A questão da liberdade das mulheres, se muitos a têm como resolvida, a mim me parece que está em plena revolução. O padrão de comportamento machista é coisa arraigada, e sua valorização e reprodução foi e em boa parte é obra de ambos os sexos. Quanto aos homens, poucos (e não suficientes mulheres) empreendem uma luta por transformação desta cultura.
Tal
é a expressão dos tristes resultados da participação masculina nesta chaga social,
que, em junho de 2007, foi sancionada a Lei 11.489, a qual estabelece: “Fica
instituído o dia 6 de dezembro como o Dia Nacional de Mobilização dos Homens
pelo Fim da Violência contra as Mulheres”.
Trazem-me
o assunto a proximidade da data e um vídeo publicado no Facebook de Marion da
Silva Bittencourt: “A GoldieBlox, empresa norte-americana de brinquedos
infantis, lançou uma campanha publicitária que tem dado o que falar, com o
intuito de vender uma linha de produtos que incentiva garotas a serem engenheiras.
O
comercial brinca com vários clichês femininos, ao passo que três meninas
constroem um complexo sistema que joga todos os brinquedos ‘de princesinhas’
que elas têm para o ar. As protagonistas do vídeo ainda cantam versos que
impressionam: ‘Nossos brinquedos parecem os mesmos e nós gostaríamos de usar
nossos cérebros. Somos mais do que princesas donas de casa’, dizem” (http://migre.me/gVbR4).
O
vídeo que refiro, creio, capitaliza a campanha Laço Branco, que nasce quando,
“no dia 6 de dezembro de 1989, um rapaz de 25 anos invadiu uma sala de aula na
Escola Politécnica de Montreal, Canadá. Ele ordenou que os homens se retirassem.
Gritando: ‘Vocês são todas feministas!?’, começou a atirar enfurecidamente e assassinou
14 mulheres. Em seguida, cometeu suicídio. O rapaz deixou uma carta na qual
afirmava que havia feito aquilo porque não suportava a ideia de ver mulheres
estudando engenharia, um curso tradicionalmente dirigido ao público masculino.
O
crime mobilizou a opinião pública, gerando amplo debate sobre as desigualdades
entre homens e mulheres e a violência advinda desse desequilíbrio social.
Assim, um grupo de homens do Canadá decidiu se organizar para dizer que existem
homens que cometem a violência contra a mulher, mas existem também aqueles que
a repudiam. Elegeram o laço branco como símbolo e adotaram como lema: jamais
cometer um ato violento contra as mulheres e não fechar os olhos frente a essa
violência. Lançaram a primeira Campanha do Laço Branco” (http://migre.me/gVcyC).
O
vídeo execra a fantasia de “princesinha”, privilegia a inteligência, põe a
circular a noção de igualdade de gêneros. Igualdade é luta por espaços de
poder. A cultura é disputa, raramente é concessão, por isso comentei publicação
que o portal atualidadesdodireito.com.br fez sobre o tema. Escrevi: “A culpa é
dos homens, mas estranho certa submissão cúmplice, ‘esperançosa’, que as
mulheres têm de que ‘as coisas vão mudar’”. Contesta-me Maitê Lemos: a
“esperança” seria fruto de violência psicológica. Admito. Ademais disso, há
casos de vulnerabilidade e hipossuficiência. Contudo, muitas mulheres com independência
intelectual, social e financeira preservam o “esperançoso” desejo de atenuar
situações continuada e crescentemente agressivas.
Considerando
que diversos estudos dão razão a Maitê, parenteticamente esclareço que tenho em
conta o que a epistemologia chama de wishful trinking, expressão às vezes
traduzida “como pensamento ilusório ou pensamento desejoso. Significa tomar
desejos por realidade e tomar decisões ou seguir raciocínios baseados nesses
desejos, em vez de em fatos ou na racionalidade. Pode ser entendido como a
formação de crenças de acordo com o que é agradável de se imaginar. É um
produto da resolução de conflitos entre crença e desejo (Wikipédia, editado).
Em português usaríamos “vontade de acreditar”.
Retomando:
além das argumentações que ponho em pauta, há outra alegação justificadora
desse estado de coisa, o condicionamento ideológico: as mulheres aturariam seus
homens machistas porque foram “educadas” nos hábitos patriarcais. Pode ser, há
pesquisas que concluem nesse sentido.
Porém,
se atribuímos à educação machista o motivo de toda a permanência da submissão
“esperançosa'' da mulher, teremos, igualmente, que atribuir à mesma educação a
brutalidade com que muitos homens levam sua relação afetiva, igualmente
justificando-a, dado que oriunda da mesma causa. Ora, a “educação” pode
explicar o estado de coisas, mas não pode justificar sua continuidade, seja
pela condenável prática dos homens, seja pela “esperança” das mulheres de que o
“seu” homem vai mudar e “tudo vai ficar bem''.
De
fato, em geral a culpa pessoal e seguramente a responsabilidade histórica de
casos de violência são dos homens. Afinal, além das estatísticas irrefutáveis,
os homens são fisicamente mais fortes (e mais violentos) e estavam no controle
quando essas tristes coisas foram produzidas como cultura. De acordo. Mas, e
agora?
Quanto
às mulheres em qualquer situação de vulnerabilidade, inclusive as capturadas
por circunstâncias culturais ou estado psicológico, claro, como se há de
responsabilizá-las? Contudo, persevero, sem precipitar juízo definitivo, mas
como convite à reflexão: há razoável circulação de informação e conhecimento
sobre os fatos, muitas mulheres encontram-se no espaço público, muitas em
cargos de poder, estão cientes do machismo estrutural, detêm independência
econômica. Tantas mulheres produzem reflexão sobre o tema, seja na vida
acadêmica, seja em mídias comerciais, seja em redes sociais.
Então, é permitido supor que já podem,
mais mulheres do que o fazem, dizer basta. Embora a complexidade do assunto,
ousaria: as que se encontram em condições para tanto, devem fazê-lo, devem
poupar-se de desfecho anunciado. E a luta por outros valores, também dos homens
que subscreveram o Laço Branco, continua.
Léo Rosa de Andrade
Doutor em Direito pela UFSC.
Psicanalista e Jornalista.
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