A violência contra
a pessoa idosa no Brasil faz parte de uma realidade triste. Entretanto, os
mecanismos legais de proteção aos cidadãos de terceira idade permitem que o
Estado tenha um controle mais rigoroso para este tipo de situação. A Lei
Federal nº. 11.340, de 7 de agosto de 2006, também conhecida como “Lei Maria da
Penha”, criou mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a
mulher, nos termos do quanto disposto no parágrafo 8º do artigo 226 da
Constituição Federal, além de dar outras providências visando garantir, muitas
vezes, a vida e a integridade física de quem foi agredido no ambiente
doméstico. O conceito que temos sobre a violência doméstica e familiar não pode
mais ser considerada apenas como aquela que é perpetrada pelo marido ou
companheiro em face da mulher ou companheira.
Por conta dos
avanços e das modificações pelas quais passa a sociedade, tem-se entendido que,
em casos de relações homoafetivas, e também, por incrível que pareça, em casos
em que a violência perpetrada pela mulher em face do homem, também tem se
autorizado que se promova a aplicação das determinações previstas na Lei “Maria
da Penha.”
Essa ampliação do
âmbito de atuação da Lei “Maria da Penha” justifica-se por conta da analogia. A
analogia pode ser conceituada como a relação de semelhança entre coisas ou
fatos distintos.
Se a analogia é a
existência de semelhança entre coisas ou fatos que não são exatamente iguais,
podemos afirmar que as normas previstas na Lei “Maria da Penha” podem ser
aplicadas sim nos casos de violência sexual contra menores, nos casos de
violência física contra idosos, por exemplo, pelo fato de que ambas as
situações ocorrerem dentro do ambiente doméstico e familiar e somente a Lei nº.
11.340 traz um rol de medidas protetivas que não está previsto nem no Estatuto
da Criança e do Adolescente, e nem no Estatuto do Idoso, tampouco no Código
Civil ou em outro regramento específico.
Por exemplo,
pode-se aplicar as medidas protetivas disciplinadas nos artigos 22 e seguintes
da Lei nº. 11.340 para os casos em que o padrasto abusa sexualmente da enteada;
para os casos em que há violência contra idosos, por exemplo.
O que deve haver,
obrigatoriamente, para que as disposições constantes na Lei nº. 11.340 possam
ser aplicadas mesmo em situações que não sejam especificamente de violência
contra a mulher, é que essa violência deve ocorrer no ambiente doméstico,
dentro dos muros de cada casa.
Justamente pelo
fato de que a Lei “Maria da Penha” pode ser aplicada em qualquer caso de
violência doméstica ou familiar, que os Tribunais de Justiça Estaduais têm
admitido a aplicação das medidas protetivas determinadas em tal regramento para
os casos de violência contra idosos.
Antes de
analisarmos o modo pelo qual essas medidas protetivas são aplicadas diante do
caso concreto, mister se faz destacar quais são essas medidas protetivas
previstas na Lei “Maria da Penha” que podem ser aplicadas no caso de violência
cometida contra o idoso no ambiente doméstico / familiar.
Essas medidas vêm
disciplinadas no artigo 22 da Lei nº. 11.340, de 7 de agosto de 2006. Vejamos:
“Art.
22: Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos
termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto
ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras:
I –
Suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão
competente, nos termos da Lei nº. 10.826, de 22 de dezembro de 2003;
II –
Afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida;
III –
proibição de determinadas condutas, entre as quais:
a)
aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite
mínimo de distância entre estes e o agressor;
b)
contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de
comunicação;
c)
frequentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e
psicológica da ofendida;
IV –
Restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de
atendimento multidisciplinar ou serviço similar;
V –
Prestação de alimentos provisionais ou provisórios.”
Dessa forma, mesmo
que o idoso tenha sido violentado por algum familiar seu, o agressor poderá,
por exemplo, ser afastado do local de convivência com o ofendido, o agressor
poderá ser obrigado a prestar alimentos provisionais ao ancião, a fim de que a
subsistência do idoso seja mantida.
Vejamos, então,
como essas medidas protetivas previstas na Lei “Maria da Penha” podem ser
aplicadas nos casos envolvendo violência aos idosos, mediante a análise de um
julgado proferido pela 4ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de
São Paulo, em novembro de 2018, relatado pelo Desembargador Ivan Sartori, e
ementado da seguinte forma:
“Ementa:
Apelação defensória. Lesão corporal, ameaça, injúria qualificada contra idoso e
cárcere privado. Lei Maria da Penha. Provas suficientes a ensejarem o édito
condenatório, por todos os delitos. Palavra da vítima que, no âmbito doméstico
familiar, assume especial relevância. Precedente. Exame de corpo de delito, além
de testemunhos, a roborarem sua versão, ademais. Princípio da consunção.
