"GUIAS CEGOS"!
“Guias cegos, que coais o mosquito e tragais o camelo” (Mt 23,
24)
Em pleno século XXI, os moradores de Criciúma, em Santa Catarina, experimentaram
a derrubada dos muros e a invasão dos bárbaros. Nada sei sobre estes novos
vândalos que habitam um submundo ao qual não tenho acesso, mas sei quem não
pode ser inocentado quanto ao fato. Esse é um contingente muito mais numeroso e
visível.
Não posso isentar de
responsabilidade os autores do discurso segundo o qual “no Brasil se prende
demais”. Ora, no primeiro semestre deste ano, criminosos que circulam em nossas
ruas com a liberdade dos pássaros cometeram 25,7 mil homicídios. Acresça-se
que, segundo o CNJ, apenas algo entre 5 e 8% dos homicídios são investigados! E
que, nessas mesmas ruas, também circulam traficantes, estupradores, ladrões e
assaltantes a infernizar o dia a dia do brasileiro. E mesmo assim, temos presos
em excesso? Precisamos de políticas de desencarceramento? Progressão automática
de regime? Vítimas abandonadas e vantagens para os criminosos, à nossa custa?
Não isento os muitos
magistrados mais preocupados com sua visão sócio-política da criminalidade (não
por acaso equivocada, porque ideologizada) que considera o crime contra o
patrimônio como uma forma de ato político, de ajuste de contas sociológico,
espécie de proclama revolucionário contra o direito de propriedade. Então,
quando impossível não contornar o determinado pelo Código Penal, mandam o réu
para o “sempre-aberto”, assim chamado por que está aberto, sempre, para as
mesmas ruas de onde operavam antes da pantomima judiciária.
Como não ver a culpa dos
ministros do STF? Quando o térreo do edifício judiciário prende por motivos
graves, na luxuosa cobertura ministros soltam por motivos fúteis, no exercício
de uma benignidade não virtuosa, filha da insensibilidade típica de quem vive
entre canapés e lagostas ao thermidor. Ao mesmo tempo, sensíveis como flores de
gardênia, tomam-se de ira punitiva se algo ou alguém os desagrada
pessoalmente...
Como inocentar nossos
congressistas que deliberam sobre leis penais e processuais com o descarado
intuito de favorecer os réus, situação de muitos deles, em detrimento da
sociedade e em desrespeito às vítimas? Ampliaram o novelo das garantias e
recursos, algemaram os agentes da persecução criminal e dos magistrados com uma
lei sobre abuso de autoridade que inibe (poderia dizer coíbe) sua atividade.
Tiveram o desplante de criar um “civilizatório” juiz de garantias enquanto se
torna crescentemente ferina a vida nas calçadas, nas ruas, nas estradas e na
Criciúma ou na Cametá de cada dia.
Como perdoar os ministros do
STF que votaram pelo retorno à interpretação de que a pena só pode ser cumprida
após trânsito em julgado, por esgotamento de todas as instâncias recursais?
Restauraram a impunidade, o império da chicana, a aposentadoria vitalícia das
denúncias.
Como não ver, ao mesmo tempo,
que aumenta o rigor contra crimes que por motivos políticos têm especial
rejeição da esquerda? Como não ver esses “guias cegos que filtram mosquitos e
engolem camelos”?
Percival Puggina - membro da Academia
Rio-Grandense de Letras e Cidadão de Porto Alegre, é arquiteto, empresário,
escritor e titular do site Conservadores e Liberais (Puggina.org); colunista de
dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo;
Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil pelos maus
brasileiros. Membro da ADCE. Integrante do grupo Pensar+.
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