O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS) reconheceu neste mês um relacionamento extraconjugal (ou união simultânea ou paralela) como união estável. A decisão autorizou a partilha de bens adquiridos favorecendo a mulher com quem o homem, que era casado com outra pessoa, se relacionou por 14 anos.
O homem morreu em 2011 e agora suas duas
companheiras devem dividir seus bens. De acordo com a decisão, a esposa sabia
que o companheiro mantinha outro relacionamento e, com isso, a relação pode ser
admitida como estável.
Em 2019, uma situação semelhante teve outro
desfecho devido à interpretação do juiz. A união estável simultânea ao
casamento teve reconhecimento negado pelo Tribunal de Justiça do Espírito Santo
(TJES), pois o magistrado entendeu que o fato de o homem já ser casado seria um
impedimento legal, previsto no art. 1.521, do Código Civil de 2002, ao
reconhecimento da união estável.
Naquela ocasião, a mulher pediu o
reconhecimento da união estável alegando ter tido um relacionamento de quase duas
décadas e que teria residido com o suposto companheiro, com quem teve uma
filha, hoje com 20 anos de idade. Em contrapartida, o homem - apoiado por duas
testemunhas (incluindo a esposa com quem é casado há 49 anos) - alegou nunca
ter morado com a autora e sustentou que os dois mantiveram apenas uma relação
extraconjugal.
Entende-se por famílias paralelas ou
simultâneas aquelas em que um dos componentes - já casado ou em união estável -
possui vínculos familiares de igual magnitude com uma terceira pessoa. Apesar
de comuns, o reconhecimento de famílias simultâneas ainda se trata de um tabu
em nossa sociedade e, quando estas situações chegam aos tribunais, geralmente
são debatidas baseadas em princípios de moralidade.
Antigamente os filhos havidos fora do casamento
eram considerados ilegítimos e somente com o advento da Constituição Federal
todos os filhos passaram a ter os mesmos direitos. Além disso, a união estável
passou a ter as mesmas proteções legais que o casamento passando a ser
considerada uma das formas de família.
Acompanhando as mudanças na sociedade, hoje em
dia a família não se trata mais de um conceito de natureza matrimonial com
soberania do homem perante a mulher, mas sim, um espaço de amor e de afeto com
equalização de direitos, legitimação de todas as formas de filiação e
reconhecimento de vários formatos de famílias que inclusive rompem o formato
tradicional e patriarcal e incluem pessoas do mesmo sexo e famílias
monoparentais.
Sendo assim, reconhecer uma união paralela como
união estável é coerente partindo do princípio de que se trata de uma família
idêntica a qualquer outra: formadas por livre escolha, têm como base o amor e
geram filhos que são frutos desta união. Este reconhecimento assegura à
companheira o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, prevista na
Constituição Federal.
Debora Ghelman - advogada especializada em Direito Humanizado nas áreas de
Família e Sucessões, atuando na mediação de conflitos familiares a partir da
Teoria dos Jogos.
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