Desde que a
humanidade existe, o homem sofre com o efeito colateral de viver num corpo no
qual as mais variadas reações se dão por conta de diversas doenças, muitas
delas incuráveis. Como efeito de sucessivas guerras mundiais e do avanço das
drogas anestésicas com a finalidade de realizar cirurgias, a indústria
farmacêutica mundial, juntamente com pesquisadores, desenvolveu drogas eficazes
no combate à dor que, de forma paralela, acompanha também tratamentos
oncológicos e que têm por finalidade amenizar o sofrimento da humanidade.
O grande
problema, principalmente nos EUA, é que ironicamente essa busca para evitar a
dor trouxe um enorme sofrimento para aquele país, uma vez que as mortes por overdose
dessas drogas chamadas opioides (potentes analgésicos, geralmente mais potentes
que a morfina) quintuplicaram nas últimas duas décadas.
Mas qual seria a
razão para os médicos americanos se associarem a uma das mais altas taxas de
prescrições de opioides? Sabe-se que, no final da década de 1990, a Veterans
Health Administration, que administra assistência médica aos veteranos
militares, pressionou para que a dor fosse reconhecida como o “quinto sinal
vital”. Isso deu à dor o mesmo status da pressão arterial, frequência
respiratória e temperatura. Isso passava a ideia clínica de que a dor estava
sendo “subtratada”, ideia essa difundida também pelo “núcleo da agenda de
marketing das empresas farmacêuticas”.
No Brasil também
não é diferente. Muito embora as prescrições sejam feitas com maior parcimônia,
existe o uso recreativo dessas drogas ou casos de pacientes que vivem na
condição de dependentes, que procuram com frequência unidades de pronto
atendimento queixando-se de fortes dores para terem acesso aos opiáceos. Para
piorar a situação, no Brasil, já se tem notícia de apreensões de lotes
irregulares de Fentanil, um opioide 50 vezes mais potente que a heroína e cem
vezes mais intenso que a morfina.
O Hospital das
Clínicas de São Paulo acabou de inaugurar o primeiro ambulatório do país
destinado ao tratamento de dependentes de opioides. A proposta é que o local
receba tanto pacientes que se tornaram dependentes após tratamentos prescritos
por médicos quanto aqueles que fazem uso recreativo dessas substâncias, pois
esse já é um problema de Saúde Pública, fruto de dois aspectos, um mais nobre,
que é o combate ao sofrimento causado pela dor, e outro que consiste no uso
recreativo por jovens induzidos pelo narcotráfico e que são vítimas da
abstinência. A dor física avilta a vontade de viver e a qualidade de vida, e o
vício alimenta o vazio da alma, que, na sede de procurar abrigo, se socorre no
tráfico. Ambas as situações dolorosas merecem respeito, e a iniciativa do HC
vem para dar apoio a esse grave problema mundial.
Fernando Rizzolo
- Advogado, Médico, membro efetivo da Comissão de Direitos Humanos da OABSP.
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