Inaplicabilidade. Crimes distintos e autônomos. Condenação que se sustenta.
Penas e regime mantidos. Detração. Matéria de competência do juízo das
execuções criminais. Recurso desprovido.”
Conforme
determinado no julgado acima, o genro da idosa vítima da agressão teria
utilizado-se de elementos referentes à condição de idosa para ofender à
dignidade da anciã.
Teriam sido
proferidas palavras de baixo calão pelo genro da idosa, além da ocorrência de
socos e chutes por parte do agressor, e do cárcere privado que foi perpetrado
pelo genro da idosa, que pegou seu filho, neto da anciã, de apenas dois meses
de idade, que estava no berço, e dizia, ameaçando a criança com uma faca, que
mataria seu descendente e, em seguida, cometeria suicídio.
Diante dessa
situação, a Polícia Militar chegou na casa da idosa, e, mediante sucesso na
negociação com o genro da anciã, a criança foi entregue a um parente sem
ferimentos, e os policiais imobilizaram o malfeitor.
Enquanto os autos
tramitaram junto à 1ª Vara Criminal da Comarca de Suzano, teria sido
determinado que o agressor deveria ser afastado do lar conjugal, justamente
para que tais ofensas, tanto físicas quanto psicológicas, fossem evitadas e que
uma criança de tão tenra idade não fosse vítima dos arroubos incontrolados de
seu genitor, além da restrição das visitas aos dependentes menores.
Ao julgar o
recurso de apelação, o Desembargador Relator decidiu que,
“E as
ameaças, ressalte-se, foram de natureza séria, havendo claro dolo, tanto que a
vítima Carmem (também representante de Shirlei) representou em desfavor do
acionado, pugnando, inclusive, pela concessão de medidas protetivas (fls.
05/6). É o quanto basta à configuração do ilícito, sendo irrelevante ter sido a
intimidação perpetrada durante eventual desentendimento, uma vez que
descipiendo ânimo calmo e refletido por parte do ameaçador, considerado que
tanto não exige o tipo.”
Essas medidas
protetivas já deferidas pelo Juízo de 1º grau foram reafirmadas pelo
Desembargador Relator, quando do julgamento do recurso de apelação, pois a
integridade física da criança e da idosa, enquanto pessoas vulneráveis, devem
ser protegidas pelo Estado, por meio da aplicação das medidas previstas na Lei
“Maria da Penha”.
O fato de tais
regramentos não estarem previstos especificamente no Estatuto da Criança e do
Adolescente, ou no Estatuto do Idoso, ou no Código Civil, ou em alguma outra
norma que trate sobre os idosos, ou as crianças e os adolescentes não faz com
que tais regramentos não possam ser aplicados em casos tão graves como são
aqueles que demandam a aplicação de tal norma.
O que já deveria
ter sido feito pelo legislador, quando da elaboração do Estatuto da Criança e
do Adolescente, do Código Civil, do Estatuto do Idoso, seria a previsão de
normas e sanções específicas para os casos que se coadunam com as respectivas
normas.
Muitas vezes, por
exemplo, o idoso não possui condições de morar sozinho por conta de alguma
enfermidade, e é o familiar que mora com o ancião que presta os cuidados
necessários, mas, por outro lado, é aquele que agride o idoso justamente por
causa da doença que o acomete.
Em situações
assim, caso nenhum outro familiar possa abrigar e prestar os cuidados
necessários para garantir a integridade do ancião, o Estado deve providenciar
algum tipo de internação para o idoso, em um local adequado, a fim de que a
medida protetiva possa ser efetivada e o mínimo de dignidade possa ser garantido
ao ancião.
Todavia, nem
sempre tais medidas protetivas são aplicadas.
Há aqueles que
entendem que, por exemplo, que, por falta de previsão legal específica, não se
poderiam aplicar as medidas protetivas previstas na Lei nº. 11.340, de 2006
para proteger o idoso dos arroubos inconsequentes de familiares que não assumem
a responsabilidade para cuidarem de quem já percorreu uma grande parte da
estrada da vida.
Diante disso,
percebemos que a legislação vigente criou mecanismos nos mais variados aspectos
e âmbitos de aplicação, para proteger os idosos, enquanto são consideradas
pessoas vulneráveis na sociedade em que estão inseridos, dependendo, portanto,
de uma maior proteção da sociedade e do Estado.
Natalia Bacaro Coelho - pós-graduada em Direito de Família e Sucessões
Aplicado pelo Centro Universitário da FMU e em Direito Civil pela Universidade
Presbiteriana Mackenzie, advogada do escritório Cerveira, Bloch, Goettems,
Hansen e Longo Advogados Associados.