A atividade econômica no Brasil é pautada pelo
fomento do Estado. Ou é o Estado financiando, ou desonerando, ou isentando, ou
imunizando. Da mesma forma, as relações sociais são pautadas pelo Estado,
partindo da perspectiva de que os cidadãos são incapazes de conciliar seus
interesses por conta própria. Ou o Estado media ou será o caos. Igualmente, o
Estado financia as atividades religiosas, criando verdadeiros oásis de isenções
e imunidade para templos e atividades vinculadas aos ofícios religiosos, como
se o ministério de Deus só fosse possível com a mão santa do poder público (e
laico!). E não esqueçamos das empresas de comunicação – jornais, revistas,
tevê, editoras etc. – que, igualmente, recebem benesses do Estado para o
exercício de sua atividade cidadã de informar e instruir. Também as escolas e
universidades têm apoio do poder público. Da mesma forma, o chamado Sistema S
(Senai, Senac, Sesi, Sesc, Sebrae, Senar) recebe auxílio do Estado.
Na verdade, a lista não tem fim. Somos uma
sociedade enredada aos recursos do Estado e aparentemente incapazes de nos
livrar desse engodo. Um vício de nascença. Praticamente toda iniciativa tem o
dedo do Estado. Privatizações? O BNDES foi o maior “comprador”. Financiamento
da cultura e artes? A Lei Rouanet troca o “apoio” da iniciativa privada por
isenções. Ampliação de vagas nas faculdades, maior oportunidade de formação
para os jovens pobres? O governo paga essas vagas por meio do ProUni. Mesmo
assim, muitas empresas não recolhem as contribuições previdenciárias, não pagam
o FGTS devido, não honram suas dívidas com juros subsidiados do BNDES ou Caixa
Econômica. E o que acontece? O Refis. O governo abate até 90% das dívidas em
troca de um novo acordo de pagamento.
Recentemente descobriu-se que as ONGs entraram
nessa festa. Muitas delas, fortemente subsidiadas por patrocínios ou repasse de
verbas, cresceram à sombra do poder público. Um verdadeiro oxímoro. Pegaram
carona no que muitos institutos, fundações, associações de assistência já
faziam há muito tempo. Ninguém vive sem o governo.
Diante desse cenário do que se pode chamar de
capitalismo de laços, esse patrimonialismo de anfitriões e convivas às custas
dos impostos diretos e (principalmente) indiretos, pagos pela imensa maioria da
população, não deveriam ser de estranhar os escândalos de corrupção. Eles são a
rombuda ponta do iceberg de uma cultura econômica e política na qual o
desenvolvimento de qualquer atividade – com raras e honrosas exceções – acaba
esbarrando na possibilidade de um enquadramento em uma lei ou portaria ou
decreto ou resolução na qual é possível obter um financiamento subsidiado ou
uma desoneração ou isenção ou uma renegociação da dívida. Se o presidente da
ONG Afroreggae, José Junior, não consegue mais pagar as contas porque a
Petrobras não financia mais o seu projeto social, ele não é exceção. Ele é
apenas mais uma cara desse país descarado.
Daniel Medeiros - doutor em Educação Histórica pela UFPR e
professor do Curso Positivo.
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