Representação artística de uma estrela com grande cobertura
de manchas estelares e superflares (crédito: Casey Reed/Nasa)
A relação entre as manchas solares e as explosões solares tem sido bastante investigada nos estudos sobre o Sol. Até porque essas erupções associadas a ejeções de massa coronal, em que grandes quantidades de energia são liberadas, impactam diretamente nosso planeta, causando maior ocorrência de auroras boreais; blecautes nas comunicações por rádio; incremento do efeito de cintilação nos sinais de GPS; redução nas velocidades e altitudes dos satélites artificiais (leia mais em: agencia.fapesp.br/41044/ ).
Para entender a física por trás desses
eventos estelares, uma nova pesquisa enfocou um fenômeno ainda mais intenso,
denominado superexplosão (superflare, em inglês), com energia de 1.000 a
10.000 vezes maior do que as maiores explosões vistas no Sol. E buscou esse
tipo de evento em duas estrelas do tipo K: a Kepler-411 e a Kepler-210.
Descobriu – para surpresa dos pesquisadores – que, a despeito de essas estrelas
serem semelhantes em todos os aspectos, desde as massas até os períodos de
rotação e os sistemas planetários, e de ambas exibirem em torno de 100 manchas,
a primeira produziu 65 supererupções, enquanto a segunda não produziu nenhuma.
Artigo a respeito foi publicado no
periódico Monthly Notices of the Royal Astronomical Society Letters.
“A área das manchas estelares parece
não ser a principal responsável pelo desencadeamento das superexplosões. Talvez
a explicação deva ser buscada na complexidade magnética das regiões ativas”,
diz Alexandre Araújo, professor no Centro Integrado de Jovens e Adultos
(Cieja – Campo Limpo) da Prefeitura de São Paulo, pós-doutorando na Escola
de Engenharia Mackenzie e primeiro autor do artigo.
Com apoio da FAPESP, o
estudo foi conduzido por ele e sua ex-orientadora de doutorado, atual
supervisora de pós-doutorado, Adriana Valio,
pesquisadora do Centro de Radioastronomia e Astrofísica Mackenzie (CRAAM), da
Universidade Presbiteriana Mackenzie.
As manchas de ambas as estrelas foram
caracterizadas com a técnica de mapeamento por trânsito planetário, que fornece
a intensidade, temperatura, posição (latitude e longitude) e raio. “Pelo
conhecimento que se tinha da literatura, as estrelas com manchas maiores teriam
mais chance de produzir superflares, mas não foi isso que
observamos. As manchas estelares da Kepler-411 são muito menores do que as da
Kepler-210. Teoricamente, seria esta que deveria ter superexplosões, mas isso
não acontece. Nossa explicação para a inexistência de superflares na
Kepler-210, mesmo com grandes manchas na sua superfície, está na complexidade
magnética, na evolução e no tempo de vida das manchas”, afirma Araújo.
Além de buscar um avanço no
conhecimento das atividades estelares, o presente estudo teve uma motivação
adicional. A partir da descoberta das primeiras superexplosões em estrelas de
tipo solar, a comunidade científica passou a olhar com atenção para tais
fenômenos, principalmente para investigar quais seriam as possibilidades de o
Sol apresentar uma explosão dessa proporção. Se as erupções de muito menor
intensidade já impactam tão fortemente nossa sociedade tecnológica, o que esperar
de fenômenos energéticos de tal magnitude?
“Certamente os planetas que orbitam
estrelas com uma frequência de superflares podem chegar a
perder sua atmosfera e, por isso, não desenvolver a vida – pelo menos a vida
como a conhecemos”, responde Araújo.
A estrutura das estrelas de tipo solar
Para entender tudo isso, é preciso abrir um largo parêntese e recapitular alguns conhecimentos básicos sobre a estrutura das estrelas, obtidos principalmente a partir dos estudos sobre o Sol. Para efeito didático, essa estrutura é dividida em camadas.
