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quarta-feira, 20 de março de 2019

Pátria ansiosa


De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), o povo brasileiro é considerado como o mais ansioso do mundo. Trata-se de uma afirmação que, em um primeiro momento, pode originar profunda estranheza, haja vista que a partir de determinado imaginário cultural, somos reconhecidos como um povo cordial, acolhedor e afeito às mais diversas festividades.

Não somos o país que só começa a trabalhar após o Carnaval, afinal?

Segundo o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, dentre diferentes acepções, ansiedade pode ser definida como um “estado afetivo penoso, caracterizado pela expectativa de algum perigo que se revela indeterminado e impreciso, e diante do qual o indivíduo se julga indefeso”.

Nesse sentido, há alguns aspectos presentes nesta definição que merecem nossa atenção. Nota-se que a ansiedade, enquanto estado afetivo penoso, é decorrente da expectativa de um perigo indeterminado e impreciso. Quando refletimos e atuamos diante deste perigo indeterminado e impreciso no campo da Psicologia Clínica, por exemplo, é mister que se procure construir com o sujeito que temos sob nossos cuidados representações que simbolizem este perigo até então indeterminado. 

O que o sujeito teme? O que lhe acontecerá de mau no futuro? Conseguindo construir ou desvelar os objetos que originam a expectativa de perigo, o sujeito poderá organizar estratégias para se defender e se reposicionar diante daquilo que, até então, causava-lhe mal-estar e desconforto.

Destacamos, portanto, um importante aspecto da ansiedade que muitas vezes é relegado ao segundo plano, a saber: seu potencial de convocar o sujeito a se reposicionar e atuar ativamente diante daquilo que lhe gera sofrimento.

Em que pesem as considerações elencadas acima, a pesquisa da OMS apresenta seus resultados em caráter coletivo, isto é, de acordo com os resultados divulgados, é a população brasileira que se revelou como a mais ansiosa do mundo. 

Neste sentido, poderíamos estabelecer uma generalização entre aquilo que possivelmente mobiliza um sujeito e aquilo que mobiliza uma população? Quais os objetos ou fenômenos que tornaram a população brasileira a mais ansiosa do globo?

Devemos, então, utilizar toda a nossa suposta ‘cordialidade’ para acolher e dar as boas-vindas a esta ansiedade e que - enquanto estado afetivo penoso caracterizado pela expectativa de algum perigo que se revela indeterminado e impreciso - possamos refletir e atuar diante desta indeterminação, encontrando os objetos de perigo e, a partir deste encontro, promover conscientização política e mobilização social diante daquilo que, até então, parecia nos deixar completamente indefesos. 

De acordo com esta perspectiva, a ansiedade mais do que revelar um mal-estar, pode também representar um importante catalisador para transformação da realidade brasileira. Bem-vinda, ansiedade!





Eduardo Fraga - professor de psicologia da Universidade Presbiteriana Mackenzie e está disponível para entrevistas. Caso precise de foto do especialista, por favor, entre e contato. 


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