No Brasil, águas costeiras aquecem acima da média global, o país lidera emissões de plástico para o oceano nas Américas e ondas de calor marinhas ameaçam pesca e aquicultura
Nenhuma região do oceano escapou dos impactos combinados da mudança climática, da perda de biodiversidade e da poluição. A constatação é do nona edição do Copernicus Ocean State Report(Relatório Copernicus sobre o Estado do Oceano, em português), divulgado nesta terça-feira (30) pelo Serviço Marinho Copernicus, da União Europeia.
Responsável por absorver 90% do calor excedente gerado pelas emissões de gases de efeito estufa, o oceano está se aquecendo em ritmo acelerado. Os impactos são diretos sobre ecossistemas, pesca, cadeias alimentares, culturas costeiras e a própria estabilidade climática do planeta.
O relatório é considerado uma das
principais referências globais para a formulação de políticas oceânicas e
climáticas. “Estamos perigosamente próximos de ultrapassar os limites
planetários: todas as partes do oceano agora são afetadas pela tripla crise
planetária”, afirmou Pierre Bahurel, diretor-geral da Mercator Ocean
International, responsável pela implementação do serviço.
O levantamento — elaborado por cientistas ligados ao
programa europeu de monitoramento da Terra — alerta para o desequilíbrio do
sistema climático global e reforça o papel do oceano como indicador e regulador
das mudanças em curso.
No
Brasil, a costa atlântica registra aquecimento acima da média global. O país
também lidera o lançamento de plástico no oceano entre as nações das Américas.
As ondas de calor marinhas, cada vez mais frequentes, impõem risco crescente à
pesca e à aquicultura.
A cientista Karina von Schuckmann, presidente da
iniciativa, reforça que a compreensão científica é a chave para orientar
decisões públicas. “O oceano está mudando rapidamente. Sabemos o porquê e
conhecemos os impactos. Esse conhecimento é um plano de ação para restaurar o
equilíbrio entre humanidade e natureza.”
Recordes
de calor e colapso nos ecossistemas
Desde
a década de 1960, o aquecimento oceânico vem ganhando velocidade, indicando que
o sistema da Terra está perigosamente desequilibrado devido às mudanças climáticas.
Em 2024, a temperatura média da superfície do mar chegou a 21 °C — a mais alta
já registrada. Embora variações pareçam pequenas, a elevação térmica tem
efeitos devastadores em todo o sistema climático.
Em 2023 e 2024, o oceano passou por ondas de calor
que superaram os picos históricos de 2015 e 2016 em 0,25 °C. No Atlântico,
houve locais que permaneceram mais de 300 dias sob condição de onda de calor
marinha. Os efeitos são visíveis: colapso de estoques pesqueiros, perda de
espécies e prejuízos crescentes para comunidades costeiras.
No Atlântico Tropical Norte, 2023 registrou a onda de calor marinha mais intensa da história. Ilhas do Caribe enfrentaram mais de 250 dias seguidos de calor extremo. Entre Colômbia e Brasil, foram mais de 180 dias — seis meses — de temperaturas anormalmente elevadas.
Os efeitos são visíveis: colapso de estoques pesqueiros, perda de espécies e prejuízos crescentes para comunidades costeiras. No Mediterrâneo, a onda de calor de 2023 elevou a temperatura da água em até 4,3 °C acima da média, favorecendo espécies invasoras e dizimando cultivos tradicionais, como as amêijoas no delta do rio Pó, na Itália.
Biodiversidade ameaçada
O relatório mostra que áreas de alta biodiversidade
estão acidificando mais rápido que a média global. O fenômeno, somado ao
aumento da temperatura e à poluição por plásticos, compromete a sobrevivência
de espécies já vulneráveis.
Os
recifes de corais são um exemplo da sobreposição de pressões. O estudo destaca
que 75% dos países que mais poluem o oceano com plástico — mais de 10 mil
toneladas por ano — têm recifes em situação crítica.
A migração de micronekton (pequenos organismos marinhos que sustentam a cadeia alimentar) em direção aos polos evidencia uma transformação silenciosa, mas profunda, dos ecossistemas oceânicos.
Poluição plástica global
Resíduos plásticos oriundos de todos os continentes já
atingem todas as bacias oceânicas. No recorte latino-americano, o Brasil
aparece como o maior emissor de plástico para o mar. Corais da costa leste da
América do Sul e do Caribe estão entre os mais ameaçados.
