O irracionalismo não admite o pensar, o diálogo interno. Só há o absoluto, o fixo, o corporificado em palavras: nobreza da alma, sangue, raça, ariano. Palavras concretizadas, ídolos a serem adorados. (Henrique Honigsztejn).
Freud, em comunicação a uma associação judaica, em
1926, disse que, a partir da sua condição de judeu, desenvolveu duas características
muito importantes para o seu trabalho: a de não alimentar preconceitos e de não
temer ir contra à “maioria compacta”. Lembrou que a religião mosaica rejeita os
ídolos e que de D’us não nos cabe sequer dizer Seu nome, quanto mais
representá-lo de qualquer forma. A essa abstenção das imagens seguiu-se um
desenvolvimento das formulações abstratas e, com isso, um esforço
interpretativo do mundo, com um grande ganho para a cultura. “Somos o povo do
livro”, como lembrou o escritor e ativista israelense Amós Oz, autor do
importantíssimo “Como curar um fanático": “A continuidade judaica sempre
se articulou em palavras proferidas ou escritas, num sempre expansível
labirinto de interpretações, debates e discordâncias, e numa interação humana
única.”
Na História, verificamos que todo governo
autoritário volta-se primeiro contra os jornais e livros, depois contras as
universidades, professores e cientistas. Trata-se de processo concomitante: na
medida em que o governo autoritário se consolida, as vozes, as ideias e seus
locais de trocas e formação precisam ser calados.
O ídolo precisa do olhar fixo, da mente obliterada,
da fala direcionada apenas para a repetição e não para o compartilhamento e
nunca para a observação dissonante. Por isso, a arte fascista era tão monótona
e toda e qualquer forma de inventividade e rompimento dos cânones era vista
como “arte degenerada”.
Muito antes de Freud e dos estados totalitários, o
inglês Francis Bacon já lançava as bases das Ciências, falando sobre a
importância de cuidar da mente para evitar que as distorções dos ídolos
impedissem o “bem pensar”. O ídolos de Bacon eram: a generalização a partir de
experiências pessoais; a aceitação somente daquilo que concorda com o seu
pensamento; a torção de conceitos e seu uso de maneira equivocada; os dogmas e
as ideologias, a crença em tradições e em “autoridades" como se fossem
expressões inequívocas da verdade. Todos estes ídolos são os inimigos do bem
pensar, do pensar que transforma e amplia o poder sobre a natureza, criador de
cultura e promovedor das civilizações.
É importante ressaltar: ídolos são mais a
expressão do medo da mudança do que do desejo de permanência. Não é à toa que
todos os governantes autoritários encontram seu público nas pessoas
desesperadas por terem ficado sem nada ou nas pessoas ansiosas pelo medo de
perderem seu muito. O horizonte mágico dos ídolos é a manutenção do que se tem
ou a recuperação do já tido. E na demonização da experiência, da busca por
sentidos novos, pelo desfazimento das fronteiras da pátria, da família, da
propriedade, do sexo, entre outros ídolos que pairam, dourados, na base dos
montes, alienando os povos, minando suas vontades, criando uma falsa
dependência, como objeto de gozo ao qual se recorre pela certeza do prazer
repetido.
O combate aos ídolos foi, ao longo dos tempos, a
condição do avanço do conhecimento e do enriquecimento da Cultura. Os momentos
históricos de espaços livres para o debate, no qual a diferença entre as
pessoas não era considerado empecilho para a produção dos saberes, foram
determinantes para o desenvolvimento do que chamamos de Cultura Ocidental. Por
isso, o alerta do filósofo e psicanalista Cornelius Castoriadis, em sua
monumental obra "As encruzilhadas do Labirinto": Sustento
que a história humana, assim como as diversas formas de sociedade que
conhecemos nesta história, é essencialmente definida pela criação imaginária.
Imaginário, nesse sentido, não significa evidentemente fictício, ilusório,
especular, mas posição de novas formas, e posição não determinada, mas
determinante; posição imotivada, da qual não pode dar conta uma explicação
causal, funcional ou mesmo racional.
Ou seja: nossa capacidade de criar e de nos
recriarmos, de fazer e de nos refazer, de imaginar e não ficarmos presos aos
modelos impostos, é nosso passaporte para um futuro mais rico e interessante,
um imaginário radical e libertador, única garantia da autonomia, nossa marca
identitária mais importante e valiosa.
Daniel
Medeiros - doutor em Educação Histórica e professor no Curso Positivo.
daniemedeiros.articulista@gmail.com
@profdanielmedeiros
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