Apesar da dor causada pelo luto, é comum que muitas vezes apareçam dúvidas e ocorram conflitos relacionados ao direito de herança do(a) companheiro(a).
É importante ressaltar, que a união estável é
reconhecida como entidade familiar pela Constituição
Federal e garante aos companheiros a mesma proteção, com
direitos e deveres, dada aos cônjuges na constância do
casamento.
A união estável é regulada pelo Código Civil de 2002, que em seu artigo 1.723, traz o conceito de união estável e indica os elementos necessários para sua caracterização, quais sejam: “convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família”.
Embora haja a equiparação da união estável ao casamento, o
artigo 1.790 do Código Civil prevê uma diferenciação entre o companheiro e o cônjuge no momento da
sucessão, dispondo que: “A companheira
ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos
onerosamente na vigência da união estável, nas condições
seguintes: I - se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma
quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho; II - se concorrer com
descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada
um daqueles; III - se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a
um terço da herança; IV - não havendo parentes sucessíveis, terá direito à
totalidade da herança’.
Neste caso, a lei coloca o companheiro apenas como
concorrente e não como pertencente a uma classe de herdeiro, diferentemente do
que estabeleceu para o caso do cônjuge sobrevivente. Prevalecendo a regra
estabelecida nesse artigo da lei, seria atribuído ao companheiro cota
menor na herança do que aquela prevista para o cônjuge. Além
disso, ele só se tornaria herdeiro da totalidade do patrimônio se o
falecido não tivesse deixado qualquer parente como pais, avós, irmãos, tios e
sobrinhos.
No mais, o companheiro não teria direito ao recebimento de
bens adquiridos pelo falecido por herança ou doação (título gratuito), salvo se
não houvesse qualquer espécie de herdeiro. Cabe esclarecer que bens adquiridos
onerosamente são aqueles considerados objeto de compra e venda, por
exemplo.
Exemplificando: se o companheiro
tivesse dois filhos em comum com o falecido, receberia metade da
herança entendida como bens adquiridos na constância da união estável a título
oneroso. No caso de não ter filhos em comum e concorrer
com dois filhos exclusivos do falecido, este teria direito
a ¼ (um quarto) do patrimônio adquirido na constância da união estável.
E, inexistindo filhos do falecido, concorreria com os demais parentes
recebendo 1/3 (um terço) da herança.
Enquanto o companheiro herda apenas nas condições acima
estabelecidas pelo Código Civil, o cônjuge sobrevivente é herdeiro necessário,
concorrendo igualmente com os descendentes (filhos comuns ou não), com os
ascendentes e se não houver descendentes ou ascendentes, terá direito à
totalidade da herança.
Sobre a sucessão no caso de pessoas casadas, a legislação em
vigor (Código Civil) diz que com falecimento de um dos cônjuges e a abertura da
sucessão, não havendo testamento quanto à parte disponível do seu patrimônio,
transmite-se a herança aos herdeiros legítimos dentre os quais está o cônjuge,
na terceira classe concorrendo com os descendentes ou ascendentes, que estão
elencados nas duas primeiras ordens de herdeiros
necessários.
Na hipótese de o falecido não ter deixado descendentes
(filhos, netos, bisnetos) nem ascendentes (pais, avós, bisavós), o cônjuge
sobrevivente é chamado à sucessão e herda a totalidade do patrimônio, conforme
estabelece o artigo 1.838 do Código Civil. Desse modo, mesmo que haja parentes
colaterais (irmãos, tios e sobrinhos), se não houver descendentes nem
ascendentes, a sucessão será deferida, integralmente ao cônjuge
sobrevivente.
Na concorrência entre cônjuges, descentes e ascendentes é
preciso observar o regime de bens do casal. Se o regime de bens vigente era o
de comunhão universal, onde comunicam-se todos os bens, direitos e obrigações
adquiridos antes ou após o casamento, a título gratuito (herança ou doação) ou
oneroso (doação ou herança), cabe ao cônjuge sobrevivente a meação (metade do
patrimônio), mas não concorre com os descentes. Se o regime de bens for o da
separação obrigatória (pessoas maiores de 70 anos, ou menores de 18 anos, por
exemplo), o cônjuge, também, não será chamado a concorrer com os descendentes.
No caso do regime de bens adotado for o “comum” da comunhão parcial, o cônjuge
sobrevivente adquire a sua meação (metade dos bens adquiridos na constância do
casamento de forma onerosa) e somente participa da sucessão relativa aos bens
particulares do falecido, em concorrência com os
descendentes.
Na hipótese de concorrência entre cônjuge e descendentes, o
cônjuge recebe o quinhão (parte) igual ao dos que sucederem por cabeça, mas sua
parte não pode ser inferior à quarta parte da herança. Exemplificando, se o
falecido tinha três filhos, a concorrência entre eles e o cônjuge sobrevivente
é solucionada com a divisão igualitária, cabendo um quarto a cada um dos
descendentes e ao cônjuge. Contudo, se houver quatro ou mais descendentes do
falecido, além do cônjuge sobrevivente, a este caberá um quarto da herança e o
restante será dividido entre os descendentes.
Já na concorrência do cônjuge com os ascendentes, este
receberá, além da sua meação cabível conforme o regime de bens adotado, a quota
relativa aos demais bens inventariados. De acordo com o artigo 1.837, do Código
Civil, observa-se a seguinte situação: i) se concorrer com ascendente em
primeiro grau, isto é, com os pais do falecido, ao cônjuge caberá 1/3 (um
terço) da herança; b) se concorrer com apenas um ascendente, como por exemplo
só com a mãe do falecido, caber-lhe-á a metade da herança; c) se concorrer com
ascendentes de maior grau, como avós, bisavós, também lhe é assegurado a metade
da herança.
Pois bem, nos termos do Código Civil, o companheiro era
diferenciado do cônjuge no momento da sucessão, pois não era classificado
como herdeiro necessário, portanto, só recebia a totalidade da herança na
hipótese de não haver parentes colaterais, ou seja, tios, irmãos ou
sobrinhos.
Visando corrigir a desigualdade legislativa, na medida em
que a união estável foi equiparada ao casamento pela Constituição Federal, o
Supremo Tribunal Federal (STF – RE: 646721 RS) declarou em 2017 a
inconstitucionalidade do art. 1.790 do Código Civil, garantindo assim ao
companheiro(a) os mesmos direitos do cônjuge sobrevivente estabelecido no art.
1.829 do Código Civil.
Desta forma, atualmente não existem distinções entre o
direito de herança do cônjuge sobrevivente e do companheiro(a), garantindo-se ao
companheiro(a) os mesmos direitos do cônjuge na
sucessão, restando preservada a igualdade de direitos tanto no
casamento como na união estável.
Elisângela
Lima dos Santos Borges - especialista em Direito de Família e Sucessões e sócia
no Gaudêncio Advogados, escritório multidisciplinar com unidades em São Paulo
(SP), Belo Horizonte (MG), João Pessoa (PB) e Nova Iorque (EUA).