Uma "indignidade absoluta". Essa foi a reação do
presidente Michel Temer sobre a possibilidade de uma de suas conversas com o
ex-titular da Cultura Marcelo Calero ter sido gravada pelo próprio ex-ministro.
"Com toda franqueza, gravar clandestinamente é desarrazoável. Um ministro
gravar o presidente da República é gravíssimo, quase indigno", emendou. E disse
que jamais teria a coragem de gravar uma conversa com alguém.
Meses depois, dessa vez a suposição virou fato concreto e o
presidente Michel Temer foi gravado no Palácio Jaburu pelo empresário Joesley
Batista, do Grupo JBS. Mas afinal, essas gravações têm validade como prova? Não
é crime gravar um Presidente da República?
Embora moralmente a conduta possa ser considerada reprovável, não
é ilegal. No caso do ex-Ministro da Cultura a ressalva é que se no diálogo
fossem tratadas questões sigilosas, e posteriormente divulgadas, o mesmo
poderia atentar contra a Lei de Segurança Nacional (Lei 7.170/1983), que define
os crimes que “lesam ou expõem a perigo de lesão a pessoa dos chefes dos
Poderes da União”.
No que tange a gravação do empresário, a mesma revela uma torpeza,
que se expressa na atitude especulativa de alguém acuado pelo Ministério
Público em busca de algo incriminador (qualquer coisa), contra o chefe de
Estado da República. Ademais, convenhamos, se o diálogo entre ambos, se
desenvolveu nesse nível é porque Joesley Batista esperava que seu interlocutor
– a mais alta autoridade do país – estaria receptivo ou ao menos sensível a
esse tipo de abordagem.
O que se espera de um presidente é que, numa situação assim, ele
imediatamente denuncie o grave crime que estava se desenhando na sua frente. A
julgar pelo que até agora sabemos, o presidente Temer, na melhor das hipóteses,
aderiu passivamente ao crime.
Em relação a gravação, o Supremo Tribunal Federal, após reconhecer
repercussão geral sobre a matéria, validou a licitude da gravação ambiental
realizada por um dos interlocutores para utilização em processo penal (RE
583.937, rel. Min. Cezar Peluzo, DJ de 18.12.2009, decisão essa recentemente
confirmada naquela Corte: “EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO
COM AGRAVO. DIREITO PENAL. LICITUDE DA GRAVAÇÃO AMBIENTAL FEITA POR UM DOS
INTERLOCUTORES. JURISPRUDÊNCIA REAFIRMADA EM REPERCUSSÃO GERAL. ALEGAÇÃO DE
AFRONTA AO ART. 5º, INCS. LIV E LV, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA: AUSÊNCIA DE
REPERCUSSÃO GERAL. PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL. NATUREZA INFRACONSTITUCIONAL.
AUSÊNCIA DE OFENSA CONSTITUCIONAL DIRETA. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA
PROVIMENTO. ARE 933530 AgR / RS – RIO GRANDE DO SUL.” AG.REG. NO RECURSO
EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA. Julgamento:
01/03/2016.
Cabe frisar que o empresário não está isento das suas
responsabilidades, que serão objeto de negociação no acordo de colaboração Ele
está entregando a sua atividade criminosa, que inclui como prova o diálogo em
questão.
Foi aventada a hipótese que esta gravação estaria orientada por
algum órgão de investigação, através de uma técnica especial de investigação,
denominada de ação controlada, prevista no artigo 3º, III da Lei 12.850/13, que
consiste em retardar a intervenção policial ou administrativa relativa à ação
praticada por organização criminosa ou a ela vinculada, desde que mantida sob
observação e acompanhamento para que a medida legal se concretize no momento
mais eficaz à formação de provas e obtenção de informações.
A questão nesse caso consiste em saber se a investigação
ultrapassou os limites da ação controlada, tendo em vista que não pode haver
nenhum tipo de interferência no comportamento de quem vai ser investigado ou
preso, para não se tornar um flagrante preparado. Se as não ações são
espontâneas, à prova é passível de nulidade.
Agora, a questão está na mão do STF, mais precisamente do ministro
Edson Fachin, que tem a responsabilidade de analisar a validade dessas
gravações, e decidir se aceita ou não a denúncia do Procurador Geral da
República.
Jorge Calazans - advogado especialista
em Direito Penal e Processo Penal e sócio do escritório Yamazaki, Calazans e
Vieira Dias Advogados
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