“O núcleo é a fonte principal da
energia da estrela. No Sol, essa região é uma esfera cujo raio corresponde à
quinta parte do raio solar, mas com densidade extremamente alta. Nele, a
conversão de hidrogênio em hélio, por meio de reações termonucleares, produz
temperatura da ordem de 13,6 milhões de kelvin (K)”, informa Valio.
Em torno do núcleo, fica a zona
radiativa, onde a energia é transportada pelos fótons em todas as direções. Os
fótons, como se sabe, são as partículas associadas à radiação eletromagnética.
E sua velocidade de propagação no vácuo é a maior do universo material. Porém,
como a zona radiativa é composta por partículas (prótons, elétrons etc.), a
absorção e posterior emissão por estes componentes obstaculizam enormemente o
trânsito dos fótons. De modo que eles levam cerca de 1 milhão de anos para
atravessar essa camada e chegar à seguinte, a zona convectiva.
“Na zona convectiva, a energia é
transportada por meio de correntes de convecção. O material mais quente sobe
para a superfície da estrela, enquanto o material mais frio e denso afunda de
volta para a camada convectiva. Esse movimento cria células gigantes, que
transportam energia e material através da estrela. Na superfície do Sol, elas
são conhecidas como os grânulos solares”, explica Valio.
A superfície do Sol é chamada de
fotosfera. É nela que aparecem as manchas solares, os grânulos e as erupções,
que se estendem por toda a atmosfera solar, composta pela cromosfera e pela
coroa. A temperatura média da fotosfera é pouco maior do que 5,7 mil K, o que
faz com que seja relativamente fria em comparação com as camadas internas do
Sol ou com as camadas superiores da atmosfera solar. É da fotosfera que sai a
maior parte da luz e do calor emitidos por essa estrela.
“As manchas que aparecem na fotosfera
são causadas por campos magnéticos intensos e podem durar de alguns dias a
várias semanas antes de desaparecerem. Sua formação começa com um campo
magnético gerado pelo movimento de partículas eletricamente carregadas na
tacoclina, fina camada compreendida entre as regiões radiativa e convectiva do
interior solar. Ao emergirem na superfície do Sol, os tubos de fluxo magnético
criam regiões de campo intenso, que bloqueiam a transferência de calor do
interior para a superfície. As manchas são escuras porque sua temperatura é
1.000 a 1.500 graus menor do que a temperatura do resto da superfície”,
descreve Valio.
E acrescenta que as manchas geralmente
têm formatos e tamanhos diferentes, sendo sua complexidade magnética um fator
crucial para a produção das maiores explosões solares. Estas são observadas em
todo o espectro eletromagnético: rádio, infravermelho, luz visível,
ultravioleta, raios X e raios gama. Tais fenômenos transientes acontecem na
atmosfera solar, nas regiões de altas concentrações de campo magnético, onde
grandes quantidades de energia são liberadas por reconexão magnética. A
potência gerada nas maiores explosões solares é de aproximadamente 1.017 a
1.022 quilowatts.
O método de trânsitos planetários
O grande desafio para os pesquisadores
de superflares é desvendar os mecanismos que originam tais
fenômenos. É consensual que essas grandes explosões estejam relacionadas com as
manchas estelares. Mas de que forma? “O método de trânsitos planetários é
excelente para investigar manchas na superfície de estrelas do tipo solar. Tal
método é atualmente o mais robusto para esse tipo de investigação. Mas sua
aplicação é bastante complicada, principalmente devido à dificuldade de obter
estrelas que se encaixem nos critérios de investigação”, comenta Araújo.
Ele e Valio trabalharam com dados do
telescópio Kepler, procurando estrelas que se encaixassem no perfil do estudo.