No
Pacífico da América Central e do Sul, zonas altamente produtivas encolheram
mais de 25% desde 1998, afetando algumas das pescarias mais ricas do mundo.
Degelo polar e aumento do nível do mar
As regiões polares seguem batendo recordes
negativos de cobertura de gelo. No Ártico, entre dezembro de 2024 e março de
2025, foram registrados quatro recordes de perda. Em março, havia 1,94 milhão
de km² a menos de gelo marinho em relação à média histórica — uma área
equivalente a seis vezes a Polônia.
Na
Antártida, fevereiro de 2025 marcou o terceiro ano consecutivo de retração da
calota, totalizando uma área quase três vezes maior que a da França.
O nível médio do mar já subiu 228 mm desde 1901. A aceleração preocupa autoridades globais: apenas na Europa, 200 milhões de pessoas vivem em áreas costeiras. Sítios históricos tombados pela Unesco também estão sob risco crescente de inundações nos próximos séculos.
Barômetro Estrela-do-mar
No Dia Mundial dos Oceanos de 2025, durante a UNOC3,
a comunidade científica se comprometeu a publicar o Barômetro Estrela-do-mar anualmente. A edição de 2025 agora está incluída no Ocean
State Report, complementando seus dados científicos abrangentes, e fará
parte de todas as edições futuras, fortalecendo ainda mais o papel do OSR como
referência confiável para ciência e política oceânica.
Sobre o Ocean State Report
O Copernicus Ocean State Report (OSR) é uma publicação anual emblemática do Serviço Marinho Copernicus e é publicado no periódico científico State of the Planet, após um processo independente de revisão por pares. O relatório apresenta descobertas científicas de ponta, apoiadas por poderosos modelos computacionais, observações por satélite e medições in situ. Abrangendo os mares regionais da Europa e o oceano global, atua como uma referência baseada em evidências para a comunidade científica, organismos nacionais e internacionais, tomadores de decisão, partes interessadas da economia azul e o público em geral. Destaca novos métodos e tecnologias para monitorar e prever o oceano, mostrando como as mudanças oceânicas afetam o planeta, as comunidades e as economias. Essa inteligência científica baseada em evidências nos ajuda a compreender e a nos adaptar a um oceano em transformação, orientando políticas para protegê-lo no futuro.
Saiba mais sobre o Ocean State Report e leia edições anteriores, neste link.
Sobre o Serviço Marinho Copernicus
O Serviço Marinho Copernicus é um dos seis serviços do Copernicus,
o Programa de Observação da Terra da União Europeia. O serviço opera análises e
previsões oceânicas e é financiado pela União Europeia. O Serviço Marinho
Copernicus fornece informações de referência regulares e sistemáticas sobre o
oceano Azul (físico), Branco (gelo marinho) e Verde (biogeoquímico e
biológico), tanto em escala global quanto europeia. Seus dados e produtos
apoiam políticas-chave da UE e internacionais, contribuindo para esforços em
redução da poluição, proteção marinha, segurança e navegação marítima, gestão
sustentável de recursos, energia marinha renovável, crescimento azul,
monitoramento climático e previsão do tempo. O serviço também busca aumentar a
conscientização pública, fornecendo aos cidadãos da Europa e do mundo
informações acessíveis sobre questões oceânicas.
Sobre a Mercator Ocean International
A Mercator Ocean International é líder global em oceanografia digital e previsão oceânica. Desde 2014, foi encarregada pela Comissão Europeia de operar o Serviço Marinho Copernicus, fornecendo dados e previsões oceânicas gratuitos e confiáveis para o oceano global. Sua equipe de especialistas científicos projeta, desenvolve e mantém sistemas numéricos de modelagem de ponta que oferecem representações oceânicas 4D abrangentes — incluindo reanálises, simulações retrospectivas (hindcasts), análises em tempo quase real e previsões — nos domínios Azul (físico), Branco (gelo marinho) e Verde (geoquímico e biológico).
A Mercator Ocean lidera o desenvolvimento do European Digital Twin Ocean, em parceria com instituições de toda a Europa, para apoiar a tomada de decisões oceânicas por meio da exploração avançada de cenários preditivos. Atualmente em processo de transformação em uma nova organização intergovernamental, a Mercator Ocean vem fortalecendo ainda mais sua colaboração com parceiros europeus e globais para avançar sistemas e serviços digitais oceânicos em prol de um oceano sustentável.
Mais informações sobre o programa Copernicus, aqui



