não foram cometidos intencionalmente, para somente assim, poder penalizar o agente, e sempre de forma razoável e proporcional. Evitando, assim, a penalização de erros despidos de qualquer intencionalidade.
De um lado temos um país que ratificou Convenções Internacionais que determinam a não aplicação de penalidade aduaneiras quando inexistente a culpabilidade da empresa. Mais do que isso, temos uma legislação que prevê o instituto de relevação de pena de perdimento e de multa aduaneira.
A regra é clara de que as Autoridades Aduaneiras não podem punir por cometimento de “erros menores”
Porém, do outro lado temos a subversão desses valores. Institutos de relevância que nunca ou raramente são aplicados. A presunção de boa-fé do Contribuinte subvertida para presunção de Má-fé em clara afronta à Lei de Liberdade Econômica.
Entretanto, até entendo a posição da Fiscalização Aduaneira. A mudança do status quo, e principalmente, a mudança cultural e de mentalidade da fiscalização não é algo que se muda do dia pra noite. Não é porque o Brasil tenha mudado sua política de comércio exterior, e principalmente, o papel da Aduana em sua relação com as empresas, que tais preceitos vão ser incorporados automaticamente na mentalidade da fiscalização aduaneira.
Não estamos falando de robôs, e sim, de pessoas. Portanto, é uma mudança de mentalidade que não ocorre do dia pra noite.
Doutro modo, quando você tem institutos de relevação de penalidades sem maiores critérios objetivos, sempre existirá o temor de má interpretações. Melhor dizendo, sempre existirá o medo, por parte da fiscalização aduaneira, da relevação de penalidades vir a ser interpretada como uma conduta em proveito/benefício do contribuinte.
Portanto, mesmo agindo completamente no rigor da lei, sempre terão o temor do ato ser visto como alguma suspeita. E, no final do dia, ninguém quer ter sobre si uma suspeita ou dúvida.
Assim, caberia a Autoridade Aduaneira brasileira listar todas essas penalidades tidas como de menor potencial lesivo e regulmentar o instituto da relevação. Para que em determinadas hipoteses pudessem ser de pronto e indiscutivelmente reconhecidos e acatados pela fiscalização aduaneira, e assim, sequer aplicado penalidade. Enquanto, que em outras ocasiões, poderia ser de pronto aplicado a relevação da penalidade.
Caso contrário, o reconhecimento desse direito dependerá sempre de ser chancelado pelo Poder Judiciário.
Nada obstante, a aplicação de penalidades contra infração de um empresário que agiu de boa-fé, não mais guarda guarida nas normas que foram recentemente internalizadas pelo Brasil. Agora, cabe à fiscalização aduaneira comprovar a má-fé.
E assim, ainda que estejamos esperando o melhor, estaremos preparados para o pior.
Caso o cenário piore, e o quantitativo de penalidades aumentem, os contribuintes poderão se socorrer das diversas convenções recentemente ratificadas pelo Brasil como defesa.
Porém, ainda prefiro acreditar que o Decreto Regulatório do Bônus de Produtividade servirá como forma de melhorar e qualificar a fiscalização aduaneira, principalmente diante de tantas fiscalizações vazias e completamente arbitrárias. A fiscalização aduaneira deve incorporar a mentalidade desse novo momento do papel da Aduana no Comércio Exterior do nosso país.
O fato é que estamos diante de mudanças, e nunca um processo de mudança é fácil. E esse é o desafio de todo "sopro de mudança", pois a defesa pela manutenção do Status Quo sempre existirá. Não porque as pessoas não queiram mudar para melhor. Porém, é sempre mais fácil permanecer como sempre foi.
Entendo que devemos mudar. Na realidade, precisamos mudar. Devemos transformar a mentalidade atual. O empresário deve deixar de ser visto como um predador a ser abatido, muito menos como uma vaca a ser ordenhada, porém como poderoso garanhão puxando a carreta, como dizia Winston Churchill.
Lembro, a ideia não é a de trazer soluções nem respostas prontas, porém, iniciar um debate. Para que todos possam refletir sobre qual é a Política de Comércio Exterior que queremos para nosso país e se estamos no caminho correto!
Caso contrário, temos que ajustar as velas!
Larry Carvalho - advogado, mestre em
Direito Marítimo e especialista em logística, comércio internacional e
agronegócio.
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