“A conscientização sobre o autismo é crucial para que surjam novas iniciativas e políticas públicas”, destaca o defensor público André Naves
No
Brasil, onde cerca de 2 milhões de pessoas têm Transtorno do Espectro Autista
(TEA), a adaptação dos espaços de lazer às necessidades neuroatípicas desses
indivíduos é uma realidade ainda distante. A experiência de quem vive com TEA
não é frescura: apegar-se a objetos e rotinas específicas, apresentar déficit
de comunicação e de interação social; além de grande sensibilidade a estímulos
sensoriais, são desafios enfrentados diariamente.
Algumas
iniciativas vêm surgindo na busca por espaços inclusivos para pessoas com TEA,
mas elas ainda são poucas, se levarmos em conta a extensão de nosso país. O
Instituto Jô Clemente, em São Paulo, por exemplo, promove sessões de cinema
acessíveis para autistas, em salas onde o som é mais baixo e a iluminação é à
meia-luz. Parques temáticos - locais cheios de estímulos sensoriais -, também
já estão se adaptando. O Beto Carrero World, em Santa Catarina, e o Hopi Hari,
em São Paulo, já oferecem, inclusive, descontos e gratuidade para autistas e
acompanhantes.
O
defensor público André Naves, especialista em Direitos Humanos e Sociais,
destaca a importância desses movimentos em prol de uma vida mais leve e
divertida para os autistas. Ele pede que as pessoas estejam atentas para
reduzir o estigma, promover a aceitação e a compreensão das diferenças individuais
de cada um. "A conscientização sobre o autismo é crucial para que surjam
novas iniciativas e políticas públicas inclusivas, para o maior acesso à
diversão e a serviços essenciais. O que vemos até agora é muito pouco",
ressalta.
No
Grupo Chaverim, que funciona na Hebraica, na capital paulista, são oferecidas
diversas atividades recreativas, culturais e educacionais que garantem melhor
qualidade de vida a pessoas com deficiência
intelectual e psicossocial que enfrentam dificuldades de socialização e
comunicação. O local conta com uma equipe multidisciplinar de profissionais
capacitados para atender as necessidades específicas de cada participante,
respeitando suas potencialidades e limitações.
"O
Chaverim é um lugar onde pessoas com vários tipos de transtornos podem se
sentir à vontade, fazer amigos e aprender coisas novas. Meu filho, David, tem
31 anos e é Down com autismo moderado. Na realidade, ele só foi diagnosticado
com autismo há cerca de 1 ano. Ele participa de várias atividades e adora.
Quando não está no Chaverim, prefere locais ao ar livre, onde não há tanto
barulho; mas frequenta até mesmo ‘baladas’ em que o som não é alto", conta
a mãe de David, Sandra Goldzveig.
O
paulistano Allan Zac Marcus é outro frequentador do Chaverim que tem TEA. Ele
aponta que é preciso criar ou adaptar mais espaços de lazer para receber os
autistas. "Eu vou a parques, ao Museu da Língua Portuguesa, que eu adoro,
mas odeio locais com muita gente e com muito barulho. Vou ao Chaverim também
porque lá consigo me relacionar melhor com outras pessoas", explica.
A boa
notícia é que os estádios de futebol também estão se tornando mais inclusivos.
O Corinthians, pioneiro na iniciativa, criou o Espaço TEA na Neo Química Arena,
que atende até 160 pessoas. Outros times, como o São Paulo, o Coritiba e o
Goiás seguiram o mesmo exemplo e já contam com salas sensoriais para torcedores
autistas. Até mesmo nos aeroportos, como o de Congonhas, em São Paulo, espaços
sensoriais estão sendo implantados para proporcionar conforto aos viajantes
autistas.
"Precisamos
que novas iniciativas sejam discutidas e implementadas em todo o país.
Trabalhar por uma sociedade inclusiva deve ser um projeto de todos",
enfatiza André Naves.
Em seu
livro "Como é ser autista", a britânica Charlotte Amelia Poe lembra,
por sua vez, que ambientes mais relaxados beneficiam não apenas autistas, mas a
todos, em uma sociedade cada vez mais agitada. "Ao tornar os espaços
públicos mais acessíveis e amigáveis, mostramos até para quem nunca percebeu, o
quão estressante era visitá-los. Até que esses estímulos desnecessários sejam
removidos", pontua a escritora.
Outros
espaços inclusivos no Brasil:
Parque
da Mônica - São Paulo/SP: Exemplo de recreação inclusiva, o parque oferece a
“Sala do Silêncio” e a “Hora do Silêncio”, reduzindo estímulos sonoros e
visuais; além de entrada gratuita, diariamente, para crianças autistas, e
desconto para acompanhantes.
Ilha
do Mel – Paraná: É considerada a primeira Ilha inclusiva para autistas no Brasil.
Mais de 50 estabelecimentos da Ilha receberam o Selo de Empresa Amiga de Pessoa
Autista por iniciativas em prol da inclusão, após capacitação de empresários e
colaboradores.
Museu
Oscar Niemeyer (MON) - Curitiba/PR: O Museu inaugurou a Sala de Acomodação
Sensorial (SAS), adaptada para acolher não só pessoas autistas, mas todas as
neurodivergentes, ampliando sua ação inclusiva.
Vale
ressaltar que a criação de espaços inclusivos para pessoas autistas vai além da
adaptação física em locais públicos. A neuroarquitetura, um novo modo de pensar
a arquitetura, desempenha papel crucial na satisfação e acolhimento dos
autistas, ao apontar a necessidade de ambientes organizados, com poucos
estímulos visuais e auditivos, contribuindo deste modo para o bem-estar desses
indivíduos.