O Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) ajuizou no Supremo Tribunal Federal (STF) Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 6574), com pedido de liminar, requerendo que a perda do mandato por infidelidade partidária, prevista no artigo 22-A da Lei dos Partidos Políticos (Lei 9.096/1995), na redação dada pela Lei 13.165/2015, se aplique também aos detentores de mandato eletivo majoritário que se desliguem sem justa causa da agremiação pela qual foram eleitos.
O
principal argumento utilizado é que o financiamento de campanhas provém, em sua
quase totalidade, de recursos públicos do Fundo Partidário e do Fundo Especial
de Financiamento de Campanha, calculados de acordo com o desempenho do partido
nas eleições proporcionais. Para o PSDB, se o candidato utilizou recursos
desses fundos, ele deve fidelidade ao partido que investiu em sua candidatura.
A
Constituição da República, em seu artigo 17, §1º, que “É assegurada
aos partidos políticos autonomia para definir sua estrutura interna e
estabelecer regras sobre escolha, formação e duração de seus órgãos permanentes
e provisórios e sobre sua organização e funcionamento e para adotar os
critérios de escolha e o regime de suas coligações nas eleições majoritárias,
vedada a sua celebração nas eleições proporcionais, sem obrigatoriedade de
vinculação entre as candidaturas em âmbito nacional, estadual, distrital ou
municipal, devendo seus estatutos estabelecer normas de disciplina e fidelidade
partidária”.
O
artigo 25 da Lei dos Partidos estabelece que “O estatuto do partido poderá estabelecer, além das
medidas disciplinares básicas de caráter partidário, normas sobre penalidades,
inclusive com desligamento temporário da bancada, suspensão do direito de voto
nas reuniões internas ou perda de todas as prerrogativas, cargos e funções que
exerça em decorrência da representação e da proporção partidária, na respectiva
Casa Legislativa, ao parlamentar que se opuser, pela atitude ou pelo voto, às
diretrizes legitimamente estabelecidas pelos órgãos partidários”.
José
Jairo Gomes estabelece que a fidelidade partidária “confere novos contornos à
representação política, pois impõe que o mandatário popular paute sua atuação
pela orientação programática do partido pelo qual foi eleito”. José
Afonso da Silva “A fidelidade partidária pode ser entendida como acatamento das
diretrizes e dos objetivos partidários por parte do filiado”.
Portanto, o instituto da fidelidade partidária consiste na obrigação do filiado
obedecer às diretrizes programáticas e não abandonar a legenda pela qual foi
eleito, sob pena de perda do mandato eletivo.
O
Supremo foi instado a analisar a Resolução 22.610/07, do Tribunal Superior
Eleitoral (TSE), que disciplina o processo de perda de mandato eletivo por
infidelidade partidária dos detentores de mandato proporcional (deputados e
vereadores). O STF por 9 votos a 2 declarou a constitucionalidade da resolução
do TSE.
O
sistema proporcional é adotado para a eleição de Vereadores, Deputados
Estaduais e Deputados Federais. Pelo sistema proporcional, o número de cadeiras
que cada partido terá na Casa Legislativa relaciona-se à votação obtida na
circunscrição. Com efeito, o eleitor escolhe um candidato da lista apresentada
pelo partido (não é possível candidatar-se sem filiação a um partido), não
havendo ordem predeterminada dos que serão eleitos, como ocorre no sistema de
lista fechada. A ordem de obtenção das cadeiras pelos candidatos é ditada pela
votação que individualmente obtiveram. Porém, o sucesso do candidato dependerá,
de modo decisivo, da quantidade de votos que o partido ao qual ele está filiado
recebeu.
O
total de votos válidos recebidos por todos os candidatos e partidos é dividido
pelo número de cadeiras a preencher. Esse resultado corresponde ao denominado
quociente eleitoral. Se um partido não obtiver número de votos pelo menos igual
ao quociente eleitoral, não elegerá nenhum candidato. O passo seguinte é
dividir o número de votos obtidos por cada partido ou coligação partidária pelo
quociente eleitoral. Esse resultado corresponde ao quociente partidário e
equivale ao número de candidatos eleitos pelo partido. A ordem de preferência
dos candidatos é determinada pelo eleitor, na medida em que obterão as cadeiras
os candidatos individualmente mais votados no partido, até o limite do
quociente partidário. Ou seja: para eleger-se, o candidato depende dos votos
obtidos pelo partido (quociente partidário) e de sua votação própria.
Diversamente
é o sistema majoritário (presidente da República, governadores, senadores e
prefeito), na medida em que dependerá exclusivamente dos votos do candidato e
não da agremiação.
O
Supremo, analisando a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.081-DF,
promovida pela Procuradoria Geral da República, decidiu a questão, nos
seguintes termos: “O sistema majoritário, adotado para a eleição de
presidente, governador, prefeito e senador, tem lógica e dinâmica diversas da
do sistema proporcional. As características do sistema majoritário, com sua
ênfase na figura do candidato, fazem com que a perda do mandato, no caso de
mudança de partido, frustre a vontade do eleitor e vulnere a soberania popular
(CF, art. 1º, par. ún. e art. 14, caput)”.
Após
esse julgamento, a Lei dos Partidos foi alterada (Lei 13.165, de 29 de setembro
de 2015) para incluir o artigo 22-A, que assim dispõe: “Perderá o
mandato o detentor de cargo eletivo que se desfiliar, sem justa causa, do
partido pelo qual foi eleito”. O parágrafo único, do mencionado
artigo, traz as hipóteses de justa causa: a) mudança substancial ou desvio
reiterado do programa partidário; b) grave discriminação política pessoal; e c)
mudança de partido efetuada durante o período de trinta dias que antecede o
prazo de filiação exigido em lei para concorrer à eleição, majoritária ou
proporcional, ao término do mandato vigente.
Observa-se
que o referido dispositivo não faz qualquer distinção entre mandato obtido pelo
sistema proporcional ou majoritário, aplicando-se ao “detentor de
cargo eletivo”, independentemente de sua natureza. Pautando-se
nesse entendimento o PSDB manejou a ADI 6574.
Cumpre
ressaltar que o TSE, desconsiderando a inovação legislativa, editou a Súmula
67, no sentido da decisão do STF na ADI 5081/DF, nos seguintes: “A perda do
mandato em razão da desfiliação partidária não se aplica aos candidatos eleitos
pelo sistema majoritário”.
Em
que pese o artigo 22-A da Lei 9096 tenha deixado um espaço para à aplicação da
infidelidade partidária também para o sistema majoritário (senador, presidente
e prefeito), tal entendimento não merece prosperar.
Nesse
sentido destaco trecho do voto do Ministro Roberto Barroso, relator tanto da
ADI 5.081-DF, como na ADI 6574-DF, que evidencia a tendência da Corte Suprema
no sentido da não aplicação da regra de fidelidade partidária ao sistema
majoritário: “A soberania popular integra o núcleo essencial do princípio democrático,
dessarte, não se afigura legítimo estender a regra da fidelidade partidária ao
sistema majoritário, por implicar desvirtuamento da vontade popular vocalizada
nas eleições. Tal medida, sob a justificativa de contribuir para o
fortalecimento dos partidos brasileiros, além de não ser necessariamente idônea
a esse fim, viola a soberania popular ao retirar os mandatos de candidatos
escolhidos legitimamente por votação majoritária dos eleitores”.
Vamos aguardar cenas dos próximos capítulos.
Marcelo Aith - advogado
especialista em Direito Público e professor convidado da Escola Paulista de
Direito
Nenhum comentário:
Postar um comentário