Pessoas com apneia obstrutiva do sono vivenciam repetidas pausas
respiratórias ao longo da noite, que podem durar alguns segundos ou até mesmo
minutos e são seguidas por despertares que prejudicam a qualidade do descanso.
Se não tratado, o distúrbio pode, com o passar dos anos, causar problemas de
saúde, como aumento de risco cardiovascular, hipertensão, insuficiência
cardíaca, diabetes e comprometimento da memória e da concentração.
Pesquisa
feita na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) revelou que a apneia
também promove a diminuição dos telômeros – estruturas presentes nas
extremidades dos cromossomos e que têm o papel de manter a integridade do
material genético existente no núcleo celular. Os telômeros naturalmente vão
encurtando à medida que as células se dividem para regenerar os tecidos e
órgãos do corpo. E quando ficam demasiadamente pequenos, a célula envelhecida
para de se multiplicar. Na medida em que acelera esse processo de encurtamento
dos telômeros, portanto, a apneia promove o envelhecimento precoce das células.
A boa notícia dos estudos conduzidos na Unifesp é que o problema pode
ser amenizado com uso do CPAP (sigla em inglês para pressão positiva contínua
em vias aéreas) – aparelho acoplado a uma máscara que lança ar no nariz durante
o sono e regulariza a respiração. Os resultados mais recentes foram divulgados na
revista Sleep.
Com apoio da
FAPESP, os pesquisadores acompanharam ao longo de seis meses 46 pacientes
homens, na faixa etária entre 50 e 60 anos, com apneia do sono moderada ou
grave. Os voluntários foram divididos em dois grupos e tratados com CPAP ou um
aparelho semelhante, porém, com vazamentos de ar que não permitem o efeito
terapêutico e funcionam como placebo.
Nas
visitas mensais os cientistas checaram a adesão dos pacientes ao aparelho,
terapia considerada complexa e incômoda, e coletaram sangue para mensurar o
comprimento dos telômeros – análise realizada em três ocasiões – no início do
experimento, após um período de três meses e ao final da intervenção. Além
disso, foram analisados no sangue marcadores inflamatórios e de estresse
oxidativo.
“O encurtamento dos telômeros é inevitável porque está relacionado à
inflamação e ao estresse oxidativo do envelhecimento, mas descobrimos que
pessoas com apneia apresentam uma aceleração desse processo”, explica Priscila Farias Tempaku,
pesquisadora na área de medicina e biologia do sono do Departamento de
Psicobiologia da Unifesp e autora do estudo. “Observamos ainda que, tanto aos
três quanto aos seis meses, o uso do CPAP atenuava essa aceleração.”
Os
pesquisadores investigaram ainda os mecanismos moleculares que envolvem a
associação entre apneia e telômeros. Um desses mediadores, o marcador
inflamatório TNF-α, mostra que provavelmente a via molecular implicada é a
inflamação. “Nos pacientes que usaram o placebo, a molécula se mostrou um fator
influente no comprimento dos telômeros; já naqueles que usavam o CPAP não havia
essa associação, mostrando que, além de sua importância já conhecida na redução
do risco cardiovascular e metabólico, o aparelho também diminui a inflamação e,
consequentemente, atenua o encurtamento do telômero”, explica Tempaku.
“Os resultados deixam claro o papel do sono como fator protetor para o
envelhecimento ou de risco para quem apresenta alguma alteração”,
avalia Sergio Tufik,
diretor do Instituto do Sono da Unifesp e coordenador do estudo. “Esse é um
ótimo incentivo, já que a maioria das pessoas resiste a usar o CPAP.”
Episono
Pioneiro nos estudos sobre o sono no Brasil e no mundo, Tufik é o
criador do projeto Estudo Epidemiológico do Sono (Episono), realizado a cada década
desde 1986 para traçar um panorama completo do sono dos paulistanos sob a ótica
da saúde pública. Além de estabelecer a prevalência de problemas como ronco,
sonambulismo e insônia, os trabalhos já renderam a publicação de mais de 70
artigos em revistas científicas.
A edição
de 2015 do Episono, que avaliou o tamanho do efeito do encurtamento dos
telômeros num período de dez anos, mostrou que ter apneia grave equivale a
envelhecer dez anos. Essa informação, somada às descobertas do trabalho atual,
indicam o próximo caminho dos pesquisadores: trazer ainda mais atenção para a
relação entre sono e envelhecimento. “Dormir mal envelhece, está associado à
mortalidade tanto quanto outras doenças e a apneia ocorre em 30% das pessoas”,
afirma Tufik. “Mas a população está desassistida, já que nem o sistema
público nem os convênios oferecem CPAP – isso precisa mudar”, alerta o
pesquisador.
A
prevalência da apneia vem aumentando paralelamente ao avanço da obesidade, uma
vez que as doenças estão frequentemente associadas. Dados da Sociedade
Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica indicam que 70% dos obesos
sofrem com o distúrbio do sono, sendo que o índice chega a 80% no caso de
obesidade mórbida.
Os
principais sintomas da apneia obstrutiva do sono são o ronco, a fadiga diurna e
a diminuição da capacidade de concentração – fatores que comprometem a
qualidade de vida e podem ser incapacitantes. O diagnóstico requer um exame
conhecido como polissonografia e o tratamento, além do uso de CPAP, costuma
envolver mudança no estilo de vida, incluindo perda de peso, redução no consumo
de bebida alcoólica à noite e de remédios para dormir.
O artigo Effect of Obstructive Sleep Apnea and CPAP on
Telomere Length and its Associated Mechanisms pode ser lido em: https://academic.oup.com/sleep/article/46/Supplement_1/A207/7181654.
Julia Moióli
Agência FAPESP
https://agencia.fapesp.br/apneia-do-sono-acelera-o-envelhecimento-mas-uso-de-aparelho-que-ajuda-a-respirar-ameniza-o-problema/41898/
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