Viver e não ter a vergonha de ser triste
Psicóloga da
Unicamp diz que procura descabida pode levar à depressão e ansiedade
Crescemos
ouvindo histórias que terminam com finais “felizes para sempre”. Como se,
depois de superadas todas as adversidades, o caminho adiante fosse apenas um: a
tristeza dando lugar à felicidade. Assim como o príncipe ou a princesa encantada, essa mensagem se apegou
ao imaginário social e se transformou em obsessão: nosso objetivo de vida é ser
feliz, a qualquer custo. O problema é que buscamos isso nas motivações erradas,
segundo a psicóloga Ana Gabriela Andriani, mestre e doutora pela Unicamp: na
comparação com o outro, em dinheiro, posses e sucesso.
Mas o que é
ser feliz, afinal? A nossa felicidade é a mesma que para outras pessoas? E se
não é no dinheiro ou no sucesso, onde a encontramos? “A primeira coisa que
precisamos entender é que a felicidade possui uma dimensão objetiva e outra subjetiva. A primeira se refere às
condições da pessoa, ou seja, questões econômicas, de saúde e até do nível de
criminalidade e violência do local onde vive. Em resumo, a qualidade de vida
que ela tem”, afirma a especialista.
Tudo isso
influencia na sensação de bem-estar e, portanto, de felicidade. “Uma pessoa que
está em condições financeiras muito difíceis ou que está doente obviamente não
se sente feliz. Quando ela passa a ganhar mais, ter melhor acesso à saúde e educação,
sente um maior bem-estar e, consequentemente, fica mais feliz. Isso mostra que
questões materiais e de estrutura social e econômica são, sim, importantes para
a sensação de felicidade”, diz Ana Gabriela.
Porém, a
psicóloga afirma que esse aumento de bem-estar não é sempre proporcional ao
êxito financeiro, por exemplo. Para embasar isso, ela cita o livro
“Felicidade”, do economista e filósofo Eduardo Giannetti. Nele, há pesquisas
das últimas décadas que mostram que, a partir de um determinado nível econômico,
o ganho financeiro de uma pessoa não mais interfere em sua sensação de
felicidade. Como exemplo são citados casos de pessoas que moram em países muito
pobres. Quando essas dificuldades são superadas e elas passam a ter boas
condições de saúde e um nível melhor de vida, isso interfere diretamente na sua
sensação de bem-estar e de felicidade. Mas, a partir de um determinado nível de
ganho – que, as pesquisas sugerem, está em torno de mais de 10 mil dólares por
ano – essa felicidade não é mais influenciada pelo dinheiro.
Felicidade fugaz
Copo meio cheio ou meio vazio
Esses dados
indicam a existência dessa dimensão subjetiva para a felicidade, que nós não
conseguimos definir exatamente qual é. “Vivemos em uma busca incessante pela
felicidade hoje em dia. Parece que temos obrigação de sermos felizes, mas a
gente não sabe dizer exatamente o que nos faz feliz. É muito comum associarmos
a sensação de felicidade a desejos e conquistas materiais. Acreditamos que, se
ganharmos mais ou se compramos uma casa maior, seremos mais felizes. Mas isso é
fugaz: essa sensação boa, de quando consumimos algo, é efêmera, não se sustenta
ao longo do tempo”, analisa a psicóloga.
Por esse
motivo, pessoas consumistas precisam sempre comprar algo novo: é uma tentativa
de manter a sensação de bem-estar, já que ela passa muito rápido. Ao relacionar
felicidade a falta de sofrimento e tristeza ou ter muitos bens materiais,
geramos mais depressão e ansiedade do que boas sensações.
Viver e não ter a
vergonha de ser...triste
Achamos que
não podemos estar tristes: temos que ser, o tempo todo, felizes, motivados, com
alta performance e não podemos passar por momentos de desmotivação, tristeza,
frustração ou reflexão. Segundo Ana Gabriela, esse é um dos motivos pelos quais
mais se observa um aumento no consumo de antidepressivos e ansiolíticos. “A
frustração tem a ver com o descompasso que existe entre o que a gente sonha e o
que é possível fazer na realidade. Pensamos que o mundo sempre se encaixará
perfeitamente ao que queremos. E isso não é verdade: essa falta de vazios e de
frustrações não é possível”, diz.
Como
exemplo do prejuízo que essa ideia pode trazer às nossas vidas e aos dos que
nos rodeiam, a psicóloga cita os pais superprotetores, que tentam fazer com que
os filhos não entrem em contato com as frustrações. “Isso é um prejuízo para a
criança, porque a vida, no geral, terá muitas faltas, sensações de
incompletude, e, se ela não conseguir viver com isso, persistir e lutar pelo
que quer, poderá cair numa situação de frustração paralisante e mais depressiva,
já que não terá aprendido a lidar com esse sentimento.”
O outro e as redes
sociais
Outro erro
é desejar ser feliz da mesma maneira que os outros. E as redes sociais têm
grande peso nesse equívoco: consumimos relatos de ostentação como meta de
felicidade, imaginando que, se tivermos o emprego daquela pessoa, as roupas ou
as posses iguais às dela, seremos mais felizes. “Isso também é muito
prejudicial, porque há sempre uma comparação com o outro – e as redes estimulam
muito essa comparação – mas o que é postado no Instagram ou no Facebook é o
retrato de momentos de felicidade, de conquistas ou de prazer, não a rotina.
Então, a tendência é achar sempre que está aquém e que é menos que o outro. Mas
isso vai sempre acontecer: a gente nunca vai ser igual ao outro, sempre
existirá alguém que tenha mais ou que é algo a mais do que a gente. Ficar nessa
busca por ser igual a alguém é muito prejudicial”, afirma a especialista.
Felicidade nos
pequenos momentos
Tudo isso
indica que não seremos nunca felizes? Não, claro que não. Mas é preciso
desmistificar o que é a felicidade e que ela é permanente, quando na verdade é
um estado, em geral, momentâneo. É comum pensarmos que, ao fazer uma viagem ou
iniciarmos um novo trabalho, encontraremos a felicidade. É a ideia equivocada
do “felizes para sempre”, o lugar mágico onde não existem mais problemas.
“Gosto de
uma frase do Guimarães Rosa em que ele diz ‘Felicidade se acha em horinhas de descuido’. Acho que ele dá dicas importantes para a gente quando fala sobre isso,
porque está dizendo que nós vivemos momentos de felicidade e que, além de serem
momentos, ou seja, não ser uma sensação permanente, muitas vezes descobrimos
que estamos felizes ou temos a sensação de bem-estar quando menos esperamos ou
quando não está planejado”, afirma Ana Gabriela.
Devemos,
então, aceitar a felicidade como um momento e não um estado constante – e
aproveitar isso. Estar de acordo com seus valores também pode proporcionar
bem-estar. E chegar a um entendimento de nós mesmo também é um jeito de ser
feliz. “No trabalho de psicoterapia, quando entendemos quem somos e o sentido
do que estamos fazendo, dá muita sensação de bem-estar. A dimensão subjetiva da
felicidade tem a ver com o modo como você sente a sua vida, como você se
relaciona com ela e seus afetos, e como faz suas escolhas. A felicidade é algo
que acontece dentro da gente”, finaliza.
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