Com tantos casos de assédio e abuso sexual no Brasil, a dúvida que fica é como proteger os direitos humanos diante da violência sexual?
Os direitos humanos são uma das principais pautas do século XXI, no entanto, embora muitos direitos tenham sido conquistados, ainda existe um longo caminho para que haja respeito entre todos. Nos Estados Unidos, por exemplo, vemos cada dia mais propostas que marginalizam e criminalizam a população transgênera.
No Brasil, a luta feminista ainda não conquistou todas as mudanças necessárias para as mulheres. Para se ter uma ideia, 9% das mulheres brasileiras sofreram violência sexual alguma vez na vida segundo a Pesquisa Nacional da Saúde. Outro desafio enfrentado pelas mulheres é a desigualdade salarial, em média os salários das mulheres representam apenas 77,7% do rendimento dos homens, conforme a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua.
A
causa disso, muitas vezes, é o machismo introjetado na sociedade. O machismo é
enraizado na nossa cultura, quando a objetificação dos corpos femininos é tão
arraigado na cultura brasileira, a violência passa a ser mais naturalizada,
apenas ano passado a violência psicológica contra a mulher se tornou um crime,
mesmo sendo cometida na maior parte dos relacionamentos amorosos, ela é a cada
vez mais constante pela presença do machismo na sociedade.
Precisamos entender: Não é Não.
Popularizado nos últimos carnavais, a campanha Não é Não retoma os limites do consentimento de uma relação, um conhecimento que por agora já deveria ser óbvio. Por exemplo, se a quebra de consentimento for acompanhada por violência ou grave ameaça, o agressor irá responder por crime de estupro. Agora, se, por exemplo, a pessoa consentia para uma relação sexual com preservativo e o agente retira o preservativo sem ela saber, houve um vício no consentimento, uma vez que ela consentiu para uma coisa e foi realizada outra. Dessa forma, o agressor comete o crime de violação sexual mediante fraude.
Tão ruim quanto sofrer violência na rua, a violência doméstica é muito comum no Brasil, só no primeiro semestre de 2022, ocorreram 169.676 violações envolvendo a violência doméstica contra as mulheres, segundo a Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos. A violência doméstica é sofrida dentro do ambiente doméstico, já se tem entendimento que essa violência não tem que ser sofrida dentro do lar fisicamente, mas pode ocorrer em qualquer lugar desde que ela deriva de uma relação de parentesco ou de afeto, não necessariamente sendo conjugal, podendo ser ex-namorados, ficantes, ou até outras formas de parentesco, é uma violência que deriva de uma proximidade e um afeto, se aproveitando de uma relação íntima.
A lei
mais conhecida pelo combate a violência de gênero, a lei Maria da Penha mudou o
cenário do combate à violência doméstica. Não existe apenas a violência física,
pode ser psicológica, sexual, patrimonial e moral, sendo perpetuada de
diferentes tipos, a principal lei para regular isso é a lei Maria da Penha, que
estabelece medidas recrudescidas para casas de violência doméstica contra a
mulher, a violência doméstica não é um crime, mas sim um qualificador.
Nada justifica uma violência sexual
Hoje em dia, as pessoas ainda buscam formas de deslegitimizar uma violência sexual. Muito se discute, por exemplo, se a vítima é capaz de consentir ou não uma relação sexual quando está alcoolizada. Infelizmente, vivemos em uma sociedade extremamente machista e essa lógica, muitas vezes, acaba contaminando os atos processuais e o judiciário, trazendo como consequência o fenômeno da revitimização realizada pelas próprias instituições. Logo, muitas vezes as instituições que deveriam proteger as vítimas de violência sexual, acabam interpretando o fato de uma mulher estar alcoolizada ou inconsciente como se ela estivesse consentindo para o ato de ser estuprada.
A revitimização acontece quando a mulher entra em um círculo de violência, com um padrão de pedir desculpas do agressor que, quando levado ao tribunal, descredita a mulher e sua versão do abuso. Na primeira fase, o agressor passa a mostrar raiva e irritação com a vítima, além de dizer que a mulher sofrendo não o agrada mais, consequentemente diminuindo a autoestima. No próximo estágio o agressor passa a usar a violência de fato, podendo ser tanto psicologicamente quanto fisicamente. Por fim, o agressor aparenta se arrepender do acontecido e pedir o perdão da vítima, em vários casos ela aceita as desculpas, dando margem para o recomeço do ciclo.
Para a mulher voltar ao normal pode ser um desafio, que deve ser auxiliado por amigos e familiares que deem suporte e ajuda. De modo a prestar a reparação desse dano, é necessário que haja apoio baseado em segurança pública e saúde pública de qualidade para as vítimas, em que pese não ser esse o mais relevante. O indispensável, frisa-se, é o combate à hierarquia e ao autoritarismo masculino que foi construído no mundo por diversas situações históricas, uma vez que é necessário combater a origem do problema para que esse ciclo de violência de gênero possa ser rompido.
Por
fim, não basta apenas tratar os casos de violência, também é fundamental
prevenir, podendo poupar várias mulheres de um trauma que perdura pela vida.
Portanto, uma forma efetiva de combate a violência de gênero é investir em uma
educação não opressora, baseada principalmente na consciência de gênero e na
paridade entre os sexos.
Mayra Cardozo
- advogada especialista em Direitos Humanos e Penal, também é mentora de
Feminismo e Inclusão e líder de empoderamento.
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