A especialista em transtorno compulsivo alimentar alerta para os cuidados com as "pegadinhas" desse conceito
Nas últimas décadas o movimento “comfort food” -
comida confortável- vem ganhando muitos adeptos, uma vez que surgiu pra descrever
aquele prato, muitas vezes bem simples, que proporciona um aconchego especial,
uma conexão com momentos especiais e tende a despertar emoções por meio do
paladar, com receitas que remetam a situações vividas com pessoas
especiais. Ao valorizar esse conceito, seguimos na contramão de uma
sociedade cada vez mais carente de tempo pra desfrutar da companhia de pessoas
queridas e de uma refeição de qualidade.
De um modo geral, pode-se dizer que alimentos
quentes, fartos e com tempero caseiro tendem a passar essa impressão de
acolhimento pra muita gente, comenta a psicóloga e coordenadora do AMBULIM na
USP e especialista em transtornos compulsivos alimentares (TCA), Valeska
Bassan. Ela acrescenta que o processo não envolve apenas a comida em si, e sim
a experiência do “comer” com tranquilidade, dando preferência para alimentos
nutritivos e naturais.
No entanto, é preciso ficar atento ao conceito em
que o movimento é apresentado de uma forma em que a única função é de emocionar
e não precisa ser saudável. Essa é uma grande pegadinha para quem sofre com
patologia psicológica, como os transtornos alimentares, uma vez que a comida
está diretamente ligada às emoções e quando ocupa um lugar de tampar as emoções
e feridas, não costuma ser algo positivo, muito pelo contrário.
“Os hábitos alimentares tem diferentes significados
para cada um. Se a ansiedade o incentiva a comer e após ingerir grandes
quantidades de alimentos o sentimento de culpa predominar, o “comfort food” não
esta exercendo seu papel.”, explica Valeska.
No século 18, o escritor francês
Marcel Proust atribuiu ao paladar e ao olfato a função de “convocar o passado”.
Na obra “Em Busca do Tempo Perdido”, publicado entre os anos de
1913 e 1927, o sabor das madeleines e de uma xícara de chá
ativam no protagonista as lembranças de sua infância.
Para Valeska é importante essa conexão real com as
lembranças por meio da alimentação, mas é fundamental saber identificar e ter
consciência alimentar, não deixando isso tornar-se um hábito. ”O querer comer,
a vontade de comer algo específico ou besteiras em geral pode ser programada.
Por exemplo, quando você se organiza para comer pizza às sextas-feiras - terá
um encontro com amigos. Sendo assim é possível controlar a vontade para aquele
dia, de forma moderada. Dificilmente sentimos uma saudade enorme de comer uma
salada que lembra um momento especial.”, ressalta.
Segundo a Organização Mundial da Saúde, aproximadamente 2,6% da população mundial sofre de Transtorno Compulsivo Alimentar (TCA). O Brasil tem uma das taxas mais altas do mundo, de 4,7%, quase o dobro da média mundial, sendo mais recorrente entre jovens de 14 a 18 anos. O transtorno se caracteriza pela ingestão, em um curto período de tempo, de uma quantidade exagerada (e desnecessária) de alimentos, seguida de um enorme arrependimento. As pessoas com TCA não conseguem parar de comer mesmo tendo a sensação de saciedade e desconforto abdominal, e é normal que ela prefira fazer isso sozinha, uma vez que sente uma enorme culpa e vergonha desses episódios de compulsão
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