O telescópio espacial Kepler foi projetado pela Nasa, a agência espacial
norte-americana, com o objetivo de descobrir planetas de tipo terrestre fora do
Sistema Solar. Nos quatro anos de sua primeira fase de operação, que se
estendeu de 2009 a 2013, ele observou mais de 150 mil estrelas. E, para extrair
informações sobre esses objetos, foi utilizado o método de trânsitos
planetários, que se baseia na diminuta alteração produzida no brilho da estrela
quando um planeta passa na sua frente.
Mas encontrar, nessa gigantesca base de
dados, os objetos que se adequassem aos seus propósitos foi, como disse Araújo,
igual a procurar uma agulha no palheiro. Ele detalha: “Em primeiro lugar, a
estrela devia ter um ou mais planetas. Para que esses exoplanetas pudessem ser
detectados, seu ângulo de inclinação em relação à estrela tinha que estar no
ângulo de visada do telescópio. Além disso, a estrela precisava apresentar
manchas na sua superfície. E o exoplaneta devia transitar nas regiões das
manchas. O período de orbital do exoplaneta tinha que ser de poucos dias. E seu
raio devia ser bem maior do que o da Terra, para que a queda de brilho causada
nas curvas de luz da estrela fosse bastante significativa. Finalmente, a
estrela precisava apresentar superflares”.
O pesquisador afirma que, felizmente,
foi possível identificar uma estrela, a Kepler-411, com excelente qualidade de
observação. E o melhor: ela possuía um sistema planetário com quatro
exoplanetas. Mas, para entender o papel das manchas estelares, era preciso
encontrar uma segunda estrela em tudo semelhante, exceto por um aspecto: ela
não podia apresentar superflares. “Foi, de certa forma, uma ousadia
nossa acreditar que essa segunda estrela existia. E nos sentimos recompensados
quando encontramos a Kepler-210, com os parâmetros estelares muito próximos da
Kepler-411”, diz.
Acredita-se que a detecção de
supererupções esteja diretamente ligada à cobertura temporal das manchas na
superfície das estrelas. E que, quanto maior a área das manchas estelares,
maior o armazenamento de energia magnética para produzir a explosão. “Nossos
resultados trouxeram uma perspectiva um pouco diferente. Como já foi dito, na
Kepler-411, detectamos 65 superflares, com energias de até 1.035 ergs [1.035
×107 quilojoule]. Enquanto a Kepler-210 não apresentou nenhuma
supererupção, mesmo com o dobro de cobertura temporal, o que nos deu maior probabilidade
de observação. E o que mais nos surpreendeu foi o fato de os raios das manchas
estelares da Kepler-411 serem muito menores do que os da Kepler-210”, enfatiza
Araújo.
A explicação pode estar no fato de que,
a despeito de serem maiores em área, as manchas da Kepler-210 apresentam uma
configuração magnética mais simples. “No Sol, as manchas são classificadas de
acordo com o comportamento do campo magnético na área. E classificadas como
alfa (α), beta (β), gama (γ) e delta (δ), ou por meio de uma combinação dessas
configurações. As manchas deltas são as que apresentam intensa atividade
de flares solares. Acreditamos que as manchas da Kepler-210
apresentem uma configuração magnética mais simples, do tipo alfa ou beta.
Infelizmente, a confirmação exata dessa hipótese só seria possível por meio de
magnetogramas, que são imagens capazes de detectar a localização e a
intensidade dos campos magnéticos. Atualmente, só conseguimos observar isso no
Sol. Ainda não temos tecnologia para obter magnetogramas de estrelas distantes.
De qualquer forma, nosso estudo já nos permite dizer que, em vez de fechar o
foco na área das manchas estelares, talvez seja mais produtivo considerar a
complexidade magnética das regiões ativas”, conclui Valio.
O artigo The connection between
starspots and superflares: a case study of two stars pode ser acessado
em: https://academic.oup.com/mnrasl/article-abstract/522/1/L16/7079139?redirectedFrom=fulltext.
José Tadeu Arantes
Agência FAPESP
https://agencia.fapesp.br/brasileiros-avancam-na-compreensao-da-fisica-por-tras-das-superexplosoes-estelares/41709/
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